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FILOPARANAVAÍ

domingo, 7 de março de 2010

O Ensino de Filosofia no Brasil: Dos Jesuístas ao Regime Ditatorial pós-64

Filosofia no BRASIL

O ENSINO DE FILOSOFIA NO TEMPO

TRÊS CONJETURAS HISTÓRICAS DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA ATRAVÉS DO TEMPO NO BRASIL E NO PARANÁ

Conjetura de seu “telos” na educação quanto ao “passado”

No contexto da presença da Filosofia enquanto disciplina pedagógica no currículo geral da educação brasileira, há que se considerar uma tradição que remonta ao Brasil Colônia e mesmo ao Império e, desde este fator histórico, também precisamos considerar o contexto de dependência passiva diante da Metrópole e/ou Ex-Metrópole no caso de nossa situação enquanto Império, mas com o poder ainda nas mãos de portugueses e/ou de seus descendentes.

Destarte, é quase que inevitável que esta investigação nos remeta diretamente a uma rápida e justa conclusão: Portugal era Católico e extremamente conservador e, por conseqüência, fechado para as novidades que irrompiam no restante da Europa e isto é falar, das conquistas e avanços científicos modernos ao lado da auto-afirmação da Filosofia iluminista e da ilustração, frente ao escolasticismo.

Portanto, é lógico o raciocínio de que o Brasil vai reproduzir, por séculos, a dinâmica das mudanças de implementação do ensino de Filosofia, que ocorrerá em território lusitano, ao longo da história destes dois países e o processo receberá insignificantes mudanças mesmo depois do rompimento oficial, uma vez que Portugal se retirou mas a Igreja Católica permaneceu aqui. Logo , o catolicismo escolastizou a filosofia, portanto a Filosofia ensinada no Brasil Colônia/Império não poderia ser outra sine qua non a Filosofia Cristã/Católica .
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Tomamos esta palavra aos subtítulos de forma intencional para expressarmos que nossa preocupação aqui, não é diretamente tratar de uma história linear da disciplina de Filosofia no Brasil. Por outro lado, também queremos expressar que as fontes desta mesma história não são tão abundantes assim, uma vez que a história da disciplina de Filosofia no Brasil se confunde com a história da educação em nosso país, apenas com o adendo de que ora a Filosofia está lá, ora ela está totalmente ausente, pelo menos na perspectiva oficial. Para um maior envolvimento, a opção pela palavra apresenta-se na noção configurada como “suposição”.

Devemos ser extremamente cuidadosos em nosso entendimento do tempo. Embora possamos usar nossas palavras tradicionais para falar sobre o “tempo” da filosofia em seu histórico existencial, enquanto disciplina no currículo educacional brasileiro e paranaense, é imperativo para nosso trabalho que não entendamos passado, presente e futuro como separados um do outro, no velho sentido linear. Se o tempo for assim confundido com três tempos separados, a atividade analógica tenderá a enfatizar um e negligenciar os outros dois em detrimento do empreendimento total, característica peculiar da atividade filosófica. Uma vez que, nosso trabalho, aqui, implica em justamente contrapor esta tendência pedagógica linear e clássica à perspectiva deleuzeana de “vislumbração” pedagógica de inovadoras propostas de ensino para Filosofia em nosso cotidiano atual.

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CARTOLANO (1985) nos lembra que a “(...) A Filosofia faz parte dos currículos no Brasil desde a criação da primeira escola de ensino médio da Companhia de Jesus em Salvador, Bahia, em 1553...”.

Ora, há documentos confiáveis sobre a tradição do ensino de Filosofia em Portugal e que datam a partir do século XIII , e isto, nos permite uma analogia em relação à criação e função desta primeira escola com uma outra criada em Portugal no século XVI, que foi a criação do Colégio das Artes em Coimbra, no ano de 1547, cuja finalidade era exatamente a preparação dos alunos para o ingresso na Universidade. É de se destacar seu papel enquanto ensino médio propedêutico e, que a Filosofia só se tornou autônoma em território português em meados dos anos 50 do século XX, enquanto no Brasil datam da década de 30 do mesmo século .

