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FILOPARANAVAÍ

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O PEQUENO PRÍNCIPE de EXUPERY: algumas passagens



Literatura
Passagens do Livro "O Pequeno Príncipe" 

O Pequeno Príncipe - Capitulo IX

Creio que ele aproveitou, para evadir-se, pássaros selvagens que imigravam. Na manhã da partida, pôs o planeta em ordem. Revolveu cuidadosamente seus dois vulcões em atividade. Pois possuía dois vulcões. E era muito cômodo para esquentar o almoço. Possuía também um vulcão extinto. Mas, como ele dizia: “Quem é que pode garantir?”, revolveu também o extinto. Se eles são bem revolvidos, os vulcões queimam lentamente, regularmente, sem erupções. As erupções vulcânicas são como fagulhas de lareira. Na terra, nós somos muito pequenos para revolver os vulcões. Por isso é que nos causam tanto dano.

O principezinho arrancou também, não sem um pouco de melancolia, os últimos rebentos de baobá. Ele julgava nunca mais voltar. Mas todos esses trabalhos familiares lhe pareceram, aquela manhã, extremamente doces. E, quando regou pela última vez a flor, e se dispunha a colocá-la sob a redoma, percebeu que estava com vontade de chorar.
- Adeus, disse ele à flor.
Mas a flor não respondeu.
- Adeus, repetiu ele.
A flor tossiu. Mas não era por causa do resfriado.
- Eu fui uma tola, disse por fim. Peço-te perdão. Trata de ser feliz.
A ausência de censuras o surpreendeu. Ficou parado, inteiramente sem jeito, com a redoma no ar. Não podia compreender essa calma doçura.
- É claro que eu te amo, disse-lhe a flor. Foi por minha culpa que não soubeste de nada. Isso não tem importância. Foste tão tolo quanto eu. Trata de ser feliz… Mas pode deixar em paz a redoma. Não preciso mais dela.
- Mas o vento…
- Não estou assim tão resfriada… O ar fresco da noite me fará bem. Eu sou uma flor.
- Mas os bichos…
- É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas. Dizem que são tão belas! Do contrário, quem virá visitar-me? Tu estarás longe… Quanto aos bichos grandes, não tenho medo deles. Eu tenho as minhas garras.
E ela mostrava ingenuamente seus quatro espinhos. Em seguida acrescentou:
- Não demores assim, que é exasperante. Tu decidiste partir. Vai-te embora!
Pois ela não queria que ele a visse chorar. Era uma flor muito orgulhosa…


O Pequeno Principe - Capitulo VIII

Pude bem cedo conhecer melhor aquela flor. Sempre houvera, no planeta do pequeno príncipe, flores muito simples, ornadas de uma só fileira de pétalas, e que não ocupavam lugar nem incomodavam ninguém. Apareciam certa manhã na relva, e já à tarde se extinguiam. Mas aquela brotara um dia de um grão trazido não se sabe de onde, e o principezinho vigiara de perto o pequeno broto, tão diferente dos outros. Podia ser uma nova espécie de baobá. Mas o arbusto logo parou de crescer, e começou então a preparar uma flor. O principezinho, que assistia à instalação de um enorme botão, bem sentiu que sairia dali uma aparição miraculosa; mas a flor não acabava mais de preparar-se, de preparar sua beleza, no seu verde quarto. Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma sua pétalas. Não queria sair, como os cravos, amarrotada. No radioso esplendor da sua beleza é que ela queria aparecer. Ah! Sim. Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto, durara dias e dias. E eis que uma bela manhã, justamente à hora do sol nascer, havia-se, afinal, mostrado.
E ela, que se preparava com tanto esmero, disse, bocejando:
- Ah! Eu acabo de despertar… Desculpa… Estou ainda toda despenteada…
O principezinho, então, não pôde conter o seu espanto:
- Como és bonita!
- Não é? Respondeu a flor docemente. Nasci ao mesmo tempo que o sol…

O principezinho percebeu logo que a flor não era modesta. Mas era tão comovente!
- Creio que é hora do almoço, acrescentou ela. Tu poderias cuidar de mim…
E o principezinho, embaraçado, fora buscar um regador com água fresca, e servira à flor.
Assim, ela o afligira logo com sua mórbida vaidade. Um dia por exemplo, falando dos seus quatro espinhos, dissera ao pequeno príncipe:

- É que eles podem vir, os tigres, com suas garras!
- Não há tigres no meu planeta, objetara o principezinho. E depois, os tigres não comem erva.
- Não sou uma erva, respondera a flor suavemente.
- Perdoa-me…
- Não tenho receio dos tigres, mas tenho horror das correntes de ar. Não terias acaso um pára-vento?

