PROBLEMATIZANDO O ENSINO-APRENDIZAGEM DE FILOSOFIA
Qual deve ser o modelo de ensino da disciplina de Filosofia na Educação Básica: a prática do pensamento crítico contextualizado e dialógico ou a repetição de conteúdos historiográficos abstratos e indiscutíveis?
A tensão entre estas duas possibilidades e, a busca por uma solução congruente urge de uma necessidade programática para o ensino de Filosofia que em nenhum momento pode negar um destes elementos que alimentam esta dinâmica tensiva.
Seria justo afirmarmos que todo homem e, em especial, tratando-se do homem Ocidental, parafraseando novamente o que já teria afirmado Gramsci, em certa medida, é filósofo; uma vez que herdamos a capacidade de filosofar dos gregos antigos.
Porém, apesar de fazer ressonância a esta afirmação gramsciana, Jaspers, por exemplo, afirma que “Todo o Homem enquanto homem filosofa. Mas a coerência conceptual do que esta afirmação implica não se alcança de modo algum num rápido relance. O pensamento filosófico sistemático requer estudo” .
Portanto, é correto afirmar também que a Filosofia de modo direto não "ensina a pensar" e nem a "ser ético". Trata-se de uma disciplina como outra qualquer. O aluno é apresentado a um universo conceitual específico e, depois, nas provas e trabalhos, instado a mostrar como lida com as novas "ferramentas". Não há mágica nenhuma. E conforme nos recorda Jaspers, é um trabalho que exige um enorme esforço voluntário.
Não é porque o estudante vai ler textos que refletem sobre a aquisição do conhecimento, por exemplo, que se tornará mais apto a conhecer. De modo análogo, estudar como determinados autores pensaram a moral e a ética não é em absoluto garantia de que o aluno se tornará um ser mais moral e mais ético.
É desde esta base primordial que sustenta qualquer processo ensino-aprendizagem, que todo estudante de Filosofia deverá partir, até chegar (e/ou paralelamente fazendo) àquela tarefa de reler os acontecimentos de seu cotidiano, auxiliado por uma fundamentação Filosófica com ampla capacidade e liberdade de fazer leituras “transdisciplinares” .
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JASPERS, Iniciação filosófica, 1976. p.22
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Aqui é que entra o educador/Filósofo como facilitador deste processo. Cabe ao educador ter as habilidades mínimas para fazer essa congruência entre as inúmeras possibilidades de exercícios filosóficos (oferecidas pelas mais varias escolas clássicas de Filosofia construídas ao longo dos séculos) co-relacionados aos problemas concretos do cotidiano dos educandos que requerem respostas para além dos limites do senso comum.
Como já constatamos, em relação ao processo de implementação e consolidação da disciplina no Ensino Médio, as faculdades de filosofia dificilmente serão capazes de fornecer a legião de professores necessária para suprir a demanda, as escolas tenderão a recrutar seus docentes pela habilitação mais próxima da filosofia, que poderá advir da História, da Sociologia, da Pedagogia, da Teologia e de outras áreas por necessidades pontuais.
Assim, a ausência da especificidade formativa em Filosofia da maioria dos profissionais, que atuarão em sala de aula, exigirá uma atenção redobrada quanto à valorização do Educador-Filósofo colocando este em diálogo constante com os educadores-não Filósofos, através da constituição de uma rede transdisciplinar cooperativa de “educadores-filósofos”; formação continuada; difusão dos conhecimentos Filosóficos por todos os meios disponíveis; consolidação de ações pedagógicas contextualizadas e diferenciadas. .
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Esta perspectiva, que busca uma relação estreita entre os dois movimentos, em tensão, no ensino de Filosofia, em relação à sua finalidade aparece de forma muito clara na CARTA DE SALVADOR PARA A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA – ENSINO MÉDIO, p. 2 : “(...) Consideramos que a atividade filosófica, que não subtrai nenhuma idéia e fato à livre discussão e investigação, que se esforça em precisar as definições exatas das noções utilizadas, em verificar a validade dos raciocínios e das pesquisas, em examinar com atenção os argumentos dos outros, permite a cada um aprender a pensar por si mesmo e aprender a reconhecer os processos sociais implicados... (...) que o ensino de filosofia favorece a abertura do espírito, a responsabilidade cívica, a compreensão e a tolerância entre os indivíduos e suas relações dialógicas (...). Reafirmamos que a educação filosófica, formando espíritos livres e reflexivos - capazes de resistir às diversas formas de alienação, de fanatismo, de exclusão e de intolerância - contribui para a paz e prepara cada um a assumir suas responsabilidades face às grandes interrogações contemporâneas (...)”.
