"O amor sem risco é uma impossibilidade,
como a guerra
sem morte."
Quem é Alain Badiou?
Alain Badiou nasceu em 17 de janeiro de 1937 em Rabat
(Marrocos). Seu pai é professor associado de matemática, um combatente da
resistência que se tornou prefeito de Toulouse (França) durante a Libertação, e sua mãe
também é professora associada de letras. Alain Badiou estudou filosofia na
École Normale Supérieure e formando-se em 1960. Foi na ENS
que ele teve seus primeiros contatos com Louis Althusser (filósofo do Marxismo Estrutural de
origem Francesa nascido na Argélia), Georges Canguilhem (filósofo e médico francês) e Jacques-Marie Émile Lacan (psicanalista francês). Ele também
fez campanha contra a guerra da Argélia (A Guerra de Independência Argelina, também conhecida como
Revolução Argelina ou Guerra da Argélia foi um movimento de libertação nacional
da Argélia do domínio francês, que tomou curso entre 1954 e 1962). Nomeado professor de
filosofia em Reims, na Universidade Experimental Paris VIII (Vincennes), desde
a sua criação, após 68 de maio, embarcou com determinação na aventura maoísta
que o ocupará até os anos 80. Durante esse período, companheiro por estrada de
Antoine Vitez, Alain Badiou está mais interessado na escrita dramática (entre
outros, a peça L'Écharpe rouge). Em 1988, ele publicou uma obra filosófica O
Ser e o Evento, em 2006 publica Logiques des mondes. Em
1999, foi nomeado professor na École Normale Supérieure, então professor
emérito em 2004. Seu trabalho é abundante e diversificado, incluindo romances,
peças teatrais, ensaios sobre filosofia (República de Platão em 2012), político
(qual é o nome de Sarkozy em 2007) ou mesmo matemática (elogios da matemática em
2015). Alain Badiou é uma figura-chave no cenário intelectual francês e também
goza de renome internacional.
Alain
Badiou é um filósofo, dramaturgo e novelista francês nascido no Marrocos. É
conhecido por sua militância maoísta (Maoísmo é o termo empregado para designar
a linha de ação política do movimento revolucionário comunista chinês, que foi
liderado por Mao Tsé-Tung (1893-1976), por sua defesa do comunismo e do
trabalhadores estrangeiros em situação irregular na França.
O filósofo francês – um dos mais traduzidos e influentes do mundo – avalia que o neoliberalismo falhou. “O capitalismo é baseado na competição e é incapaz de formar um governo mundial. É globalizado, mas a política não é. Continua nacional. Os estados representam seus interesses e lutam pela hegemonia”, aponta, em entrevista ao jornal alemão ‘Frankfurter Allgemeine Zeitung’.
O filósofo francês Alain Badiou não considera a situação
atual que o mundo vive excepcional. No ensaio “Sobre as situações épicas”, ele
lista: “AIDS, gripe aviária, Ebola, Sars 1, gripes variadas, mas também sarampo
e tuberculose, os os antibióticos se tornaram impotentes. Sabemos que o mercado
globalizado (…) inevitavelmente cria epidemias severas e destrutivas. A Aids
mata vários milhões de pessoas”. E afirma: A Covid-19 deve ser chamada de Sars
2. “Não há nada de novo sob o sol contemporâneo. Para mim, não havia mais nada
a fazer além de tentar me trancar em casa. E nada mais a dizer. Faça da mesma
maneira”.
Nascido em 1937, Alain Badiou foi um dos principais líderes
do maoísmo. Ele agora é o intelectual francês contemporâneo mais traduzido.
Escreveu romances e peças de teatro. Ficou famoso após a morte de Jean-Paul
Sartre e Jacques Lacan e o internamento do teórico marxista Louis Althusser.
Eles eram seus “mestres pensadores”.
A entrevista foi feita pelo jornalista Jürg Altwegg, que o entrevistou para o jornal alemão Frankfurter
Allgemeine Zeitung.