“Horror das correntes de ar… Não é muito bom para uma planta, notara o principezinho. É bem complicada essa flor…”
- À noite me colocarás sob a redoma. Faz muito frio no teu planeta. Está mal instalado. De onde eu venho…
Mas interrompeu-se de súbito. Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos. Humilhada por se ter deixado apanhar numa mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes, para pôr a culpa no príncipe:
- E o pára-vento?
- Ia buscá-lo. Mas tu me falavas…

Então ela redobrara a tosse para infligir-lhe remorso.
Assim o principezinho, apesar da boa vontade do seu amor, logo duvidara dela. Tomara a sério palavras sem importância, e se tornara infeliz.
“Não a devia ter escutado - confessou-me um dia - não se deve nunca escutar as flores. Basta olhá-las, aspirar o perfume. A minha embalsamava o planeta, mas eu não me contentava com isso. A tal história das garras, que tanto me agastara, me devia ter enternecido…”

Confessou-me ainda:
“Não soube compreender coisa alguma! Devia tê-la julgado pelos atos, não pelas palavras. Ela me perfumava, me iluminava… Não devia jamais ter fugido. Devia ter-lhe adivinhado a ternura sob os seus pobres ardis. São tão contraditórias as flores! Mas eu era jovem demais para saber amar.”


O Pequeno Príncipe - Capitulo VII

No quinto dia, sempre graças ao carneiro, este segredo da vida do pequeno príncipe me foi de súbito revelado. Pergunto-me, sem preâmbulo, como se fora o fruto de um problema muito tempo meditado em silêncio:
- Um carneiro, se come arbusto, come também as flores?
- Um carneiro come tudo que encontra.
- Mesmo as flores que tenham espinho?
- Sim. Mesmo as que têm.
- Então… para que servem os espinhos?

Eu não sabia. Estava ocupadíssimo naquele instante, tentando desatarraxar do motor um parafuso muito apertado. Minha pane começava parecer demasiado grave, e em, breve já não teria água para beber…
- Para que servem os espinhos?
O principezinho jamais renunciava a uma pergunta, depois que a tivesse feito. Mas eu estava irritado com o parafuso e respondi qualquer coisa:
- Espinho não serve para nada. São pura maldade das flores.
- Oh!

Mas após um silêncio, ele me disse com uma espécie de rancor:
- Não acredito! As flores são fracas. Ingênuas. Defendem-se como podem. Elas se julgam terríveis com os seus espinhos…
Não respondi. Naquele instante eu pensava: “Se esse parafuso ainda resiste, vou fazê-lo saltar a martelo”. O principezinho perturbou-me de novo as reflexões:
- E tu pensas então que as flores…
- Ora! Eu não penso nada. Eu respondi qualquer coisa. Eu só me ocupo com coisas sérias!

Ele olhou-me estupefato:
- Coisas sérias!
Via-me, martelo em punho, dedos sujos de graxa, curvado sobre um feio objeto.
- Tu falas como as pessoas grandes!
Senti um pouco de vergonha. Mas ele acrescentou, implacável:
- Tu confundes todas as coisas… Misturas tudo!
Estava realmente muito irritado. Sacudia ao vento cabelos de ouro:
- Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu: “Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!” e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo!
- Um o quê?
- Um cogumelo!

O principezinho estava agora pálido de cólera.
- Há milhões e milhões de anos que as flores fabricam espinhos. Há milhões e milhões de anos que os carneiros as comem, apesar de tudo. E não será sério procurar compreender por que perdem tanto tempo fabricando espinhos inúteis? Não terá importância a guerra dos carneiros e das flores? Não será mais importante que as contas do tal sujeito? E se eu, por minha vez, conheço uma flor única no mundo, que só existe no meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode liquidar num só golpe, sem avaliar o que faz, - isto não tem importância?!
Corou um pouco, e continuou em seguida:
- Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla. Ele pensa: “Minha flor está lá, nalgum lugar…” Mas se o carneiro come a flor, é para ele, bruscamente, como se todas as estrelas se apagassem! E isto não tem importância!
Não pôde dizer mais nada. Pôs-se bruscamente a soluçar. A noite caíra. Larguei as ferramentas. Ria-me do martelo, do parafuso, da sede e da morte. Havia numa estrela, num planeta, o meu, a Terra, um principezinho a consolar! Tomei-o nos braços. Embalei-o. E lhe dizia: “A flor que tu amas não está em perigo… Vou desenhar uma pequena mordaça para o carneiro… Uma armadura para a flor… Eu…”. Eu não sabia o que dizer. Sentia-me desajeitado. Não sabia como atingi-lo, onde encontrá-lo… É tão misterioso, o país das lágrimas!

