Filosofia Política
Nicoló Machiavelli
Niccoló Machiavelli, conhecido entre nós por Nicolau
Maquiavel, nasceu em Florença, Itália, em 3 de maio de 1469. Ele viveu durante
a Renascença Italiana, o que explica boa parte das suas idéias. Além de grande
filósofo, político e escritor, Maquiavel é considerado também o fundador do
pensamento político moderno.
Na Itália do Renascimento reinava grande confusão. A tirania
imperava em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes
sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder
gerava situações de crise e de instabilidade permanente, onde somente o cálculo
político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários eram
capazes de manter o príncipe.
Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna,
atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros
principados constituíam o eixo da administração. Como o poder se fundava
exclusivamente em atos de força, era previsível e natural que pela força fosse
deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião, nem a tradição e nem a
vontade popular legitimavam, e ele tinha de contar exclusivamente com sua
energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização
do poder criavam um vazio, que as mais fortes individualidades tinham
capacidade para ocupar.
Até 1494, graças aos esforços de Lourenço, o Magnífico, a
península experimentou uma certa tranqüilidade. Entretanto, desse ano em
diante, as coisas mudaram muito. A desordem e a instabilidade ficaram incontroláveis.
Para piorar a situação, que já estava grave devido aos conflitos internos entre
os principados, somaram-se as constantes e desestruturadoras invasões dos
países próximos como a França e a Espanha. E foi nesse cenário conturbado, onde
nenhum governante conseguia se manter no poder por um período superior a dois
meses, que Maquiavel passou a sua infância e adolescência.
Em 1498 Maquiavel começou a trabalhar como funcionário
público da República florentina. Em seguida, passou a exercer o cargo de chanceler
e secretário de Relações Exteriores, onde suas ocupações principais eram
redigir documentos oficiais e viajar em missões diplomáticas ao exterior.
Em 1512, com o fim da República, a dinastia Médici volta ao
poder. Maquiavel é envolvido em uma conspiração, torturado e deportado. É
permitido que se mude para São Cassiano, pequena cidade próxima de Florença,
onde escreve sobre a Primeira década de Tito Lívio, mas interrompe esse
trabalho para escrever sua obra-prima. Trata-se de uma espécie de manual sobre
a arte de governar. Nessa obra Maquiavel expõe um sistema político
caracterizado pelo princípio amoralista de que "os fins justificam os
meios"
O tema central do livro é o de que, para permanecer no
poder, o líder deve estar disposto a desrespeitar qualquer consideração moral e
recorrer inteiramente à força e ao poder da decepção. Maquiavel escreveu que um
país deve ser militarmente forte e que um exército pode confiar somente nos
cidadãos de seu país – um exército que dependia de mercenários estrangeiros era
fraco e vulnerável.
Um dos temas mais importantes do livro é o debate sobre a
seguinte questão: “é preferível que um líder seja amado ou temido?” Maquiavel
responde que é importante ser amado e temido; porém, é melhor ser temido que
amado. Ele explica que o amor é um sentimento volúvel e inconstante, já que as
pessoas são naturalmente egoístas e podem freqüentemente mudar sua lealdade.
Porém, o medo de ser punido é um sentimento que não pode ser modificado ou
ignorado tão facilmente.
Em 1527, com a queda dos Médici e a restauração da
república, Maquiavel - que achava estarem findos os seus problemas - viu-se
identificado por jovens republicanos como alguém que tinha ligações com os
tiranos depostos. Viu-se, assim, vencido. A república considerou-o seu inimigo.
Desgostoso, adoece e morre, em estado de profunda pobreza, em 22 de junho
daquele ano.
Mais sobre, O Príncipe.
Considerado um dos maiores manuais da ciência política, o
Príncipe até hoje é estudado e os conselhos dados por Maquiavel são aplicados
até hoje nas políticas domésticas e internacionais dos Estados.
O livro é explicitamente baseado nas próprias experiência do
autor, no que aprendeu com o trabalho público e também nos autores que leu
durante toda a sua vida.
Maquiavel, porém, faleceu em 1527 sem ter visto em prática
os conselhos que deu e os ideais que pregou. Suas idéias foram perseguidas
mesmo depois de sua morte, só sendo reconhecida a sua importância muito tempo
depois.