É bom lembrar que no Estado do Paraná já há um intencionalidade da SEED/PR no sentido de aglutinar estas forças: nos últimos anos foram oferecidos cursos de capacitações específicas, inclusive estando no calendário de 2009 a proposta de um Simpósio de Filosofia para o segundo semestre; há um grande número de recursos de apoio didático no site da SEED/PR, que possibilitam aos professores muitas ferramentas para qualificarem suas aulas.
Números (alunos matriculados) das Escolas Públicas geridas pelo Governo Estadual: Ensino Fundamental 1ª à 4 ª Séries: 25.917; 5ª à 8ª séries: 717.726; Ensino Médio e Ensino Médio Integrado (profissionalizante) 1ª à 4ª séries: 441.648. (Fonte: INEP-2007).
ROSA (2008): “Embora seja um tema quase negligenciado pela mídia, a estrutura de financiamento à educação limita as possibilidades de formulação e implementação de ações. Mas há quem esteja atento para isso. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, nos últimos cinco anos, realizou oficinas e debates que reuniram especialistas, estudantes, sociedade e governo para discutir, entre outros pontos, o financiamento da educação pública brasileira. “É importante que pais e alunos saibam quanto custa a educação de qualidade que têm o direito de exigir”, argumenta Iracema Santos do Nascimento, coordenadora de comunicação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que lembra ainda a importância da atual bandeira da Campanha, a instituição do Custo Aluno-Qualidade (CAQi), que dimensiona o quanto seria necessário investir por estudante para assegurar um bom ensino.(...)” Lembramos que o conceito de Custo Aluno–Qualidade está previsto em diversas leis, entre elas a Constituição Federal de 1988, mas até hoje não foi posto em prática. As constantes afirmações do Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, de que “a educação não deve ser encarada como despesa mas como investimento”, é alentadora em termos de esperanças para um futuro melhor do que o presente que temos agora.
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Entre o abismo existente na relação da perspectiva enciclopedista de ensinar Filosofia, herdada dos Jesuítas e que, não se enquadra mais em nossa atual realidade de ensino aprendizagem, pelo menos em sua forma exclusivista; e a perspectiva pedagógica deleuzeana presente nas orientações, de forma oficial, das diretrizes curriculares para o ensino de Filosofia na educação básica do Paraná, há alguns perigos a serem evitados: um deles, será a presença de muitos profissionais em sala de aula oriundos de instituições de Filosofia ligadas a confissões religiosas. O perigo aqui é a reprodução de um pseudo-ensino de Filosofia reprodutor de conteúdos dogmatizados, para reforçar apenas apologias religiosas, moralistas e de manutenção do status quo, vigente e convencional.
Por outro lado, a chamada “Filosofia de Vida” seria o outro cenário “apocalíptico” que entregaria a Filosofia ao desprezo total. A tendência quase que natural para um tipo de educação que trabalhe técnicas de auto-ajuda tem uma simpatia avassaladora em nossa atual sociedade. Facilmente, confunde-se ensino de Filosofia com pseudas filosofias oriundas do oriente, que mais tem, em potência, a capacidade de anestesiar a razão do que liberar esta.
Destarte, o regime militar eliminou, em 1971, a Filosofia do então colegial. Foi a chamada massificação da clientela escolar. Entre os anos 30 - a era dourada do ensino público - e os 90, o número de alunos da rede oficial aumentou nada menos do que 20 vezes . Os recursos aplicados cresceram numa proporção bem menor.
O retorno da filosofia e da sua companheira, a sociologia, ao ciclo básico, não passa nem perto de ser uma solução para a grave crise que a educação enfrenta hoje e ainda, as mesmas, necessitarão da auto-capacidade de se ajustarem ao difícil cenário em que se encontra mergulhado o ensino institucionalizado atual. A rápida ampliação da rede sem um aumento correspondente dos recursos investidos e uma outra gama de fatores levou a uma espécie de deterioração do Ensino.
Vamos abordar alguns outros fatores decorrentes deste cenário negativo que podem agravar ainda mais o cenário se não forem tomadas decisões pontuais e corretas, ao nível de gerência da educação, no âmbito governamental. Sabemos que os estragos levam anos, às vezes décadas e quiçá séculos para serem revertidos.
Não podemos ignorar que, formar docentes qualificados e entusiasmados com a vocação de ensinar, está cada vez mais difícil. Estudo encomendado pela Fundação Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil mostra que apenas 5% dos melhores alunos que se formam no ensino médio desejam trabalhar como docentes da educação básica. Dos que ficaram entre os 20% mais bem colocados no Enem 2005 (Exame Nacional do Ensino Médio), 31% querem trabalhar na área da saúde e 18% se inclinam para a engenharia.
