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FILOPARANAVAÍ

domingo, 2 de maio de 2010

TEETETO: estrutura geral da obra Teeteto de Platão


TEETETO (ou sobre o conhecimento) de Platão. O Teeteto (em grego, Θεαίτητος) é um diálogo platônico sobre a natureza do conhecimento.


Platão (428/427-348/347)
A obra de Platão é uma preciosidade da literatura de todos os tempos e um monumento filosófico de valor incomensurável. As questões postas, dizendo respeito á conduta ética e política dos atenienses, ao seu comportamento como indivíduos e em sociedade, gozam da maior pertinência vinte e quatro séculos depois. A sua finalidade é sempre a busca da verdade por meio da dialética.

Dialética era, na Grécia antiga, arte do diálogo. Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão.

Aristóteles considerava Zênon o fundador da dialética. Outros consideram Sócrates, pois em uma discussão sobre a função da filosofia (que estava sendo caracterizada como a uma atividade inútil), Sócrates desafiou os generais Lachés e Nícias a definir o que era bravura e o político Caliclés a definir o que era a política e a justiça. Isso com o intuito de demonstrar a eles que só a filosofia (por meio da dialética) podia lhes proporcionar instrumentos indispensáveis para entenderem a essência daquilo que faziam, das atividades profissionais a que se dedicavam.

Na acepção moderna, entretanto, dialética significa outra coisa: é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendemos a realidade como essencialmente contraditórias em permanente transformação.

No sentido moderno da palavra, o pensador dialético mais radical da Grécia antiga foi, sem dúvida, Heráclito de Efeso (aproximadamente 540-480 a.C). Para ele, tudo está em constante mudança, o conflito é o pai e o rei de todas as coisas. Lê-se também que a vida ou morte, sono ou vigília, que juventude ou velhice são realidades que se transformam em umas nas outras. Seu fragmento número 91, em especial, tornou-se famoso: nele se lê: Üm homem não toma banho duas vezes no mesmo rio". Isto porque da segunda vez, não será o mesmo homem e nem estará no mesmo rio (ambos terão mudado).

Os gregos acharam essa concepção muito abstrata, muito unilateral chamaram o filósofo de "o Obscuro". Os gregos preferiram a resposta que de outro pensador da época: Parmênides. Parmênides ensinava que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento (a mudança) era um fenômeno de superfície. Essa linha de pensamento - que podemos chamar de metafísica - acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito.

A concepção metafísica prevaleceu, ao longo da história, porque correspondia nas sociedades divididas em classes, aos interesses das classes dominantes, sempre preocupadas em organizar duradouramente o que já está funcionando, sempre interessadas em amarrar bem tanto os valores e conceitos como as instituições existentes.

A concepção dialética foi reprimida historicamente: foi empurrada para posições secundárias e condenada a exercer uma influência limitada. Apesar disso, a dialética não desapareceu. Para sobreviver, precisou renunciar às suas expressões mais drásticas, precisou conciliar-se com a metafísica. Aristóteles, por exemplo, introduziu princípios dialéticos em explicações dominadas pelo modo de pensar metafísico. Embora menos radical, ele observou que nós damos o mesmo nome de movimento a processos muito diferentes, que vão desde o mero deslocamento mecânico de um curto espaço, ao mero aumento quantitativo de alguma coisa, até a modificação qualitativa de um ser ou o nascimento de um ser novo.

Segundo Aristóteles, todas as coisas possuem determinadas potencialidades; os movimentos das coisas são potencialidades que estão se atualizando, isto é, são possibilidades que estão se transformando em realidade efetiva. Com seus conceitos de ato e potência, ele conseguiu impedir que o movimento fosse considerado apenas uma ilusão desprezível, um aspecto superficial da realidade. Graças a Aristóteles, os filósofos não abandonaram completamente estudo do lado dinâmico e imutável do real.