“Alain Badiou acaba de publicar um livro sobre o presidente
dos Estados Unidos, Donald Trump, intitulado Trump (Presses Universitaires de
France). Marcamos a entrevista por isso, explica Altwegg. O filósofo, retratado na imprensa como
um dogmático sectário e incompreensível, acabou se revelando um interlocutor
eloquente e amigável”, anota o repórter alemão. A seguir, os principais trechos
da entrevista, publicada originalmente no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung.
Altwegg. Nas décadas de 1950 e 1960, os intelectuais
franceses eram marxistas sem exceção e, como Sartre, companheiros dos
comunistas. Você é o último?
Alain Badiou. Os “novos filósofos”, que eram exclusivamente
renegados, desencadearam uma onda de autocrítica e um afastamento do comunismo.
O marxismo, que depois de 1945 havia conquistado a hegemonia no espírito de
Gramsci, foi empurrado para uma espécie de caverna. Foi substituído por uma
ideologia que pode ser resumida como elogio à democracia parlamentar, liberdade
e direitos humanos. Os intelectuais traíram suas crenças e sua função como
corpos críticos. Desde então, estão comprometidos com o sistema político e
propagam seus valores. Ao mesmo tempo, o fracasso dos primeiros experimentos
históricos na China e na União Soviética tornou-se aparente. Esses dois
fenômenos levaram ao desaparecimento do marxismo no Ocidente. Eu sou um
sobrevivente, não o único.
A. E, ao mesmo tempo, você é o filósofo francês
contemporâneo mais traduzido.
AB. Fico feliz em reivindicar o título honorário de “chefe
sobrevivente”. A pequena celebridade que me tornou famoso data dos anos 80.
Naquela época, me virei para a filosofia. Fiz isso para permanecer fiel ao
marxismo e renová-lo. Lealdade tornou-se um conceito importante no meu
pensamento. Às vezes me sentia um pouco sozinho. Mas agora cresce a esperança
de que possamos mais uma vez enfrentar uma virada histórica.
A. Quando Nicolas Sarkozy foi presidente, você o analisou
como um “sintoma” em um ensaio que se tornou um best-seller. O que significa?
AB. Depois de 1945, os comunistas e gaulistas dominavam o
cenário. O colapso desta constelação foi selado com Sarkozy. Depois do
comunismo, o gaulismo também chegou ao fim. Crenças e ideologias não importam
mais. Este foi o começo da era do cinismo. Não se trata mais de melhorar o
mundo, mas de manter a ordem predominante. Os intelectuais passaram a ser
desprezados.
A. É isso que você vê como um cinismo na Macron?
AB. Inicialmente, ele se apresentou como um bom aluno de
nossa tradição. Macron entrou no estágio político como uma pessoa civilizada –
mas sua missão não é: é lidar com os compromissos feitos entre gaulistas e
comunistas em 1945 e suas realizações sociais.
A. Você é conhecido como um crítico das eleições
democráticas, que Sartre chamou de “armadilha idiota”.
AB. As eleições exigem um consenso de que nada muda no
sistema. Esse desenvolvimento começou com Mitterrand, que prometeu romper com o
capitalismo. Depois de dois anos, tudo acabou. Sua rendição tornou-se
inovadora. Todas as alternativas ao capitalismo foram desacreditadas. Desde o
colapso da União Soviética, não houve contrapeso que pudesse retardar o
crescente crescimento do capitalismo. Ele é projetado para destruição e
exploração.
O capitalismo é baseado na competição e é essencialmente
guerreiro.
Ele é incapaz de formar um governo mundial.
É globalizado, mas a
política não é.
Continua nacional.
Os estados representam seus interesses e
lutam pela hegemonia.
Os conflitos resultantes podem permanecer limitados. Mas
degenerar em uma guerra mundial também.