O PRÍNCIPE
Maquiavel
AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI
NICOLÓ MACHIAVELLI
ÍNDICE
DOS PRINCIPADOS
Capítulo II. Dos principados hereditários
Capítulo III. Dos principados mistos
Capítulo IV. Por que o reino de Dario, ocupado por
Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste
Capítulo V. De que modo se devam governar as cidades ou
principados que, antes de serem ocupados, viviam com as suas próprias leis
Capítulo VI. Dos principados novos que se conquistam com as
armas próprias e virtuosamente
Capítulo VII. Dos principados novos que se conquistam com as
armas e fortuna dos outros
Capítulo VIII. Dos que chegaram ao principado por meio de
crimes
Capítulo IX. Do principado civil
Capítulo X. Como se devem medir as forças de todos os
principados
Capítulo XI. Dos principados eclesiásticos
Capítulo XII. De quantas espécies são as milícias, e dos
soldados mercenários
Capítulo XIII. Dos soldados auxiliares, mistos e próprios
Capítulo XIV. O que compete a um príncipe acerca da
milícia(tropa)
Capítulo XV. Daquelas coisas pelas quais os homens, e
especialmente os príncipes, são louvados ou vituperados .
Capítulo XVI. Da liberalidade e da parcimônia
Capítulo XVII. Da crueldade e da piedade; se é melhor ser
amado que temido, ou antes temido que amado
Capítulo XVIII. De que modo os príncipes devem manter a fé
da palavra dada
Capítulo XIX. De como se deva evitar o ser desprezado e
odiado
Capítulo XX. Se as fortalezas e muitas outras coisas que a
cada dia são feitas pelos príncipes são úteis ou não
Capítulo XXI. O que convém a um príncipe para ser estimado
Capítulo XXII. Dos secretários que os príncipes têm junto de
si
Capítulo XXIII. Como se afastam os aduladores
Capítulo XXIV. Por que os príncipes da Itália perderam seus
estados
Capítulo XXV. De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e
de que modo se lhe deva resistir
Capítulo XXVI. Exortação para procurar tomar a Itália e
libertá-la das mãos dos bárbaros
Carta de Machiavelli a Francesco Vettori, em Roma
O PRÍNCIPE
Costumam, o mais das vezes, aqueles que desejam conquistar
as graças de um Príncipe, trazer-lhe aquelas coisas que consideram mais caras
ou nas quais o vejam encontrar deleite, donde se vê amiúde serem a ele
oferecidos cavalos, armas, tecidos de ouro, pedras preciosas e outros
ornamentos semelhantes, dignos de sua grandeza. Desejando eu, portanto,
oferecer-me a Vossa Magnificência com um testemunho qualquer de minha
submissão, não encontrei entre os meus cabedais coisa a mim mais cara ou que
tanto estime, quanto o conhecimento das ações dos grandes homens apreendido
através de uma longa experiência das coisas modernas e uma contínua lição das
antigas as quais tendo, com grande diligência, longamente perscrutado e
examinado e, agora, reduzido a um pequeno volume, envio a Vossa Magnificência.
E se bem julgue esta obra indigna da presença de Vossa
Magnificência, não menos confio que deva ela ser aceita, considerado que de
minha parte não lhe possa ser feito maior oferecimento senão o dar-lhe a
faculdade de poder, em tempo assaz breve, compreender tudo aquilo que eu, em
tantos anos e com tantos incômodos e perigos, vim a conhecer. Não ornei este
trabalho, nem o enchi de períodos sonoros ou de palavras pomposas e magníficas,
ou de qualquer outra figura de retórica ou ornamento extrínseco, com os quais
muitos costumam desenvolver e enfeitar suas obras; e isto porque não quero que
outra coisa o valorize, a não ser a variedade da matéria e a gravidade do
assunto a tornarem-no agradável. Nem desejo se considere presunção se um homem de
baixa e ínfima condição ousa discorrer e estabelecer regras a respeito do
governo dos príncipes: assim como aqueles que desenham a paisagem se colocam
nas baixadas para considerar a natureza dos montes e das altitudes e, para
observar aquelas, se situam em posição elevada sobre os montes, também, para
bem conhecer o caráter do povo, é preciso ser príncipe e, para bem entender o
do príncipe, é preciso ser do povo. Receba, pois, Vossa Magnificência este
pequeno presente com aquele intuito com que o mando; nele, se diligentemente
considerado e lido, encontrará o meu extremo desejo de que lhe advenha aquela
grandeza que a fortuna e as outras suas qualidades lhe prometem. E se Vossa
Magnificência, das culminâncias em que se encontra, alguma vez volver os olhos
para baixo, notará quão imerecidamente suporto um grande e contínuo infortúnio.