A dialética ficou sufocada até o Renascimento. Seu caráter instável, dinâmico e contraditório da condição humana foi corajosamente reconhecido por um pensador místico e conservador como Pascal (1623 - 1654). Outro filósofo, o italiano Giambattista Vico (1680 - 1744), também ajudou a dialética a se fortalecer. Ele achava que o homem não podia conhecer a natureza, que tinha sido feita por Deus e só como Deus podia ser efetivamente conhecida; mais sustentava que o homem podia conhecer a sua própria história, já que a realidade histórica é obra humana, é criada por nós. Esta formulação constituiu um poderoso estímulo a um método adequado e correto da compreensão da realidade histórica, ou seja, a elaboração de um método dialético.

Fonte: O que é Dialética, de Leandro Konder


LISTA DAS OBRAS

Período em torno da morte de Sócrates (399-390)

1. Hípias Menor - o falso

2. Laques - A coragem

3. Eutifron - A piedade

4. Ion - Sobre a Ilíada, a inspiração

5. Protágoras - Os sofistas, a educação, a virtude

6. Côrmides - A sabedoria prática

PERÍODO DA FUNDAÇÃO DA ACADEMIA(398-385)

7. Apologia -

8. Críton - O dever

9. Lísis - A amizade

10. Górgias - A retórica

11. Menexeno - A oração fúnebre

12. Eutídemo - A erística

13 - Mênon - A virtude, a teoria da reminiscência

14 - Crátilo - A justeza dos nomes, a linguagem

PERÍODO DA MATURIDADE (385-370)

15. Fédon - A imortalidade da alma

16. Banquete - O Amor, O Belo

17. A República - A justiça na alma e na cidade, o Bem

18. Fedro - o amor, a alma, a retórica, a dialética

PERÍODO DE VELHICE (370-348)

19. Teeteto - O Conhecimento

20. Parmênides - o uno e o múltiplo, as formas inteligíveis

21. Sofista - o sofista, o ser, o falso, o outro, a dialética

22 -Fílebo - o prazer, a vida boa

23. Político - a arte de governar

24. Crítias - Atlândida

25. Timeu - A cosmologia

26. Leis - O sistema político, a Legislação


Estrutura geral da obra Teeteto de Platão

1.Sobre o diálogo e o jovem Teeteto.
2.Sócrates procura um interlocutor: preocupação de Sócrates com a educação dos jovens atenienses.
3. Sócrates questiona/investiga Teeteto sobre o que é conhecimento.
4. A primeira definição do conhecimento como percepção e a sua alegada equivalência à tese relativista de Protágoras.
5. Argumentos platônicos contra o relativismo de Protágoras. Análise e discussão do "argumento da auto-refutação".
6.A crítica à teoria do fluxo de Heráclito - por tornar impossível qualquer asserção. A crítica direta à primeira definição: as noções comuns e a asserção ao plano do juízo. A segunda definição do conhecimento como opinião verdadeira. O problema da possibilidade da opinião falsa: rejeição de cinco explicações possíveis (incluindo o tábua de cera e o aviário). Crítica direta à segunda definição: o contra-exemplo do júri.
7.A terceira definição do conhecimento como opinião verdadeira acompanhada de um lógos. O "Sonho de Sócrates" (teoria acerca dos simples e dos compostos, e da respectiva (in)cognoscibilidade) e a sua crítica. Três sentidos de lógos e correspondentes maneiras de entender a definição. A crítica socrático-platônica e a aporia final. Interpretação do sentido geral do diálogo.

Teeteto
Método socrático → Crítica aos sofistas → Epistemologia

O método socrático consiste numa dialética, em que a discussão geralmente se desenvolve nas seguintes etapas: o protréptico e o élenkhos, o método propriamente dito, utilizando-se da ironia e a maiêutica.

Método socrático
Lógica socrática → raciocínio indutivo e síntese (ideia).
Conhecer → passar do acidental para o essencial; da opinião à verdade; da aparência à ideia.