Em resumo, queremos dizer, retomando CARTOLANO (1985), em conformidade direta à nossa conclusão, acima explicitada, que esta Filosofia ensinada era a do Ratio Studiorum, de conteúdo tomista, uma filosofia letrada, humanista e, sobretudo, Católica.

Destarte, é necessário imaginar que implicitamente reside nesta metodologia pedagógica tradicional de ensinar Filosofia, o velho dilema didático de como ensinar filosofia e/ou, qual filosofia queremos ensinar hoje. Poderíamos utilizar FREIRE (1970) para situar este viés característico do Ratio Studiorum e que tanto marcou nossa educação por séculos, com seu “conceito ‘bancário’ de educação” e isto é, dizer, educação seja simplesmente uma questão de depositar informação em receptáculos passivos.

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DCE.SEED-PR (2006), p.18 citando REALE e ANTISERI, 2003.p.125): “(...)Essa Filosofia buscava aperfeiçoar os instrumentos lógicos para melhor compreensão dos textos bíblicos e dos ensinamentos dos padres da Igreja que demonstrariam, com base na razão, as verdades aceitas pela fé.”
Ensino da Filosofia em Portugal. FONTES (2002)

Id., FONTES (2002): “(...) O curso que neste colégio era ministrado, tinha a duração de 4 anos, e era leccionado por professores da Companhia de Jesus. A Filosofia constituía o tronco central de todas as matérias, compreendendo as de Dialéctica, Lógica, Física e Metafísica, sendo na sua quase totalidade ocupada com comentários às obras de Aristóteles. A partir de 1590, estes padres adquiriram o monopólio do ensino da filosofia em Portugal. O Curso ministrado em Coimbra, foi de tal modo considerado excelente que se tornou numa espécie de norma para o ensino desta Companhia, não apenas em Portugal, mas em todo o mundo. A sua principal lacuna era todavia o imobilismo, numa altura em que a ciência, e em particular a Física faziam enormes avanços no conhecimento. Sentido-se cada vez mais defasados do seu próprio tempo, em 1750, os Jesuítas solicitam a D. João V autorização para reduzirem a duração da lógica, afim de dedicarem mais tempo à Física, pretendendo também acompanhar o seu estudo com experiências.(...)”. p.2

Dados contidos em LISBOA; PEREIRA, 1995. p.18: “(...) As primeiras escolas superiores (escolas isoladas e, em especial, os (“cursos Jurídicos”) fundados no Brasil, no fim do período colonial – período em que a corte portuguesa aporta no país, 1807-1822, fugindo da Revolução Francesa, têm a Filosofia como um saber importante. Mas é apenas com a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1933, e da Universidade do Distrito Federal (UDF) em 1935, que o Brasil terá cursos superiores de filosofia com espaço curricular próprio (curso de Filosofia e Letras).”

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A atenção ao já conhecido e que chamamos de conhecimento clássico na perspectiva corrente atual e mais adiante veremos na perspectiva deleuzeana , será sempre uma ênfase essencial da atividade educacional, mas não se pode permitir que o prato da balança penda descontroladamente para ela. O método enciclopedista orientado pela memorização dos clássicos e por dever moral Católico, na forma dogmática de reafirmação da autoridade da Igreja, entendia esta prática pedagógica como formadora de homens “(...) letrados e eruditos (...)” .

Esta tradição pedagógica ainda tem seus simpatizantes na atualidade, apesar de todos os movimentos de renovação das práticas pedagógicas já conquistadas e, se mantida no ensino de Filosofia em nosso atual e tão complexo contexto sócio-histórico-cultural-religioso-político-econômico, poderá esvaziar de vez a Filosofia de seu real sentido, que é o de lidar com complexos e intrincados problemas que irrompem em nosso cotidiano contemporâneo.

Voltemos ao “telos” da Filosofia ensinada no “passado” aqui no Brasil. Se a Filosofia chegou ao Brasil refém do escolasticismo e ensinada em nossas escolas a partir de suas práticas pedagógicas de ensino, tradicionalmente orientadas por esse sistema filosófico aristotélico-tomista, presa aos textos clássicos e sem relações crítico-reflexivas com a realidade brasileira, além de ser reservada para os filhos das classes sociais abastadas, não demoraria a prosseguir em seu “calvário” de auto-afirmação .