Isto é questionador, não estaríamos recrutando nosso professorado entre os piores alunos? Para recrutar os melhores profissionais, hipoteticamente, é preciso oferecer uma carreira atrativa, senão financeiramente, ao menos em termos de valorização social do profissional, será que estamos fazendo isto? Os inúmeros casos de debilidades físicas e psíquicas que afastam milhares de profissionais das salas de aulas todos os anos, não é somente um sinal de que faltam condições mínimas ou mais seguras para que os educadores desenvolvam seus trabalhos?
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PINTO (2008): “O ensino médio no Brasil nasce nas mãos da iniciativa privada, em virtude do monopólio dado pela Coroa Portuguesa aos jesuítas, e permanece majoritariamente em mãos de entidades religiosas até a primeira metade do século XX. As poucas escolas públicas existentes caracterizavam-se pela qualidade do ensino e pela elitização, já que se utilizavam de processos seletivos para o ingresso. Esta situação começa a mudar na década de 1960, com a ampliação da rede pública e com a progressiva hegemonia no setor privado de escolas de caráter empresarial. Em 1971, com a Lei nº 5.692, acontece uma reorganização do então ensino secundário, de tal forma que o seu primeiro ciclo (antigo ginasial) passa a fazer parte da escolarização obrigatória, que passa de quatro para oito anos de duração, e o antigo segundo ciclo passa a se denominar ensino de 2º grau, com duração de três anos, constituindo-se, após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, no atual ensino médio.No período que vai de 1971 até 2006, esta etapa de ensino sofreu mudanças significativas no padrão de atendimento, com as matrículas crescendo oito vezes e a participação do setor privado caindo de 44% das matrículas, em 1971, para 12% destas, em 2006. Portanto, hoje, pode-se dizer que o poder público, por meio da receita de impostos, é o principal financiador do ensino médio, com a garantia de uma maior democratização do acesso.”
Ibid., (2008): “O preço pago, não obstante, por essa maior abertura do ensino médio aos jovens das famílias mais pobres, foi uma queda em sua qualidade. Por qualquer ângulo que se analise, constata-se uma situação explícita de subfinanciamento. Dados de comparações internacionais, para o ano de 2002, apontam um gasto médio por aluno do ensino médio no Brasil de US$ 801¹ por ano, enquanto no Chile este valor era de US$ 2.062; no México, US$ 2.564; na Coréia, US$ 7.276 e nos EUA, US$ 10.468. Um fato que suscita uma rápida discussão é que, mesmo quando comparado com os gastos por aluno de diferentes etapas da educação básica, observa-se um menor valor para o ensino médio (...).”
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0906200801.htm. Acesso: 13 de março 2009.
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Retomemos de novo um fator já considerado anteriormente: A introdução da filosofia e da sociologia em regime obrigatório e intensivo, no Ensino Médio, enfrentará, ao longo prazo, outra problemática: educandos encontram-se com deficiências quase que insanáveis no campo da grafia portuguesa, da leitura e por conseqüência da interpretação e produção de textos – considerando-se serem estes os instrumentos básicos do filosofar e que, vivenciamos um sistema educacional que não ensinou sua clientela a pensar por si mesma.
É bem claro, que para o educando apropriar-se de conhecimentos formais – como a Filosofia, por exemplo – estas habilidades sejam condições sine qua non , donde suscitamos outras questões: Não estará a filosofia, nesta perspectiva, condenada a permanecer no desprezo total? Então, como ensinar Filosofia no ensino médio? Mais do que isso: como ensinar de maneira significativa Filosofia para os jovens paranaenses de nosso tempo? Que conteúdos? Que metodologias? Que técnicas? Não estará a Filosofia, perdida em meio às outras disciplinas clássicas convertendo-se em apenas mais uma?
Passagem extraída de: LOPES, Lucio de Lima. O ENSINO DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ: UMA CRÍTICA A PARTIR DA PERSPECTIVA DELEUZEANA. 2009. 52 f. Monografia (Especialização em Educação: Métodos e Técnicas de Ensino). Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira, 2009.
Leia o Histórico da presença da disciplina de Filosofia no Ensino Médio no Brasil. Uma História de Inclusão e Exclusão: fruto do medo diante da Consciência Crítica. Medo daqueles que querem dominar as mentes humanas para satisfazerem seus desejos egocêntricos e cumulativos de poder material e político: cultura do TER. Filosofia e a autonomia do Homem, uma conexão que mete medo naqueles que permanecem no topo da pirâmide.
O Ensino de Filosofia no Brasil: Dos Jesuístas ao Regime Ditatorial pós-64
O ENSINO DE FILOSOFIA NO BRASIL: DO REGIME MILITAR PÓS 64 AOS DIAS DE HOJE
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