Vamos falar de FILOSOFIA
Demarcando as diferenças entre Mito e Filosofia
Introdução
O conhecimento nasce das experiências cotidianas que acumulamos em
nossa vida. Conhecer é incorporar novos conceitos à nossa capacidade de interpretar um fato ou fenômeno qualquer.
Os seres humanos são capazes de criar e
transformar o conhecimento, de fazer aplicação do que é aprendido.
Existem diferentes tipos de conhecimentos: o conhecimento
empírico, o filosófico, o teológico e o científico.
Senso Comum
É o conhecimento obtido ao acaso em nosso cotidiano, após
inúmeras tentativas, ou seja, o conhecimento adquirido através de ações não
planejadas, através de experiências cotidianas.
Exemplo: A chave está emperrando na fechadura e, de tanto
experimentarmos abrir a porta, acabamos por descobrir (conhecer) um jeitinho de
girar a chave sem emperrar.
Filosófico
É fruto do raciocínio e da reflexão humana. É o conhecimento
especulativo sobre fenômenos, gerando conceitos subjetivos. Busca dar sentido
aos fenômenos gerais do universo, ultrapassando os limites formais da ciência.
Segundo Lakatos e Marconi (1992: p. 16) “o conhecimento filosófico é
caracterizado pelo esforço racional de questionar os problemas dos homens e
assim discernir entre o certo e o errado, recorrendo apenas à lógica da razão
humana”.
Exemplo: "O homem é a ponte entre o animal e o
além-homem" (Friedrich Nietzsche)
Religioso
Conhecimento revelado pela fé divina ou crença religiosa.
Não pode, por sua origem, ser confirmado ou negado. Depende da formação moral e
das crenças de cada indivíduo.
Exemplo: Acreditar que alguém foi curado por um milagre; ou
acreditar em duende; acreditar em reencarnação; acreditar em espírito etc.
Científico
É o conhecimento racional, sistemático, exato e verificável
da realidade. Sua origem está nos procedimentos de verificação baseados na
metodologia científica. Portanto, o conhecimento científico: é racional e
objetivo; atém-se aos fatos; transcende aos fatos; é analítico; requer exatidão
e clareza, é comunicável; é verificável; depende de investigação metódica;
busca e aplica leis; é explicativo; pode fazer predições; é aberto e é útil
(GALLIANO, 1986).
Exemplo: Descobrir uma vacina que evite uma doença.
Vamos entender o Mito: Quando falo de Mito preciso me
reportar a uma questão que não pode deixar de ser feita: de que mito queremos
falar? No nosso caso, é do Mito Grego que tratamos.
Existem no Planeta dois
grandes sistemas de conhecimentos: o Ocidental e o Oriental.
Nosso sistema de
conhecimentos Ocidental é formado a partir de alguns conjuntos ou modalidades
de conhecimentos e de alguns outros conhecimentos existentes em formas
fragmentadas. O conjunto de conhecimentos mais primitivo que existe, podemos
dizer, é o artístico.
Desde que o homem começou a evoluir e ter a necessidade
de se comunicar com seus semelhantes, utilizou-se de figuras, desenhos... como
primeira forma de expressar suas ideias, desejos, sentimentos.
O mito Grego, em seu conteúdo é ilógico,
fantasioso, poético... não necessita de lógica, nem prova, nem mesmo coerência,
aliás as narrativas possuem às vezes várias versões...
Vou dar um exemplo pra
ilustrar um pouco como funcionava o mito grego: diante de qualquer questão
existencial o grego antigo recorria a uma narrativa envolvendo os seres do
Cosmo - podia ser entre deuses-deuses ou um deus-um mortal.
Vamos ver o caso do
INCESTO: a proibição do incesto é consequência da passagem do registro
puramente biológico e instintivista do ser humano ao registro da cultura,
estando na base da organização social humana. Em função dela se desenvolveu
toda uma legislação que regia os casamentos o que determinação uma forma de
interação entre os diferentes grupos familiares.
É portanto a partir da
proibição do Incesto que se inicia uma nova organização social, que marca o
homem como ser da cultura, da civilização. A interdição do incesto tem por
objetivo anular o caos e estabelecer a ordem, a possibilidade intermediária
entre o impulso e a satisfação - se interponha o pensamento.
Ora, o paralelo
que quero fazer é o de que o Incesto hoje tem uma sistema de Leis para
enquadrá-lo juridicamente e que estas Leis foram feitas por nossos
Legisladores-homens como qualquer outro.
No caso, do Grego antigo, como através
do mito o Incesto recebia interdição?
A narrativa é conhecida: Édipo casa-se
com a mãe e mata o pai. Como punição final Édipo arranca seus próprios olhos e
errante se perde mundo afora, Jocasta sua mãe suicida-se.
O grego vendo o final
dessas personagens e não querendo o mesmo fim, evita o Incesto.
Entenda que um
conjunto de conhecimentos tem em comum aos demais o seguinte: todos eles buscam
responder à questões existenciais e por isso mesmo, buscam dar conta do TODO da
realidade.