A. O capitalismo necessariamente leva à guerra?
AB. O triunfo do imperialismo no final do século 19 e a
rivalidade das grandes potências levaram à guerra. A hegemonia da democracia
parlamentar surgiu de duas terríveis guerras mundiais. Atualmente, estamos
enfrentando problemas difíceis de resolver. Em tais situações, a guerra sempre
foi a única solução. O capitalismo é baseado na competição e é essencialmente
guerreiro. Ele é incapaz de formar um governo mundial. É globalizado, mas a
política não é. Continua nacional. Os estados representam seus interesses e
lutam pela hegemonia. Os conflitos resultantes podem permanecer limitados. Mas
degenerar em uma guerra mundial também.
A. Como você explica a ascensão dos populistas?
AB. A crise do parlamentarismo fortalece as forças nas
extremidades da esquerda e da direita. Surgiu da contradição entre a economia
globalizada e a política nacional. Ninguém sabe como resolver isso. Até agora,
a extrema direita se beneficiou da crise em todos os lugares. Nada vem da
extrema esquerda. Não há esperança revolucionária. A social-democracia está em
processo de dissolução. Os partidos comunistas praticamente desapareceram.
Somente na extrema direita surgiram movimentos um tanto estruturados. É
extremamente preocupante que políticos como (Donald) Trump, (Matteo) Salvini e
(Jair) Bolsonaro cheguem ao poder neste clima, assim como (Narendra) Modi na
Índia, (Rodrigo) Duterte nas Filipinas. Temos uma galeria maravilhosa de
monstros políticos lá.
A. Eles atestam a existência de um “fascismo democrático”?
AB. Eles foram eleitos e cumprem as regras do jogo: Trump
quer ser reeleito. Se você equiparar democracia a eleições livres, elas são
democráticas. Hitler e Mussolini também foram eleitos. A visão de mundo de Trump
e Bolsonaro são de extrema direita. Eles são racistas e xenófobos, eles
desprezam as mulheres. Eles representam um capitalismo brutal. Seu culto à
própria pessoa, seus discursos, sua vulgaridade e principalmente sua
hostilidade aos intelectuais são uma expressão do dogma fascista. Dada a
desintegração ideológica da esquerda, é bastante questionável se existe um
contramovimento nesse triunfo dos reacionários.
A social-democracia está em processo de dissolução. Os
partidos comunistas praticamente desapareceram. Somente na extrema direita
surgiram movimentos um tanto estruturados. É extremamente preocupante que
políticos como (Donald) Trump, (Matteo) Salvini e (Jair) Bolsonaro cheguem ao
poder neste clima, assim como (Narendra) Modi na Índia, (Rodrigo) Duterte nas
Filipinas. Temos uma galeria maravilhosa de monstros políticos lá.
A. Seu declínio finalmente remonta a 68 de maio. Como isso
foi possível?
AB. Na França, o Partido Comunista é responsável por isso.
Naquela época, ela perdeu sua oportunidade histórica. Depois de 1968, os
comunistas franceses estavam preocupados apenas em preservar seu acervo. Eles
se converteram à democracia parlamentar e traíram a revolução. Por isso não
voto desde então.
A. A superação do marxismo na França era sobre os crimes do
comunismo. Os “novos filósofos” contaram Marx entre os “pensadores-mestre” e o
tornaram responsável pelo totalitarismo stalinista?
AB. Isso não faz sentido: uma de suas demandas mais
importantes é o declínio do Estado burguês. Isso não aconteceu. Os regimes
comunistas falharam nessa questão. Centralização violenta e extrema burocracia
não estão planejadas para Marx. Marx também não é responsável pelos crimes.
A. Então o comunismo não está desacreditado?
AB. A história ainda não acabou. O capitalismo começou
quatrocentos anos atrás. O início da exploração também pode ser datado do
neolítico, quando caçadores e coletores fizeram a transição para as culturas
pastoril e camponesa. O marxismo ainda é um fenômeno muito jovem, foi
desenvolvido no século 19 e experimentado no século 20. Ele dorme profundamente
há três décadas. Precisamos combater o capitalismo contemporâneo, que tem um
impacto negativo na maioria das pessoas e destrói o planeta. Não vejo outra
teoria senão o marxismo. Minha “hipótese marxista” é sobre a percepção de que
outro mundo é possível. Estou convencido de que o comunismo está diante de nós.