CAPÍTULO I
DE QUANTAS ESPÉCIES SÃO OS PRINCIPADOS E DE QUE MODOS SE
ADQUIREM
(QUOT SINT GENERA PRINCIPATUUM ET QUIBUS MODIS ACQUIRANTUR)
Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm
autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados. Os
principados são: ou hereditários, quando seu sangue senhorial é nobre há já
longo tempo, ou novos. Os novos podem ser totalmente novos, como foi Milão com
Francisco Sforza, ou o são como membros acrescidos ao Estado hereditário do
príncipe que os adquire, como é o reino de Nápoles em relação ao rei da
Espanha. Estes domínios assim obtidos estão acostumados, ou a viver submetidos
a um príncipe, ou a ser livres, sendo adquiridos com tropas de outrem ou com as
próprias, bem como pela fortuna ou por virtude.
DOS PRINCIPADOS
(De Principatibus)
CAPÍTULO II
DOS PRINCIPADOS HEREDITÁRIOS
(DE PRINCIPATIBUS HEREDITARIIS)
Não cogitarei aqui das repúblicas porque delas tratei
longamente em outra oportunidade. Voltarei minha atenção somente para os
principados, irei delineando os princípios descritos e discutirei como devem
ser eles governados e mantidos. Digo, pois, que para a preservação dos Estados
hereditários e afeiçoados à linhagem de seu príncipe, as dificuldades são assaz
menores que nos novos, pois é bastante não preterir os costumes dos
antepassados e, depois, contemporizar com os acontecimentos fortuitos, de forma
que, se tal príncipe for dotado de ordinária capacidade sempre se manterá no
poder, a menos que uma extraordinária e excessiva força dele venha a privá-lo;
e, uma vez dele destituído, ainda que temível seja o usurpador, volta a
conquistá-lo.
Nós temos na Itália, como exemplo, o Duque de Ferrara que
não cedeu aos assaltos dos venezianos em 1484 nem aos do Papa Júlio em 1510,
apenas por ser antigo naquele domínio. Na verdade, o príncipe natural tem
menores razões e menos necessidade de ofender: donde se conclui dever ser mais
amado e, se não se faz odiar por desbragados vícios, é lógico e natural seja
benquisto de todos. E na antigüidade e continuação do exercício do poder,
apagam-se as lembranças e as causas das inovações, porque uma mudança sempre
deixa lançada a base para a ereção de outra.
CAPÍTULO III
DOS PRINCIPADOS MISTOS
(DE PRINCIPATIBUS MIXTIS)
Mas é nos principados novos que residem as dificuldades. Em
primeiro lugar, se não é totalmente novo mas sim como membro anexado a um
Estado hereditário (que, em seu conjunto, pode chamar-se "quase
misto"), as suas variações resultam principalmente de uma natural
dificuldade inerente a todos os principados novos: é que os homens, com
satisfação, mudam de senhor pensando melhorar e esta crença faz com que lancem
mão de armas contra o senhor atual, no que se enganam porque, pela própria
experiência, percebem mais tarde ter piorado a situação. Isso depende de uma
outra necessidade natural e ordinária, a qual faz com que o novo príncipe
sempre precise ofender os novos súditos com seus soldados e com outras
infinitas injúrias que se lançam sobre a recente conquista; dessa forma, tens
como inimigos todos aqueles que ofendeste com a ocupação daquele principado e
não podes manter como amigos os que te puseram ali, por não poderes
satisfazê-los pela forma por que tinham imaginado, nem aplicar-lhes corretivos
violentos uma vez que estás a eles obrigado; porque sempre, mesmo que
fortíssimo em exércitos, tem-se necessidade do apoio dos habitantes para
penetrar numa província. Foi por essas razões que Luís XII, rei de França,
ocupou Milão rapidamente e logo depois o perdeu, para tanto bastando
inicialmente as forças de Ludovico, porque aquelas populações que lhe haviam
aberto as portas, reconhecendo o erro de seu pensar anterior e descrentes
daquele bem-estar futuro que haviam imaginado, não mais podiam suportar os
dissabores ocasionados pelo novo príncipe.