“A ciência não pode ser ensinada, apenas despertada ou relembrada”. (Chaui, p.200)

Élenkhos → Indagação que estimula um avançar junto com o interlocutor; a importância da boa pergunta para o diálogo (Laques e Mênon)

Teeteto — Pelos deuses, Sócrates, causa-me grande admiração o que tudo isso possa ser, e só de considerá-lo, chego a ter vertigens.

Sócrates — Estou vendo, amigo, que Teodoro não ajuizou erradamente tua natureza, pois a admiração é a verdadeira característica do filósofo. Não tem outra origem a filosofia. Ao que parece, não foi mau genealogista quem disse que Íris era filha de Taumante. Porém já começaste a perceber a relação entre tudo isso e a proposição que atribuímos a Protágoras? Ou não? (Platão, 155d)

Sócrates — Pois então, amigo Teeteto, chegou a hora de te exibires e eu de examinar-te. Convém saberes que Teodoro já me fez o elogio de muita gente, assim estrangeiros como Atenienses, porém nunca em termos tão calorosos como agora mesmo a teu respeito. → Exortação; convida o interlocutor a filosofar. Sócrates utiliza a ironia como recurso de argumentação com a finalidade de expor o interlocutor à sua própria ignorância. Com ela, Sócrates deixa seu aluno mais à vontade, livre para falar, orgulhoso das suas convicções, que Sócrates irá rebater.

Ironia = refutação; problematização das crenças.

Teeteto — Realmente, Sócrates, exortando-me como o fazes, fora vergonhoso não esforçar-me para dizer com franqueza o que penso. Parece-me, pois, que quem sabe alguma coisa sente o que sabe. Assim, o que se me afigura neste momento é que conhecimento não é mais do que sensação.

Sócrates — Bela e corajosa resposta, menino. É assim que devemos externar o pensamento. Porém examinemos juntos se se trata, realmente, de um feto viável ou de simples aparência. Conhecimento, disseste, é sensação? (Platão, 151e)

Ironia não deve ser confundido com deboche, sarcasmo ou desrespeito, sentidos negativos da palavra. Ironia, em grego (do gr. eironeia), significa dissimulação, mas devemos ver em seu uso uma estratégia de desarmamento das convicções dos interlocutores.

Em outro trecho do diálogo, insatisfeito com a falta de empenho de Teeteto e querendo dar novo rumo ao debate, ele provoca:

Sócrates — Então, em nome das Graças, não teria Protágoras, esse poço de sabedoria, falado por enigmas para a multidão sem número, na qual nos incluímos, porém dito em segredo a verdade para seus discípulos?

Teeteto — Que queres dizer com isso, Sócrates? (Platão, 152d)

Maiêutica → realizar o parto de uma ideia

No Teeteto, encontramos Sócrates definindo o seu método filosófico, comparando-se à arte de uma parteira, profissão da sua mãe. A palavra maiêutica significa, em grego, a arte do parto (do gr. maieutiké). Segundo Sócrates, ao invés de dar à luz crianças, ele ajudaria no parto das ideias.

Teeteto — Convém saberes, Sócrates, que já por várias vezes procurei resolver essa questão, por ter ouvido falar no que costumas perguntar sobre isso. Porém não posso convencer-me de que cheguei a uma conclusão satisfatória, como nunca ouvi de ninguém uma explicação como desejas. Apesar de tudo, não consigo afastar da ideia essa questão. 

Sócrates — São dores de parto, meu caro Teeteto. Não estás vazio; algo em tua alma deseja vir à luz.

Teeteto — Isso não sei, Sócrates; só disse o que sinto.