O Pequeno Príncipe - Capitulo VI

Assim eu comecei a compreender, pouco a pouco, meu pequeno principezinho, a tua vidinha melancólica. Muito tempo não tiveste outra distração que a doçura do pôr-do-sol. Aprendi esse novo detalhe quando me disseste, na manhã do quarto dia:


- Gosto muito de pôr-do-sol. Vamos ver um…
- Mas é preciso esperar…
- Esperar o quê?
- Que o sol se ponha.

Tu fizeste um ar de surpresa, e, logo depois, riste de ti mesmo. Disseste-me:
- Eu imagino sempre estar em casa!
De fato. Quando é meio dia nos Estados Unidos, o sol, todo mundo sabe, está se deitando na França. Bastaria ir à França num minuto para assistir ao pôr-do-sol. Infelizmente, a França é longe demais. Mas no teu pequeno planeta, bastava apenas recuar um pouco a cadeira. E contemplavas o crepúsculo todas as vezes que desejavas…
- Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e três vezes!
E um pouco mais tarde acrescentaste:
- Quando a gente está triste demais, gosta do pôr-do-sol…
- Estavas tão triste assim no dia dos quarenta e três?

Mas o principezinho não respondeu.

O Pequeno Príncipe - Capitulo V

Dia a dia eu ficava sabendo mais alguma coisa do planeta, da partida, da viagem. Mas isso devagarinho, ao acaso das reflexões. Foi assim que vim a conhecer, no terceiro dia, o drama dos baobás.
Dessa vez ainda, foi graças ao carneiro. Pois bruscamente o principezinho me interrogou, tomado de grave dúvida:

- É verdade que os carneiros comem arbustos?
- Sim. É verdade.
- Ah! Que bom!

Não compreendi logo porque era tão importante que os carneiros comessem arbustos. Mas o principezinho acrescentou:
- Por conseguinte eles comem também os baobás?
Fiz notar ao principezinho que os baobás não são arbustos, mas árvores grandes como igrejas. E que mesmo que ele levasse consigo todo um rebanho de elefantes, eles não chegariam a dar cabo de um único baobá.
A idéia de um rebanho de elefantes fez rir ao principezinho:

- Seria preciso botar um por cima do outro…
Mas notou, em seguida, sabiamente:
- Os baobás, antes de crescer, são pequenos.
- É fato! Mas por que desejas tu que os carneiros comam os baobás pequenos?
- Por que haveria de ser? respondeu-me, como se se tratasse de uma evidência. E foi-me preciso um grande esforço de inteligência para compreender sozinho esse problema.