É bem verdade que, reconquistando posteriormente as regiões
rebeladas, mais dificilmente se as perdem, eis que o senhor, em razão da
rebelião, é menos vacilante em assegurar-se da punição daqueles que lhe
faltaram com a lealdade, em investigar os suspeitos e em reparar os pontos mais
fracos. Assim sendo, se para que a França viesse a perder Milão pela primeira
vez foi suficiente um Duque Ludovico que fizesse motins nos seus limites, já
para perdê-lo pela segunda vez foi preciso que tivesse contra si o mundo todo e
que seus exércitos fossem desbaratados ou expulsos da Itália, o que resultou
das razões logo acima apontadas. Não obstante, tanto na primeira como na
segunda vez, Milão foi-lhe tomado.
As razões gerais da primeira foram expostas; resta agora
falar sobre as da segunda vez e ver de que remédios dispunha a França e de que
meios poderá valer-se quem venha a encontrar-se em circunstâncias tais, para
poder manter-se na posse da conquista melhor do que o fez esse país.
Digo, consequentemente, que estes Estados conquistados e
anexados a um Estado antigo, ou são da mesma província e da mesma língua, ou
não o são: Quando o sejam, é sumamente fácil mantê-los sujeitos, máxime quando
não estejam habituados a viver em liberdade, e para dominá-los seguramente será
bastante ter-se extinguido a estirpe do príncipe que os governava, porque nas
outras coisas, conservando-se suas velhas condições e não existindo alteração
de costumes, os homens passam a viver tranqüilamente, como se viu ter ocorrido
com a Borgonha, a Bretanha, a Gasconha e a Normandia que por tanto tempo
estiveram com a França, isto a despeito da relativa diversidade de línguas, mas
graças à semelhança de costumes facilmente se acomodaram entre eles. E quem conquista,
querendo conservá-los, deve adotar duas medidas: a primeira, fazer com que a
linhagem do antigo príncipe seja extinta; a outra, aquela de não alterar nem as
suas leis nem os impostos; por tal forma, dentro de mui curto lapso de tempo, o
território conquistado passa a constituir um corpo todo com o principado
antigo.
Mas, quando se conquistam territórios numa província com
língua, costumes e leis diferentes, aqui surgem as dificuldades e é necessário
haver muito boa sorte e habilidade para mantê-los. E um dos maiores e mais
eficientes remédios seria aquele do conquistador ir habitá-los. Isto tornaria
mais segura e mais duradoura a posse adquirida, como ocorreu com o Turco da
Grécia, que a despeito de ter observado todas as leis locais, não teria
conservado esse território se para aí não tivesse se transferido. Isso porque,
estando no local, pode-se ver nascerem as desordens e, rapidamente, podem ser
elas reprimidas; aí não estando, delas somente se tem notícia quando já
alastradas e não mais passíveis de solução. Além disso, a província conquistada
não é saqueada pelos lugar-tenentes; os súditos ficam satisfeitos porque o
recurso ao príncipe se torna mais fácil, donde têm mais razões para amá-lo,
querendo ser bons, e para temê-lo, caso queiram agir por forma diversa. Quem do
exterior desejar assaltar aquele Estado, por ele terá maior respeito; donde,
habitando-o, o príncipe somente com muita dificuldade poderá vir a perdê-lo.
Outro remédio eficaz é instalar colônias num ou dois pontos,
que sejam como grilhões postos àquele Estado, eis que é necessário ou fazer tal
ou aí manter muita tropa. Com as colônias não se despende muito e, sem grande
custo, podem ser instaladas e mantidas, sendo que sua criação prejudica somente
àqueles de quem se tomam os campos e as casas para cedê-los aos novos
habitantes, os quais constituem uma parcela mínima do Estado conquistado.