Sócrates — E nunca ouviste falar, meu gracejador, que eu sou filho de uma parteira famosa e imponente, Fenarete? (Platão, 148e)

Maiêutica socrática:

→ " procedimento dialético, de concepção inatista;
→ " parte das opiniões que seu interlocutor emite sobre algo, procura fazê-lo cairem
contradição ao defender seus pontos de vista;
→ " reconhecer a ignorância acerca daquilo que julgava saber. A partir do reconhecimento da ignorância, trata-se então de descobrir, pela razão, a verdade que temos em nós (Marcondes, p.158);
→ " refutação socrática evidencia-se que, segundo Platão, “os homens produzem as representações das coisas, não como elas são, mas como elas lhes parecem ser; eles produzem opiniões e discursos falsos que não são reconhecidos como tais” (Marques, p. 36);
→ " mostrar os limites do lógos, avançando na refutação, levando em conta o que o interlocutor tem a dizer e desdobrando uma posição contrária em todas as suas etapas;
→ " questionando sistematicamente através da boa pergunta, pretendia ele como um obstetra induzir uma consciência crítica, dar à luz as almas. O filósofo revela-se como um produtor de discursos regulados pelo inteligível, um imitador do divino, artesão de si mesmo, um ator consciente de seus limites e possibilidades, possibilidades humanas, mas não demasiadamente humanas, porque divinamente tais (Marques, p. 364).

Dialética platônica é aporética no Teeteto

Dialética = fazer passar o lógos na discussão entre dois interlocutores; passar do acidental para o essencial; da opinião à verdade; da aparência à idéia; instrumento de busca da verdade.

Aporia (do gr. aporia), que significa “caminho inexpugnável, sem saída”, “dificuldade”. Diálogos platônicos são “aporéticos”, isto é, inconclusivos, devido à impossibilidade de chegar a um lugar, a uma inferência. Ao estudo das aporias chama-se aporética.

Dialética = fazer passar o lógos na discussão entre dois interlocutores; passar do acidental para o essencial; da opinião à verdade; da aparência à idéia; instrumento de busca da verdade. Uma aporia cria uma tensão lógico-retórica que impede que o sentido de um texto se possa fixar.

Num diálogo aporético não se chega nunca a uma definição do tema central – o conhecimento (Teeteto), a coragem (Laques) e a virtude (Mênon);

- o método socrático vale para uma leitura crítica de um texto literário, no qual devemos reconhecer que as aporias têm uma função heurística (levar o interlocutor a descobrir aquilo que se pretende que ele aprenda);

- no método aporético, Sócrates pressupõe a purificação da falsa sophia do interlocutor, também o leitor deve “purificar” o texto das suas dificuldades, deixando sempre abertas as portas da significação.

Crítica aos sofistas

Sócrates - ...Quando houvesses proposto a identidade do conhecimento e da sensação, ele se lançaria sobre as sensações do ouvido, do olfato e dos demais sentidos, refutar-te-ia sem misericórdia e não te daria tréguas enquanto não te deixasse boquiaberto diante de sua invejável sabedoria e colhido na sua rede. Depois de dominado e de ficares inteiramente preso, só te soltaria quando lhe houvesses entregue a dinheirama estipulada. Mas talvez desejes saber o que poderia aduzir Protágoras em defesa de sua doutrina? Valerá a pena falarmos em seu nome? (Platão, 165e) ...O que afirmo é que se um indivíduo de má constituição de alma tem opiniões de acordo com essa disposição, com a mudança apropriada passará a ter opiniões diferentes, opiniões essas que os inexperientes denominam verdadeiras. No meu modo de pensar, estas serão melhores do que as primeiras; mais verdadeiras, nunca (Platão, 167b).

... Aqui a falta de lealdade consiste em entabular o diálogo sem fazer a necessária distinção entre o que é discussão propriamente dita e investigação dialética. No primeiro caso, o disputador diverte-se com o adversário e procura lográ-lo o mais possível; no outro, o dialético procede com seriedade e esforça-se por levantar o adversário, com mostrar-lhe apenas os erros em que ele incorrera, ou fosse por conta própria ou por má orientação de outros diretores. Se assim procederes, teus interlocutores só poderão queixar-se deles mesmos em suas incertezas e perplexidades, não de ti; seguir-te-ão por toda a parte e se mostrarão amigos, detestando-se e fugindo deles mesmos, para se acolherem à filosofia e se mudarem noutros, sem mais continuarem a ser o que eram antes. Porém se fizeres o contrário disso, a exemplo da maioria, o contrário, precisamente, se passará contigo, e em vez de filósofos ou amigos da sabedoria farás de teus acompanhantes inimigos do saber, quando se tornarem mais idosos ... (Platão,167e-168a,b).