O Mito orientava o povo grego em todos os campos da prática humana:
moral, religiosa, condutas sociais, etc... Outro paralelo comum é que todos os
povos antigos possuíam seus mitos - então não existe mito e sim mitos,
conjuntos mitológicos.
O que difere eles em essência é o conteúdo sempre
orientado pelas peculiaridades da cultura respectiva.
No Mito Grego é
importante ressaltar que seus conteúdos encontram sua autoridade no mundo
sobrenatural-deuses e que caracteristicamente o Mito Grego é
Politeísta, vários deuses identificados, representados nos elementos
físicos da natureza.
Este aspecto é importante porque será a partir dos
elementos físicos do Cosmo (conceito de COSMO = Universo enquanto ORDEM) que os
primeiros filósofos cosmologistas-físicos irão desenvolver a primeira abordagem
filosófica, que irá praticamente até os sofistas e Sócrates.
O mito hoje está
longe de ser identificado com o Mito Grego, por exemplo, o Mito hoje é uma mentira
que de tanto repetida se torna aparentemente uma verdade: poderíamos aqui
teclar sobre o Mito Norte-Americano divulgado através de seus filmes enlatados
e reproduzidos no Brasil; Mito do Milagre que faz com que lideranças religiosas
abusem da boa fé do povo, ganhem muito dinheiro, aproveitando de uma situação
caótica na saúde: prefeitos inescrupulosos que desviam verbas da saúde e
médicos cada vez mais incompetentes no mercado de trabalho; podemos eleger mitos
para o esporte, para a beleza, para a música, etc.
A diferença é a seguinte: se eu negar e não
vivenciar o Mito Hoje isso no máximo me tornará mais aberto a um acesso mais
amplo a todas as modalidades de conhecimentos Ocidentais.
No caso do Mito
Grego, se negado por um grego antigo era o mesmo que negar a si mesmo.
Porém,
veja bem, o mito enquanto conjunto de conhecimentos ainda hoje convive lado a
lado com o sistema de conhecimentos Ocidental. Tribos ameríndias,
tribos africanas, asiáticas, ainda basicamente vivem e têm seu cotidiano
orientado por seus conjuntos de conhecimentos mitológicos - não se esqueça os
conteúdos de cada conjunto mitológico se identifica com a cultura que o
produziu.
Para concluir esta introdução a este ensaio, ressalto então que o
sistema de conhecimentos Ocidental é formado por conjuntos específicos de
conhecimentos: destaco o Mito, o Religioso, o Filosófico, o Científico, o
Artístico e por fim não podemos esquecer a forte presença do senso comum e do
mito hoje/urbano. São as modalidades mais importantes.
φιλοσοφία
O conhecimento Ocidental foi gestado a partir do Mito Grego.
Enquanto conjunto homogêneo de conhecimentos, o Mito Grego tinha em potencial
os elementos necessários para o surgimento de um outro conjunto de
conhecimentos, que marcaria em definitivo as características peculiares ao
nosso conhecimento Ocidental até os dias de hoje.
Hoje, o Mito não tem a força
que o Mito Grego possuía para os gregos antigos; o Mito hoje é fragmentado,
basicamente veiculado pela mídia, sendo que outros já estão profundamente
enraizados na cultura Ocidental. Por exemplo, "homem não chora": o
Mito hoje é uma mentira que de tanto repetida recebe roupagem de verdade. O
Mito, como já me referi em outros ensaios não é próprio dos Gregos, todos os
povos antigos possuem os seus - o Mito de cada povo é estabelecido conforme a
cultura de cada um. Repito um paralelo para exemplificar - Os judeus ( antigos
) assim como os gregos vivem do Mito; a diferença está nas características
culturais imprimidas nos conteúdos mitológicos: enquanto os gregos possuem uma
cultura fortemente marcada, no aspecto religioso, pelo politeísmo; os Judeus
são monoteístas.
Porém, resguardada esta diferença - poderemos fazer uma
listagem paralela entre os dois conjuntos de Mitos com inúmeras características
semelhantes. Ora, esta tarefa pode ser ampliada se fizermos as mesmas
considerações relacionando o Mito Grego a outros Mitos de povos antigos.
Hoje
ainda, conforme já afirmei em outro ensaio - muitos povos ainda vivem de
conhecimentos mitológicos para darem explicações a questões existenciais e
orientarem a vida cotidiana em suas comunidades: indígenas, tribais africanas,
asiáticas...
A estrutura do Conhecimento Ocidental
A importância do Mito Grego reside no fato de que foi em uma
lenta e progressiva substituição da autoridade dos deuses para a autoridade da
razão ( que é comum em a todos os homens ) que filósofos desde Tales -
construíram sistemas filosóficos que imprimiriam características universais ao
conhecimento Ocidental.