Ainda, os assim prejudicados, ficando dispersos e pobres, não podem causar dano
algum, enquanto que os não lesados ficam à parte, amedrontados, devendo
aquietar-se ao pensamento de que não poderão errar para que a eles não ocorra o
mesmo que aconteceu àqueles que foram espoliados. Concluo dizendo que estas
colônias não são onerosas, são mais fiéis, ofendem menos e os prejudicados não
podem causar mal, tornados pobres e dispersos como já foi dito. Por onde se
depreende que os homens devem ser acarinhados ou eliminados, pois se se vingam
das pequenas ofensas, das graves não podem fazê-lo; daí decorre que a ofensa
que se faz ao homem deve ser tal que não se possa temer vingança. Mas mantendo,
em lugar de colônias, forças militares, gasta-se muito mais, absorvida toda a
arrecadação daquele Estado na guarda aí destacada; dessa forma, a conquista
transforma-se em perda e ofende muito mais por que danifica todo aquele país
com as mudanças do alojamento do exército, incômodo esse que todos sentem e que
transforma cada habitante em inimigo: e são inimigos que podem causar dano ao
conquistador, pois, vencidos, ficam em sua própria casa. Sob qualquer ponto de
vista essa guarda armada é inútil, ao passo que a criação de colônias é útil.
Deve, ainda, quem se encontre à frente de uma província
diferente, como foi dito, tornar-se chefe e defensor dos menos fortes, tratando
de enfraquecer os poderosos e cuidando que em hipótese alguma aí penetre um
forasteiro tão forte quanto ele. E sempre surgirá quem seja chamado por aqueles
que na província se sintam descontentes, seja por excessiva ambição, seja por
medo, como viu-se terem os etólios introduzido na Grécia os romanos que, aliás,
em todas as outras províncias que conquistaram, fizeram-no auxiliados pelos
respectivos habitantes. E a ordem das coisas é que, tão logo um estrangeiro
poderoso penetre numa província, todos aqueles que nela são mais fracos a ele
dêem adesão, movidos pela inveja contra quem se tornou poderoso sobre eles; tanto
assim é que em relação a estes não se torna necessário grande trabalho para
obter seu apoio, pois logo todos eles, voluntariamente, formam bloco com o seu
Estado conquistado. Apenas deve haver o cuidado de não permitir adquiram eles
muito poder e muita autoridade, podendo o conquistador, facilmente, com suas
forças e com o apoio dos mesmos, abater aqueles que ainda estejam fortes, para
tornar-se senhor absoluto daquela província. E quem não encaminhar
satisfatoriamente esta parte, cedo perderá a sua conquista e, enquanto puder
conservá-la, terá infinitos aborrecimentos e dificuldades.
Os romanos, nas províncias de que se assenhorearam,
observaram bem estes pontos: fundaram colônias, conquistaram a amizade dos
menos prestigiosos, sem lhes aumentar o poder, abateram os mais fortes e não
deixaram que os estrangeiros poderosos adquirissem conceito. Quero tomar como
exemplo apenas a província da Grécia. Os aqueus e os etólios tornaram-se amigos
dos romanos; foi abatido o reino dos macedônios e daí foi expulso Antíoco; mas
nem os méritos dos aqueus e dos etólios lhes asseguraram permissão para
conquistar algum Estado, nem a persuasão de Felipe logrou fazer com que os
romanos se tornassem seus amigos e não o diminuíssem, nem o poder de Antíoco
conseguiu fazer com que os mesmos o autorizassem a manter seu domínio naquela
província. Isso tudo ocorreu porque os romanos fizeram nesses casos aquilo que
todo príncipe inteligente deve fazer: não somente vigiar e ter cuidado com as
desordens presentes, como também com as futuras, evitando-as com toda a cautela
porque, previstas a tempo, facilmente se lhes pode opor corretivo; mas,
esperando que se avizinhem, o remédio não chega a tempo, e o mal já então se
tornou incurável. Ocorre aqui como no caso do tuberculoso, segundo os médicos:
no princípio é fácil a cura e difícil o diagnóstico, mas com o decorrer do
tempo, se a enfermidade não foi conhecida nem tratada, torna-se fácil o
diagnóstico e difícil a cura. Assim também ocorre nos assuntos do Estado
porque, conhecendo com antecedência os males que o atingem (o que não é dado
senão a um homem prudente), a cura é rápida; mas quando, por não se os ter
conhecido logo, vêm eles a crescer de modo a se tornarem do conhecimento de
todos, não mais existe remédio.