Epistemologia, ou Teoria do Conhecimento, é o ramo da filosofia que investiga a natureza, as fontes e a validade do conhecimento. Essa questão é tão velha quanto a filosofia e seu primeiro tratamento explícito é encontrado em Platão, em particular no Teeteto. Os epistemólogos tentam responder, entre outras questões, à pergunta formulada por Sócrates: o que é o conhecimento?

Investigação dialógica por meio respostas de → Teeteto. Dimensões → Ética; Política; Antropológica; Epistemológica.

Respostas de Teeteto → Conhecimentos são muitos; Conhecimento é percepção; Conhecimento é opinião (problema da opinião falsa); Conhecimento é opinião verdadeira com lógos.

Primeira resposta:
Teeteto → Conhecimento consiste em coisas como a geometria e
carpintaria (151d-186e).

Sócrates — Mas o que te perguntei, Teeteto, não foi isso: do que é que há conhecimento, nem quantos conhecimentos particulares pode haver; minha pergunta não visava a enumerá-los um por um; o que desejo saber é o que seja o conhecimento em si mesmo. Será que não me exprimo bem?

Teeteto — Ao contrário; exprimes-te com muita precisão.

Sócrates — Considera também o seguinte: se alguém nos perguntasse a respeito de alguma coisa vulgar e corriqueira, por exemplo: o que é lama, e lhe respondêssemos que há a lama dos oleiros, a dos construtores de fornos e a dos tijoleiros, não nos tornaríamos ridículos?

Teeteto — É provável.(Platão, 146e)

Sócrates → corrige Teeteto e esclarece que o que ele quer saber é o que é comum a todos esses conhecimentos; a essência do conhecimento.

Segunda resposta:

Teeteto → conhecer algo é tomar contato com ela por meio dos sentidos; conhecimento é percepção (151e).

Sócrates — ... Porém examinemos juntos se se trata, realmente, de um feto viável ou de simples aparência. Conhecimento, disseste, é sensação?

Teeteto — Sim.

Sócrates — Talvez tua definição de conhecimento tenha algum valor; é a definição de Protágoras; por outras palavras ele dizia a mesma coisa. Afirmava que o homem é a medida de todas as coisas, da existência das que existem e da não existência das que não existem. Decerto já leste isso?

Teeteto — Sim, mais de uma vez.

Sócrates — Não quererá ele, então, dizer que as coisas são para mim conforme
me aparecem, como serão para ti segundo te aparecerem? Pois eu e tu somos
homens (Platão, 151e).

Sócrates → critica o relativismo sensorial de Protágoras e a idéia de que o homem é a medida de todas as coisas (152a). O conhecimento não reside nas impressões sensoriais, mas na reflexão que a alma faz sobre elas.

Sócrates reprova este relativismo, dizendo que essa definição de ciência careceria de valor absoluto e que a proposta de a sensação se converter em conhecimento é subjetiva. A verdadeira ciência, segundo Sócrates, une o ser a deus (176a,b), já que as Idéias são conhecidas unicamente pela alma, que é divina. Há um ideal de transcendência, de virtude e de pureza. A elevação do mundo das experiências ao mundo da ciência é algo assim como uma ascensão do mundo relativo ao mundo do absoluto (da verdade).