Com efeito, no planeta do principezinho havia, como em todos os outros planetas, ervas boas e más. Por conseguinte, sementes boas, de ervas boas; sementes más, de ervas más. Mas as sementes são invisíveis. Elas dormem no segredo da terra até que uma cisme de despertar. Então ela espreguiça, e lança timidamente para o sol um inofensivo galhinho. Se é de roseira ou rabanete, podemos deixar que cresça à vontade. Mas quando se trata de uma planta ruim, é preciso arrancar logo, mal a tenhamos conhecido.
Ora, havia sementes terríveis no planeta do principezinho: as sementes de baobá… O solo do planeta estava enfestado. E um baobá, se a gente custa a descobri-lo, nunca mais se livra dele. Atravanca todo o planeta. Perfura-o com suas raízes. E se o planeta é pequeno e os baobás numerosos, o planeta acaba rachando.
“É uma questão de disciplina, me disse mais tarde o principezinho. Quando a gente acaba a toalete da manhã, começa a fazer com cuidado a toalete do planeta. É preciso que a gente se conforme em arrancar regularmente os baobás logo que se distingam das roseiras, com as quais muito se parecem quando pequenos. É um trabalho sem graça, mas de fácil execução.”
Em um dia aconselhou-me a tentar um belo desenho que fizesse essas coisas entrarem de uma vez na cabeça das crianças. “Se algum dia tiverem de viajar, explicou-me, poderá ser útil para elas. Às vezes não há inconveniente em deixar um trabalho para mais tarde. Mas, quando se trata de baobá, é sempre uma catástrofe. Conheci um planeta habitado por um preguiçoso. Havia deixado três arbustos…”
E, de acordo com as indicações do principezinho, desenhei o tal planeta.
Não gosto de tomar o tom de moralista. Mas o perigo dos baobás é tão pouco conhecido, e tão grandes os riscos daquele que se perdesse num asteróide, que, ao menos uma vez, faço exceção à minha reserva. E digo portanto: “Meninos! Cuidado com os baobás!” Foi para advertir meus amigos de um perigo que há tanto tempo os ameaçava, como a mim, sem que pudéssemos suspeitar, que tanto caprichei naquele desenho. A lição que eu dava valia a pena. Perguntarão, talvez: Por que não há nesse livro outros desenhos tão grandiosos como o desenho dos baobás? A resposta é simples: tentei, mas não consegui. Quando desenhei os baobás, estava inteiramente possuído pelo sentimento de urgência.



O Pequeno Príncipe - Capitulo IV

Eu aprendera, pois, uma segunda coisa, importantíssima: o seu planeta de origem era pouco maior que uma casa! 

Não era surpresa para mim. Sabia que além dos grandes planetas - Terra, Júpiter, Marte ou Vênus, aos quais se deram nome - há centenas e centenas de outros, por vezes tão pequenos que mal se vêem no telescópio. Quando o astrônomo descobre um deles, dá-lhe por nome um número. Chama-o, por exemplo: “asteróide 3251?.
Tenho sérias razões para supor que o planeta de onde vinha o príncipe era o asteróide B 612. Esse asteróide só foi visto uma vez ao telescópio, em 1909, por um astrônomo turco.
Ele fizera na época uma grande demonstração da sua descoberta num Congresso Internacional de Astronomia. Mas ninguém lhe dera crédito, por causa das roupas que usava. As pessoas grandes são assim.
Felizmente para a reputação do asteróide B 612, um ditador turco obrigou o povo, sob pena de morte, a vestir-se à moda européia. O astrônomo repetiu sua demonstração em 1920, numa elegante casaca. Então, dessa vez, todo o mundo se convenceu.
Se lhes dou esses detalhes sobre o asteróide B 612 e lhes confio o seu número, é por causa das pessoas grandes. As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam nunca: “Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que coleciona borboletas?” Mas perguntam: “Qual é sua idade? Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?” Somente então é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos às pessoas grandes: “Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado…” elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma idéia da casa. É preciso dizer-lhes: “Vi uma casa de seiscentos contos”. Então elas exclamam: “Que beleza!”
Assim, se a gente lhes disser: “A prova de que o principezinho existia é que ele era encantador, que ele ria, e que ele queria um carneiro. Quando alguém quer um carneiro, é porque existe” elas darão de ombros e nos chamarão de criança! Mas se dissermos: “O planeta de onde ele vinha é o asteróide B 612? ficarão inteiramente convencidas, e não amolarão com perguntas. Elas são assim mesmo. É preciso não lhes querer mal por isso. As crianças devem ser muito indulgentes com as pessoas grandes.
Mas nós, nós que compreendemos a vida, nós não ligamos aos números! Gostaria de ter começado esta história à moda dos contos de fada. Teria gostado de dizer:

“Era uma vez um pequeno príncipe que habitava um planeta pouco maior que ele, e que tinha necessidade de um amigo…” Para aqueles que compreendem a vida, isto pareceria sem dúvida muito mais verdadeiro.
Porque eu não gosto que leiam meu livro levianamente. Dá-me tristeza narrar essas lembranças! Faz já seis anos que meu amigo se foi com seu carneiro. Se tento descrevê-lo aqui, é justamente porque não o quero esquecer. É triste esquecer um amigo. Nem todo o mundo tem amigo. E eu corro o risco de ficar como as pessoas grandes, que só se interessam por números. Foi por causa disso que comprei uma caixa de tintas e alguns lápis também. É duro pôr-se a desenhar na minha idade, quando nunca se fez outra tentativa além das jibóias fechadas e abertas dos longínquos seis anos! Experimentarei, é claro, fazer os retratos mais parecidos que puder. Mas não tenho muita esperança de conseguir. Um desenho parece passável; outro, já é inteiramente diverso. Engano-me também no tamanho. Ora o principezinho está muito grande, ora pequeno demais. Hesito também quanto à cor do seu traje. Vou arriscando então, aqui e ali. Enganar-me-ei provavelmente em detalhes dos mais importantes. Mas é preciso desculpar. Meu amigo nunca dava explicações. Julgava-me talvez semelhante a ele. Mas, infelizmente, não sei ver carneiro através de caixa. Sou um pouco como as pessoas grandes. Acho que envelheci.

O Pequeno Príncipe - Capitulo III

Levei muito tempo para compreender de onde viera. O principezinho, que me fazia milhares de perguntas, não parecia sequer escutar as minhas. Palavras pronunciadas ao acaso é que foram, pouco a pouco, revelando tudo. Assim, quando viu pela primeira vez meu avião (não vou desenhá-lo aqui, é muito complicado para mim), perguntou-me bruscamente:
- Que coisa é aquela?
- Não é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. O meu avião.
Eu estava orgulhoso de lhe comunicar que eu voava. Então ele exclamou:
- Como? Tu caíste do céu?
- Sim, disse eu modestamente.
- Ah! como é engraçado…
E o principezinho deu uma bela risada, que me irritou profundamente. Gosto que levem a sério as minhas desgraças. Em seguida acrescentou:
- Então, tu também vens do céu! De que planeta és tu?
Vislumbrei um clarão no mistério da sua presença, e interroguei bruscamente:
- Tu vens então de outro planeta?
Mas ele não me respondeu. Balançava lentamente a cabeça considerando o avião:
-É verdade que, nisto aí, não podes ter vindo de longe…
Mergulhou então num pensamento que durou muito tempo. Depois, tirando do bolso o meu carneiro, ficou contemplando o seu tesouro.
Poderão imaginar que eu ficara intrigado com aquela semiconfidência sobre “os outros planetas”. Esforcei-me, então, por saber mais um pouco.
- De onde vens, meu bem? Onde é tua casa? Para onde queres levar meu carneiro?
Ficou meditando em silêncio, e respondeu depois:
- O bom é que a caixa que me deste poderá, de noite, servir de casa.
- Sem dúvida. E se tu fores bonzinho, darei também uma corda para amarrá-lo durante o dia. E uma estaca.
A proposta pareceu chocá-lo:
- Amarrar? Que idéia esquisita!
- Mas se tu não o amarras, ele vai-se embora e se perde…
E meu amigo deu uma nova risada:
- Mas onde queres que ele vá?
- Não sei… Por aí… Andando sempre para frente.
Então o principezinho observou, muito sério:
- Não faz mal, é tão pequeno onde moro!
E depois, talvez com um pouco de melancolia, acrescentou ainda:
- Quando a gene anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe...