Contudo, os romanos, prevendo as perturbações, sempre as
tolheram e jamais, para fugir à guerra, permitiram que as mesmas seguissem seu
curso, pois sabiam que a guerra não se evita mas apenas se adia em benefício
dos outros; por isso mesmo, promoveram a guerra contra Felipe e Antíoco na
Grécia, para evitar terem de fazê-la na Itália e, no entanto, podiam ter
evitado a luta naquele momento, se o quisessem. Nem em momento algum lhes
agradou aquilo que todos os dias está nos lábios dos entendidos de nosso tempo,
o desejo de gozar do benefício da contemporização, mas sim apenas aquilo que
resultava de sua própria virtude e prudência: na verdade o tempo lança à frente
todas as coisas e pode transformar o bem em mal e o mal em bem.
Mas voltemos à França e examinemos se ela fez alguma das
coisas que expomos, falando eu de Luís e não de Carlos porque foi daquele que,
por ter mantido mais prolongado domínio na Itália, melhor se viram os
progressos: e vereis como ele fez o contrário que se deve fazer para conservar
um Estado numa província diferente.
O Rei Luís foi conduzido à Itália pela ambição dos
venezianos que, por tal meio, quiseram ganhar o Estado da Lombardia, Não desejo
censurar o partido tomado pelo rei; porque, querendo começar a pôr um pé na
Itália e não tendo amigos nesta província, sendo-lhe, ao contrário, fechadas
todas as portas em razão do comportamento do Rei Carlos, foi obrigado a
servir-se daquelas amizades com que podia contar: e ter-lhe-ia resultado bem
escolhido esse partido, se nos outros manejos não tivesse cometido erro algum.
Conquistada, pois, a Lombardia, o rei readquiriu prontamente aquela reputação
que Carlos perdera: Gênova cedeu; os florentinos tornaram-se seus amigos; o
marquês de Mantua, o duque de Ferrara, Bentivoglio, a senhora de Forli, o
senhor de Faenza, de Pesaro, de Rimini, de Camerino, de Piombino, os Luqueses,
os Pisanos e os Sieneses, todos foram ao seu encontro para tornarem-se seus
amigos. Os venezianos puderam considerar então a temeridade da resolução que
haviam adotado, pois que, para conquistar dois tratos de terra na Lombardia,
fizeram o rei tornar-se senhor de dois terços da Itália.
Considere-se agora com quanta facilidade podia o rei manter
a sua reputação na Itália se, observadas as normas já referidas, tivesse
conservado seguros e defendidos todos aqueles seus amigos que, por serem em
grande número, fracos e medrosos uns em relação à Igreja os outros face aos
venezianos, precisavam sempre estar com ele; por meio deles poderia,
facilmente, ter-se assegurado contra os que ainda se conservavam fortes.
Mas ele, apenas chegado a Milão, fez o contrário, dando
auxilio ao papa Alexandre para que ocupasse a Romanha. Nem percebeu que com
essa deliberação enfraquecia a si próprio, afastando os amigos e aqueles que se
lhe tinham lançado aos braços, enquanto engrandecia a Igreja acrescentando ao
poder espiritual, que lhe dá tanta autoridade, tamanha força temporal. Cometido
um primeiro erro, foi compelido a seguir praticando outros até que, para pôr
fim à ambição de Alexandre e evitar que este se tornasse senhor da Toscana,
teve de vir pessoalmente à Itália. Não lhe bastou ter tornado grande a Igreja e
perder os amigos; por querer o reino de Nápoles, dividiu-o com o rei da
Espanha; sendo primeiro o árbitro da Itália, aí colocou um companheiro para que
os ambiciosos daquela província e os descontentes com ele mesmo tivessem onde
recorrer e, em vez de deixar naquele reino um soberano a ele sujeito, tirou-o
para, em seu lugar, colocar um outro que pudesse expulsá-lo dali.
É coisa muito natural e comum o desejo de conquistar e,
sempre, quando os homens podem fazê-lo, serão louvados ou, pelo menos, não
serão censurados; mas quando não têm possibilidade e querem fazê-lo de qualquer
maneira, aqui está o erro e, consequentemente, a censura. Se a França, pois,
podia assaltar Nápoles com suas forças, devia fazê-lo; se não podia, não devia
dividir esse reino. E se a divisão que fez com os venezianas sobre a Lombardia
mereceu desculpa por ter com ela firmado pé na Itália, aquela merece censura em
razão de não ser justificada por essa necessidade.
Tinha, pois, Luís, cometido estes cinco erros: eliminou os
menos fortes; aumentou na Itália o prestígio de um poderoso; aí colocou um
estrangeiro poderosíssimo; não veio habitar no país; não instalou colônias.