“Porque o conhecimento é infalível e é daquilo que é, se o conhecimento é percepção, então a percepção é infalível e daquilo que é. Uma vez que x pode (por exemplo) parecer quente a A e frio a B, a definição implica um relativismo protagórico que valida ambas as percepções: o que A percepciona é para A e o que B percepciona é para B. O objeto não é quente nem frio em si mesmo: não existe nenhuma realidade objetiva independente das percepções que as pudesse falsificar” (Heinaman)

Platão: o relativismo refuta-se a si próprio (170d-171c).
Vejamos o raciocínio de Platão: muita gente rejeita a tese de Protágoras, ao considerarem que há percepções erradas (casos em que A vê amarelo onde ele não existe); de acordo com a tese de Protágoras, estas pessoas estão certas: o que lhes parece é para elas; então, a tese de Protágoras é falsa para elas; logo, a tese de Protágoras não é verdadeira, em absoluto. Reconstrução do argumento socrático-platônico segundo o qual a tese de Protágoras se refuta a ela própria:

(1) Se A acredita que p, então p é verdadeira para A. (tese do relativismo)
(2) Protágoras acredita em (1). (fato)
(3) Muitas pessoas têm a opinião contrária à de Protágoras. (fato)
(4) Muitas pessoas acreditam na negação de (1). (conseqüência de 2 e 3)
(5) Todas as crenças são verdadeiras. (conseqüência de 1)
(6) A negação de (1) é verdadeira. (conseqüência de 4 e 5)
(7) (1) é falsa. (conseqüência de 6)

Avaliação crítica do argumento:
O passo (5) do argumento é o mais problemático. Pois (5) não é uma conseqüência
de (1). O que se segue de (1) é antes: (8) Todas as crenças são verdadeiras para aqueles que as têm. Depois, de (4) e (8) segue-se: (9) A negação de (1) é verdadeira para muitas pessoas. E, a partir de (9), pode finalmente concluir-se:
(10) (1) é falsa para muitas pessoas. Mas (10) não afirma a falsidade absoluta do relativismo. Apenas afirma a sua falsidade relativa, a qual é compatível com a sua verdade também relativa. O erro do argumento platônico encontra-se na seguinte passagem: Sócrates – [...] ao concordar que dizem a verdade todos quantos opinam coisas que são, [Protágoras] concede ser verdade a opinião dos que têm a opinião contrária à dele, pela qual pensam que ele está errado (171a). Ela deveria ser corrigida para: “... ao concordar que dizem a verdade para eles todos quantos opinam coisas que são, [Protágoras] concede ser verdade para eles a opinião dos que têm a opinião contrária à dele, pela qual pensam que ele está errado”.

Para a relevância atual do argumento, aponte-se para diversas tendências relativistas contemporâneas: relativismo epistemológico presente em Kuhn, o relativismo ontológico presente em Quine, o relativismo ético em autores como Harman e Bernard Williams. É possível “emendar” o argumento platônico, de modo a transformá-lo num argumento válido que, partindo da tese relativista, conclui que essa mesma tese é falsa (ou, pelo menos, não é verdadeira)? ... com base na idéia de que, quando Protágoras afirma (1), ele fá-lo significando, não que (1) é verdadeiro para Protágoras, mas que (1) é verdadeiro, ponto final. É por isso que a afirmação de (1) nos diz respeito, nos interpela. Então, a afirmação de (1) é uma afirmação que tem como conteúdo que toda a verdade é relativa, mas que é feita com a intenção de ser aceite como uma verdade absoluta. Nesse sentido, tratar-se-ia de uma afirmação que se “derrota” a si própria, em sentido pragmático; ou uma “contradição performativa” (Burnyeat 1990: 30; Bostock: 90)

Terceira resposta:
Teeteto → conhecimento é opinião verdadeira

Sócrates — Pois tens razão, amigo, em pensar dessa maneira. Retoma o assunto desde o começo, depois de apagar quanto ficou dito, e considera se não vês melhor do ponto em que chegaste. E agora dize mais uma vez que é conhecimento?