Ora, o conhecimento humano se constrói com a tomada de
consciência, pelo homem das primeiras idades históricas ( como no Paleolítico )
- de sua capacidade de perguntar a si mesmo e ao mesmo tempo poder responder:
parece razoável dizermos que uma primeira pergunta que o homem faz a si mesmo é
aquela: Que eu sou??? e desta também parece ser razoável dizer que ele
consequentemente fará inúmeras outras questões existenciais até chegar àquela
que se tornará primordial entre todas: Quem gerou o Cosmo? ou como o Cosmo foi
gerado???
Interessante perceber que desta questão existencial todos os
conjuntos de conhecimentos partem em sua elaboração estrutural: foi dela que
partiram Tales e os Filósofos da Cosmologia ou física. Nas ciências o Big Bang;
no conhecimento bíblico-teológico da religião com maior número de adeptos no
Brasil - foi Deus mesmo.
No mito Grego teria sido a divindade mais antiga - o
CAOS - o princípio gerador do Cosmo e dos deuses primordiais: donde surgiriam
outros deuses e demais seres... As perguntas ( questões existenciais )
praticamente são as mesmas, o que muda é a forma de respondê-las e onde se
fundamenta a autoridade de tais respostas. Enquanto no Mito a autoridade está
nos deuses; nas ciências é na razão e empirismo, na Filosofia é na Razão, na
Religião é na fé...
Philo = Amizade; Sophia= Sabedoria
Pitágoras de Samos se referindo à Filosofia disse: "
(...) a sabedoria pertence aos deuses, mas os homens podem desejá-la,
tornando-se filósofos".
O Mito é um conjunto de conhecimentos homogêneos com
características marcadamente politeísta; é fantasioso, irreal, poético,
assistemático, difundido basicamente na forma oral, sempre VERDADEIRO sob a
autoridade das forças divinas e por isso mesmo Incontestável, irrefutável. O
Mito Grego não apenas narra as origens do Cosmo e sua organização, mas orienta
o cotidiano da vida grega principalmente nas questões ligadas à moralidade. As
relações sexuais entre os deuses ( que assumem formas humanas ) e dos deuses
com os demais seres - inclusive os mortais, como no caso dos homens - é que
constroem as narrativas míticas com objetivos pedagógicos ou seja, de
solucionar alguma questão existencial.
Mas também podem decorrer de rivalidades
ou ainda, alianças; também pode ser por recompensa ou castigo a quem obedece ou
desobedece. A narrativa mitológica fica aprisionada sempre no passado sendo
apenas reproduzida no presente pela oralidade. O mito não se preocupa com a
coerência, pois é sempre verdadeiro.
A Filosofia por sua vez, conforme Marilena Chauí em seu
livro " Convite à Filosofia": "(...) percebendo as contradições
e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas
míticas, transformando-as numa outra coisa, numa explicação nova e
diferente".
A Filosofia para existir precisa além de explicitar sua
diferença existencial em relação ao Mito; manter essa diferença para seguir
adiante na aventura de fazer com que o conhecimento Ocidental avance rumo ao
infinito em busca da verdade... Um abraço e até o próximo ensaio.
Sugestões
Referências Bibliográficas:
ARANHA Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires.
Temas de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Moderna, s.d.
CARDOSO, Osvaldo e outros. Filosofia: Ensino Médio (Livro
Didático da S.E.ED./PR). Curitiba: 2006.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 6.ed. São Paulo,
Ática,1997.
CHAUI, Marilena e OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Filosofia e
Sociologia. Volume Único. NOVO ENSINO MÉDIO. São Paulo: Editora Ática, 2007.
COSTA, José Silveira da. Averróis: O aristotelismo radical.
São Paulo, Moderna, 1997.
DELEUZE, Gille e GUATARI, Felix. O que é a Filosofia? Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1992.
DURANT, Will. A história da Filosofia. 3. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2000.
FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com arte. São
Paulo: Ediouro, 2007.
Filosofia: caminhos do pensamento. Apostilas I, II, III e
IV. Ensino Médio. Curitiba, Editora Dom Bosco, 2000.
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender
o texto: Leitura e Redação. São Paulo: Ática, 2001
GALLO, Sílvio e KOHAN, Walter. Filosofia no Ensino Médio.
Petrópolis: Vozes, 2005.
GROOME, Thomas H. Educação Religiosa Cristã: compartilhando
nosso caso e visão. (parte referente a histórico da epistemologia). São Paulo:
Paulinas, 1995.
MATOS, Olgária C. J. A escola de Frankfurt: Luzes e sombras
do iluminismo. São Paulo: Moderna, 1995
MELO, Luiz Roberto Dias de, e PAGNAN, Celso Leopoldo.
Prática de texto: leitura e redação. São Paulo: W3, 2000.
SOUZA, Luiz Marques de; CARVALHO, Sérgio Waldeck de.
Compreensão e Produção de Texto. Petrópolis: Vozes, 1999
VIANA, Antonio Carlos (coord). Roteiro de Redação. Lendo e
argumentando. Scipione, 2000.
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