Estes erros, contudo, poderiam não ter causado dano enquanto
vivo ele fosse, se não houvesse sido cometido o sexto erro, tomar os
territórios aos venezianos. Na verdade, se não tivesse tornado grande a Igreja
nem introduzido a Espanha na Itália, seria bem razoável e necessário
enfraquecê-los; mas, tomados que foram aqueles partidos, nunca deveriam
consentir na ruína dos mesmos, pois, sendo poderosos, teriam sempre mantido
aquelas à distância da Lombardia, e isso porque os venezianos jamais iriam
consentir em qualquer manobra contra esse Estado, a menos que eles se tornassem
os senhores, da mesma forma que os outros não iriam querer tomá-lo à França
para dá-lo aos venezianos, ao mesmo tempo que lhes faltava coragem para entrar
em luta com estes e com a França. E se alguém dissesse: o Rei Luís cedeu a
Romanha a Alexandre e o Reino à Espanha para fugir a uma guerra - respondo com
as razões já anteriormente expostas de que - nunca se deve deixar prosseguir
uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela não se foge mas apenas
se adia para desvantagem própria. E se alguns outros alegassem a palavra que o
rei havia dado ao Papa, qual a de realizar para ele aquela conquista em troca
da dissolução de seu casamento e do chapéu cardinalício para o arcebispo de
Ruão - respondo com o que mais adiante se dirá acerca da palavra dos príncipes
e de como se a deve respeitar.
Perdeu, pois, o Rei Luís a Lombardia por não ter respeitado
nenhum dos princípios observados por outros que dominaram províncias e quiseram
conservá-las. Não há aqui milagre algum, mas é sim muito comum e razoável. E
deste assunto falei em Nantes ao arcebispo de Ruão, quando Valentino, assim
popularmente chamado César Bórgia, filho do Papa Alexandre, ocupava a Romanha:
porque, dizendo-me o cardeal de Ruão que os italianos não entendiam de guerra,
retruquei-lhe que os franceses não entendiam do Estado, pois que, se de tal
compreendessem, não teriam deixado que a Igreja alcançasse tanta grandeza. E
por experiência viu-se que a grandeza da Igreja e da Espanha na Itália foi
causada pela França, e a ruína desta foi acarretada por aquelas.
Disso se extrai uma regra geral que nunca ou raramente
falha: quem é causa do poderio de alguém arruína-se, por que esse poder resulta
ou da astúcia ou da força e ambas são suspeitas para aquele que se tornou
poderoso.
CAPÍTULO IV
POR QUE O REINO DE DARIO, OCUPADO POR ALEXANDRE, NÃO SE
REBELOU CONTRA SEUS SUCESSORES APÓS A MORTE DESTE
(CUR DARII REGNUM QUOD ALEXANDER OCCUPAVERAT A SUCCESSORIBUS
SUIS POST ALEXANDRI MORTEM NON DEFECIT)
Consideradas as dificuldades que devem ser enfrentadas para
a conservação de um Estado recém-conquistado, alguém poderia ficar pasmo ante o
fato de que, tendo se tornado senhor da Ásia em poucos anos, não apenas havia
terminado sua ocupação Alexandre Magno veio a morrer e, a despeito de parecer
razoável que todo aquele Estado devesse rebelar-se, seus sucessores o
conservaram e para tanto não encontraram outra dificuldade senão aquela que,
por ambição pessoal, nasceu entre eles mesmos. - Argumento: os principados de
que se conserva memória, têm sido governados de duas formas diversas: ou por um
príncipe, sendo todos os demais servos que, como ministros por graça e
concessão sua, ajudam a governar o Estado, ou por um príncipe e por barões, os
quais, não por graça do senhor mas por antigüidade de sangue, têm aquele grau
de ministros. Estes barões têm Estados e súditos próprios que os reconhecem por
senhores e a eles dedicam natural afeição. Os Estados que são governados por um
príncipe e servos, têm aquele com maior autoridade, porque em toda a sua
província não existe alguém reconhecido como chefe senão ele, e se os súditos
obedecem a algum outro, fazem-no em razão de sua posição de ministro e oficial,
não lhe dedicando o menor amor.