Teeteto — Dizer que tudo é opinião, Sócrates, não é possível, visto haver opinião falsa. Mas pode bem dar-se que conhecimento seja a opinião verdadeira, o que formulo à guisa de resposta. Mas, se com o avançar da discussão não nos parecer aceitável, como agora, espero encontrar outra. (Platão, 187b)

Sócrates → há juízos falsos e verdadeiros; não é fácil explicar o que é o juízo falso: como posso eu produzir o juízo de que A = B se não souber o que é A nem o que é B? Mas, nesse caso, como é possível que me engane no juízo que fiz? A possibilidade dos juízos falsos (erros de percepção) parece ameaçar-nos com a necessidade de admitirmos que alguém pode saber e não saber a mesma coisa ao mesmo tempo.

Quarta resposta:
Teeteto → conhecimento é opinião verdadeira articulada pelo lógos.

Teeteto — Sobre isso, Sócrates, esquecera-me o que vi alguém dizer; porém agora volto a recordar-me. Disse essa pessoa que conhecimento é opinião verdadeira acompanhada da explicação racional, e que sem esta deixava de ser conhecimento. As coisas que não encontram explicações não podem ser conhecidas — era como ele se expressava — sendo, ao revés disso, objeto do conhecimento todas as que podem ser explicadas (Platão, 201d).

Sócrates → A partir daqui, a refutação socrática deixa entrever que o importante é procurar um caminho que nos oriente sobre o que a ciência não é. Esse caminho procura salvar Teeteto do círculo vicioso em que se encontra, do verbalismo retórico comum aos jovens atenienses e busca reconhecer a limitação humana frente à soberania do pensamento racional. Fica inquestionável, no Teeteto, que o antropologismo pragmático de Protágoras, ou seja, o conhecimento do homem centrado em tudo aquilo que pode ampliar sua habilidade, marca a distância entre o sofista e o filósofo: o sofista, no seu relativismo, faz mudar o sentido das coisas para resolver problemas imediatos; o filósofo caminha, com uma força interior, apoiado no mais puro amor à verdade.


Conclusão

Em resumo, o Teeteto não dirá sobre a realidade da ciência (episteme), no entanto, oferecerá um passo definitivo na crítica ao verbalismo sofístico. Também posiciona o lado dialético de Sócrates: a do lógos e do ser, das essências. É uma forte crítica à teoria do fluxo de Heráclito, vinculada ao relativismo sensorial de Protágoras e dos sofistas. O conhecimento sensorial é imediato, naquele instante, e isso tem impedido a ascensão do gênero humano. O engano de Heráclito está em confundir o sensível com o inteligível ou entre o visível e o invisível. Essa distinção é a base da teoria platônica do conhecimento e da dialética como método e instrumento para passarmos da pluralidade contraditória de opiniões à unidade da ideia. A partir do Teeteto, deve-se ultrapassar os dados da percepção e da opinião, além de aprofundar a reflexão epistemológica para a compreensão do lógos, na prática da contradição (antilogía), do impasse (aporía) e da refutação (élenkhos). No final do livro, é dito que Protágoras não queria saber dos deuses, entidades dotadas de ciência, e são estes que instigaram a Sócrates a divina arte da maiêutica, que é o caminho perfeito para as supremas realidades: a ciência, o ser e o bem absoluto.


Fontes
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, volume I, 2002.
GOLDSCHMIDT, Victor. Os diálogos de Platão: estrutura e método dialético. Tradução de Dion Davi Macedo. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 6a edição, 2001.
MARQUES, Marcelo Pimenta. Platão, pensador da diferença. Uma leitura do Sofista. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
PLASTINO, Caetano Ernesto. Notas sobre o relativismo cognitivo. Philósophos, Goiânia, 9 (2): 167-178, jul./dez. 2004.
PLATÃO. Obras completas. Tradução de José Antônio Miguez, Maria Araújo e outros. Madrid: Editora Aguilar, 1981.
PLATÃO. Teeteto-Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Ed. UFPA, 1988.
PLATÃO. Teeteto. (Tradução portuguesa de Adriana M. Nogueira e M. Boeri, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.)
BURNYEAT, “Protagoras and Self-Refutation in Plato’s Theaetetus”, Philosophical Review 85 (1976), 172-195.
BOSTOCK. Plato’s Theaetetus. p. 90-91, 1988.

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