No final do século XIX em meio ao advento da República e uma forte influência da corrente positivista e das correntes materialistas, o ensino da filosofia começa a ser contestado, nos lembra CARTOLANO (1985). Esta contestação levou à retirada em definitivo da Filosofia dos currículos, já que para o positivismo a Ciência e não a Filosofia, constitui a base firme para a Educação – parafraseando CHAUI (1997) , segundo a concepção de Augusto Comte, o homem atravessaria em seu desenvolvimento em relação ao conhecimento três etapas progressivas, indo da superstição religiosa, passando pela Filosofia e pela Teologia até chegar à ciência positiva, ápice do desenvolvimento e do progresso humano.

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FREIRE, (Pedagogia do Oprimido), pp. 57ss.
Manifestando uma advertência à qual retornamos mais adiante quando aprofundaremos Deleuze e a perspectiva pedagógica do seu “roubar conceitos” na prática filosófica.

ARANHA, Maria L.A. e MARTINS, Maria H.P. Temas de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1997. p.3, citando CARTOLANO (1985), p.21.

Interessante é a passagem do texto em “Objetivos do GT Filosofar e ensinar a filosofar”. Disponível em: http://www.filoeduc.org/gt/gt_apresenta.html. Acessado dia 18.jun.2009. “(...) Nos últimos anos, a presença obrigatória da Filosofia no nível médio de ensino tem monopolizado a preocupação de muitos professores de filosofia no Brasil. Em verdade, não é apenas no Brasil, mas em todos os países em que essa presença é ameaçada. Entre os países da América Latina, a situação se repete no Chile, na Argentina ou ainda no Uruguai, o país da região com uma tradição mais sólida e consistente na área, que tem mantido uma presença secular ininterrupta da Filosofia no seu sistema oficial de ensino nos últimos cem anos. Ainda na França, o país com mais tradição no ensino escolarizado da Filosofia, recorrentemente os professores de filosofia devem se mobilizar para resistir aos embates contra a presença da disciplina nos currículos”.

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Este processo de auto-afirmação da Filosofia aqui no Brasil, analogicamente ao processo desenvolvido em Portugal, segue as mesmas características, sendo abolida oficialmente em 1904 dos currículos . No Brasil, segundo CARTOLANO (1985), a partir desse momento de sua retirada do currículo a Filosofia se vê presa a uma série de movimentos político-pedagógicos que alternadamente a incluem e a excluem dos currículos: volta em 1901 com a disciplina “Lógica” no último ano do secundário, para ser de novo retirada em 1911; regressa como matéria optativa em 1915 e como obrigatória em 1925.

ARANHA e MARTINS (1997) nos lembram que esta obrigatoriedade no ensino médio tinha por finalidade o pré-requisito para ingresso em curso superior, consolidando o caráter propedêutico que marcava esta etapa do ensino, orientada pelo verbalismo e memorização característicos do ensino enciclopedista, ainda que a influência religiosa já estivesse em decadência.

Nos primeiros anos da década de 30, o preceito de que, a educação é um direito de todos, inspirada nos princípios proclamados pelos Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, passou a ser a bandeira de um grupo de importantes pensadores da educação brasileira, os chamados escolanovistas, dentre os quais se destacava o filósofo Anísio Teixeira.

O Brasil passava por profundas transformações com o início da industrialização e o processo de êxodo rural, com conseqüente ocupação populacional urbana, dando fim aos modelos econômicos herdados da Metrópole e perpassados pelo Brasil Colônia, Império e quase 5 décadas da República. O movimento lutava pelo fim da elitização da educação e reformas consistentes no âmbito pedagógico da educação brasileira, que viessem contemplar as reais necessidades daquela realidade que se irrompia , ainda laicidade e universalização do acesso à educação, exigindo total reformulação dos objetivos educacionais afim, de responder, às reais necessidades do sujeito do processo ensino-aprendizagem no sentido da conquista de sua autonomia .