Os exemplos dessas duas espécies de governo são, nos nossos
tempos, o Turco e o rei de França. Toda a monarquia do Turco é dirigida por um
senhor: os outros são seus servos; dividindo o seu reino em sandjaks, para aí
manda diversos administradores e os muda e varia de acordo com sua própria
vontade. Mas o rei de França está em meio a uma multidão de antigos senhores
que, nessa qualidade, são reconhecidos pelos seus súditos e por eles amados:
têm as suas preeminências e não pode o rei privá-los das mesmas sem perigo para
si próprio. Quem tiver em mira, pois, um e outro desses governos, encontrará
dificuldades para conquistar o Estado Turco, mas, vencido que seja este,
encontrará grande facilidade para conservá-lo, Ao contrário, encontrar-se-á em
todos os sentidos maior facilidade para ocupar o Estado de França, mas grande
dificuldade para mantê-lo.
As razões da dificuldade em ocupar o reino do Turco decorrem
de não poder o atacante ser chamado por príncipes daquele reino, nem esperar,
com a rebelião dos que rodeiam o soberano, poder ter facilitada a sua empresa:
é o que resulta das razões referidas. Porque, sendo todos escravos e obrigados,
são mais dificilmente corruptíveis e, quando fossem subornados, pouco de útil
poder-se-ia esperar, visto não serem eles capazes de arrastar o povo atrás de
si, pelos motivos já mencionados. Logo, se alguém assaltar o Estado Turco, deve
pensar que irá encontrá-lo todo unido, convindo contar mais com suas próprias
forças que com as desordens dos outros. Mas, vencido que seja e uma vez
desbaratado em batalha campal de modo que não possa refazer os exércitos, não
se deve recear outra coisa senão a dinastia do príncipe; uma vez extinta esta,
ninguém mais resta que deva ser temido, já que os demais não gozam de prestígio
junto ao povo; e como o vencedor deste nada podia esperar antes da vitória,
depois dela não deve receá-lo.
O contrário ocorre nos reinos como o de França, por que com
facilidade podes invadi-lo em obtendo o apoio de algum barão do reino, pois que
sempre se encontram descontentes e os que desejam fazer inovações. Estes, pelas
razões referidas, podem abrir o acesso àquele Estado e facilitar a vitória.
Esta, depois, se desejares manter-te, arrasta atrás de si infinitas
dificuldades, seja com aqueles que te ajudaram, seja com os que oprimiste. Não
é bastante extinguir a estirpe do príncipe, pois permanecem aqueles senhores
que se tornam chefes das novas revoluções e, não podendo nem contentá-los nem
exterminá-los, perde aquele Estado tão logo surja a oportunidade.
Ora, se for considerado de que natureza era o governo de
Dario, se o encontrará semelhante ao reino do Turco. Para Alexandre foi
necessário primeiro encurralá-lo e desbaratá-lo em batalha campal sendo que,
depois da vitória, estando morto Dario, aquele Estado tornou-se seguro para
Alexandre pelas razões acima expostas. Seus sucessores, se tivessem sido
unidos, poderiam tê-lo gozado tranqüilamente, pois ali não surgiram outros
tumultos que não os por eles próprios provocados. Mas quanto aos Estados
organizados como o da França, é impossível possuí-los com tanta tranqüilidade.
Dessa circunstância é que nasceram as freqüentes rebeliões da Espanha, da
França e da Grécia contra os romanos; em decorrência do grande número de
principados que havia naqueles Estados e por todo o tempo em que perdurou a sua
memória, os romanos estiveram inseguros na posse daqueles domínios. Mas extinta
a lembrança dos principados, com o poder e a constância de sua autoridade, os
romanos tornaram-se dominadores seguros. Puderam eles, também, combatendo mais
tarde em lutas internas, arrastar cada facção, para o seu lado, parte daquelas
províncias, segundo a autoridade que havia adquirido junto a elas; e essas
províncias, por não mais existir o sangue de seus antigos senhores, não
reconheciam senão a soberania dos romanos. Consideradas, pois, todas estas
coisas, ninguém se maravilhará da facilidade que Alexandre encontrou para
conservar o Estado da Ásia, e das dificuldades que foram arrostadas pelos
outros para manterem o conquistado, como Pirro e muitos outros. Isso não
resultou da muita ou da pouca virtude do vencedor, mas sim da diversidade de
forma do objeto da conquista.
fonte: http://www.culturabrasil.pro.br/
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