O Pequeno Príncipe - Capitulo II

Vivi portanto só, sem amigo com quem pudesse realmente conversar, até o dia, cerca de seis anos atrás, em que tive uma pane no deserto do Saara. Alguma coisa se quebrara no motor. E como não tinha comigo mecânico ou passageiro, preparei-me para empreender sozinho o difícil conserto. Era, para mim, questão de vida ou de morte. Só dava para oito dias a água que eu tinha. 
Na primeira noite adormeci pois sobre a areia, a milhas e milhas de qualquer terra habitada. Estava mais isolado que o náufrago numa tábua, perdido no meio do mar. Imaginem então a minha surpresa, quando, ao despertar do dia, uma vozinha estranha me acordou. Dizia:
- Por favor… desenha-me um carneiro!
- Hem!
- Desenha-me um carneiro…
Pus-me de pé, como atingido por um raio. Esfreguei os olhos. Olhei bem. E vi um pedacinho de gente inteiramente extraordinário, que me considerava com gravidade. Eis o melhor retrato que, mais tarde, consegui fazer dele.
Meu desenho é, seguramente, muito menos sedutor que o modelo. Não tenho culpa. Fora desencorajado, aos seis anos, da minha carreira de pintor, e só aprendera a desenhar jibóias abertas e fechadas.
Olhava pois essa aparição com olhos redondos de espanto. Não esqueçam que eu me achava a mil milhas de qualquer terra habitada. Ora, o meu homenzinho não me parecia nem perdido, nem morto de fadiga, nem morto de fome, de sede ou de medo. Não tinha absolutamente a aparência de uma criança perdida no deserto, a mil milhas da região habitada. Quando pude enfim articular palavra, perguntei-lhe:
- Mas … que fazes aqui?
E ele repetiu-me então, brandamente, como uma coisa muito séria:
- Por favor … desenha-me um carneiro …
Quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer. Por mais absurdo que aquilo me parecesse a mil milhas de todos os lugares habitados e em perigo de morte, tirei do bolso uma folha de papel e uma caneta. Mas lembrei-me, então, que eu havia estudado de preferência geografia, história, cálculo e gramática, e disse ao garoto (com um pouco de mau humor) que eu não sabia desenhar. Respondeu-me:
- Não tem importância. Desenha-me um carneiro.
Como jamais houvesse desenhado um carneiro, refiz para ele um dos dois únicos desenhos que sabia. O da jibóia fechada. E fiquei estupefato de ouvir o garoto replicar:
- Não! Não! Eu não quero um elefante numa jibóia. A jibóia é perigosa e o elefante toma muito espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Preciso é dum carneiro. Desenha-me um carneiro.
Então eu desenhei.
Olhou atentamente, e disse:
- Não! Esse já está muito doente. Desenha outro.
Desenhei de novo.
Meu amigo sorriu com indulgência:
- Bem vês que isto não é um carneiro. É um bode… Olha os chifres…
Fiz mais uma vez o desenho.
Mas ele foi recusado como os precedentes:
- Este aí é muito velho. Quero um carneiro que viva muito.
Então, perdendo a paciência, como tinha pressa de desmontar o motor, rabisquei o desenho ao lado.
E arrisquei:
- Esta é a caixa. O carneiro está dentro.
Mas fiquei surpreso de ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz:
- Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse carneiro?
- Por quê?
- Porque é muito pequeno onde eu moro…
- Qualquer coisa chega. Eu te dei um carneirinho de nada!
Inclinou a cabeça sobre o desenho:
- Não é tão pequeno assim… Olha! Adormeceu…
E foi desse modo que eu travei conhecimento, um dia, com o pequeno príncipe.


O Pequeno Príncipe - Capitulo I

Certa vez, quando tinha seis anos, vi num livro sobre a Floresta Virgem, “Histórias Vividas”, uma imponente gravura. Representava ela uma jibóia que engolia uma fera.
Dizia o livro: “As jibóias engolem, sem mastigar, a presa inteira. Em seguida, não podem mover-se e dormem os seis meses da digestão.”
Refleti muito então sobre as aventuras da selva, e fiz, com lápis de cor, o meu primeiro desenho.
Mostrei minha obra prima às pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes fazia medo.
Respondera-me: “Por que é que um chapéu faria medo?”
Meu desenho não representava um chapéu. Representava uma jibóia digerindo um elefante. Desenhei então o interior da jibóia, a fim de que as pessoas grandes pudessem compreender. Elas têm sempre necessidade de explicações.
As pessoas grandes aconselharam-me deixar de lado os desenhos de jibóias abertas ou fechadas, e dedicar-me de preferência à geografia, à história, ao cálculo, à gramática. Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor. Eu fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, estar toda hora explicando.
Tive pois de escolher uma outra profissão e aprendi a pilotar aviões. Voei, por assim dizer, por todo o mundo. E a geografia, é claro, me serviu muito. Sabia distinguir, num relance, a China e o Arizona. É muito útil, quando se está perdido na noite.
Tive assim, no decorrer da vida, muitos contatos com muita gente séria. Vivi muito no meio das pessoas grandes. Vi-as muito de perto. Isso não melhorou, de modo algum, a minha antiga opinião.
Quando encontrava uma que me parecia um pouco lúcida, fazia com ela a experiência do meu desenho número 1, que sempre conservei comigo. Eu queria saber se ela era verdadeiramente compreensiva. Mas respondia sempre: “É um chapéu”. Então eu não lhe falava nem de jibóias, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Punha-me ao seu alcance. Falava-lhe de bridge, de golfe, de política, de gravatas. E a pessoa grande ficava encantada de conhecer um homem tão razoável.

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