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CHAUI (1997), pg.272
Ensino de Filosofia em Portugal. FONTES (2002): “(...) A consequência mais imediata deste processo, foi a reforma de 1905, que introduziu no ensino da filosofia as ciências positivas, sob inspiração de Augusto Comte. O curso que tinha 2 anos de duração, foi reduzido de 4 para 2 horas semanais.” p.3
ARANHA e MARTINS (1997), p.3

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A luta dos pioneiros possibilitou a garantia da manutenção da Filosofia com a introdução de Lógica e história da Filosofia, nas reformas educacionais de 1932, Reforma de Francisco Campos e Reforma Capanema em 1942, aparecendo em duas séries do clássico e em uma série do científico, com 4 aulas semanais. No entanto, com o passar do tempo, as séries, e a quantidade de aulas, foram reduzidas até a uma única série no final do curso médio (colegial). A conjuntura político-econômica brasileira orientou a educação para uma menor ênfase às humanidades favorecendo uma educação tecnicista voltada para o mercado de trabalho com suas demandas.

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O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, (1932), A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL - AO POVO E AO GOVERNO: “(...) Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. Desprendendo-se dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde o "sentido aristológico", para usar a expressão de Ernesto Nelson, deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para assumir um "caráter biológico", com que ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem econômica e social.”

Ibid., (1932): “(...)não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes...”

Ibid., (1932): “(...) Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do próprio indivíduo. Na verdadeira educação funcional deve estar, pois, sempre presente, como elemento essencial e inerente à sua própria natureza, o problema não só da correspondência entre os graus do ensino e as etapas da evolução intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da adaptação da atividade educativa às necessidades psicobiológicas do momento. O que distingue da escola tradicional a escola nova, não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance, "graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas".”

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ARANHA e MARTINS (1997) recordam que aos poucos a Filosofia voltou a sua situação de “desprezo” quando a LDB nº 4.024, a colocou em situação de disciplina complementar, conforme as indicações de cada Conselho Estadual de educação. Apesar disso, há que se considerar ser este um período fértil para a reorganização da educação brasileira por uma série de decisões que não é oportuno explicitarmos aqui, processo que sofreu um duro golpe em 64 .

Com a instauração do governo militar ditatorial a Filosofia passou em 1968 para a condição de optativa e alguns anos depois, pela Lei 5.692 de 1971, foi definitivamente banida dos currículos de ensino médio. Em seu lugar entraram disciplinas de doutrinação do Regime, como por exemplo, a “Educação Moral e Cívica”, com o objetivo de garantir a “segurança nacional”, e atenuar o impacto contrarrevolucionário, “crítico” e “emancipatório” do ensino de filosofia, conforme interpretação de CARTOLANO (1985) e ressalvado por ARANHA e MARTINS (1997) , ao lembrarem que a Filosofia tal qual era ensinada, com raras exceções, não apresentava riscos maiores ao Regime.

A verdade é que, em meio a um processo tão atordoado de auto-afirmação, enquanto disciplina autônoma e oficialmente constituinte dos currículos da educação brasileira, a Filosofia não teve tempo para se reorganizar didático-metodologicamente. Mas este processo não termina aqui, fora das salas de aulas do ensino médio durante décadas pós-Regime Militar de 64, em 1982 a Filosofia volta a ser optativa através de uma nova reforma do ensino médio, às vésperas do advento da redemocratização.
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ARANHA e MARTINS (1997), p.4.
Depois de 13 anos de acirradas discussões foi promulgada a Lei 4.024, em 20 de dezembro de 1961, sem a pujança do anteprojeto original, prevalecendo as reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares de ensino no confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da educação aos brasileiros.
É bom recordarmos que em 1964, um golpe militar aborta todas as iniciativas de se revolucionar a educação brasileira, sob o pretexto de que as propostas eram, segundo muitos autores que abordam esse período em relação à Educação, "comunizantes e subversivas".
CARTOLANO (1985), p.80.
Id., ARANHA e MARTINS (1997), p.4.
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LOPES, Lucio de Lima. O ENSINO DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ: UMA CRÍTICA A PARTIR DA PERSPECTIVA DELEUZEANA. 2009. 52 f. Monografia (Especialização em Educação: Métodos e Técnicas de Ensino). Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira, 2009.

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