O marxismo ainda é um fenômeno muito jovem, foi desenvolvido
no século 19 e experimentado no século 20. Ele dorme profundamente há três
décadas. Precisamos combater o capitalismo contemporâneo, que tem um impacto
negativo na maioria das pessoas e destrói o planeta. Não vejo outra teoria
senão o marxismo.
AB. O proletariado dos nômades sempre existiu. Eles
costumavam vir do país e se mudar para a cidade. Hoje eles vêm da África.
Sempre foram jogados contra os trabalhadores. A xenofobia dos comunistas
franceses na década de 1970 também foi um elemento que contribuiu para seu
declínio. Eles acusaram o capitalismo de enviar imigrantes para os subúrbios
comunistas. O partido dos proletários resistiu à imigração dos proletários.
Como se a imigração fosse o problema da França.
A. A Alemanha recebeu um milhão.
AB. Isso foi absolutamente correto e realista. Angela Merkel
é uma das melhores chefes de Estado da Europa. Mas ela não foi perdoada. As
lições que Macron lhe ensina são insuportáveis. Ela foi corajosa em acolher
refugiados. É como estar em um exército quando você admira o general das tropas
adversárias por suas realizações e ética.
Jürg Altwegg para o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung. Publicado originalmente em português no site do https://pt.org.br/
ALGUNS
PENSAMENTOS DE
Alain
BADIOU
Sem
matemática, somos cegos.
Surpreende-me
ver que hoje tudo o que não se rende ao capitalismo puro e simples ao
capitalismo generalizado, digamos assim, é considerado arcaico ou antiquado,
como se, de certo modo, não houvesse outra definição do que significa ser
moderno do que, simplesmente, estar sempre preso às formas dominantes do
momento.
No
domínio político, privado de qualquer marco político coletivo, despojado de
qualquer noção do "significado da História"; e, não sendo mais
capazes de esperar ou esperar uma revolução social, muitos intelectuais,
juntamente com grande parte da opinião pública, foram conquistados pela lógica
de uma economia capitalista e de uma democracia parlamentar.
Se
existe um grande poder imperial único que está sempre convencido de que seus
interesses mais brutais coincidem com o Bem; se é verdade que todos os anos os
EUA gastam mais em seu orçamento militar do que a Rússia, China, França,
Inglaterra e Alemanha juntos; e se esse Estado-nação, dedicado ao excesso
militar, não tiver outro ídolo público além da riqueza, aliados que não sejam
servos e nenhuma visão de outros povos além de um indiferente, comercial e
cínico; então a liberdade básica dos Estados, povos e indivíduos consiste em
fazer tudo e pensar em tudo para escapar, tanto quanto possível, dos
mandamentos, intervenções e interferência desse poder imperial.
A
arte atesta o que é desumano no homem.
O
cinema é um lugar de indiscernibilidade intrínseca entre arte e não arte. ”
De
acordo com o modo como é geralmente usado hoje em dia, o termo
"ética" refere-se, sobretudo, ao domínio dos direitos humanos,
"os direitos do homem" - ou, por derivação, os direitos dos seres
vivos. Devemos assumir a existência de um sujeito humano universalmente
reconhecível, possuindo "direitos" que são, em certo sentido,
naturais: o direito de viver, evitar abusos, desfrutar de liberdades
"fundamentais" (de opinião, de expressão, de escolha democrática).
eleição de governos etc.) Esses direitos ajudam a ser evidentes e são o
resultado de um amplo consenso. 'Ética' é uma questão de nos ocuparmos com
esses direitos, de garantir que eles sejam respeitados. ”
Toda
resistência é uma ruptura com o que é. E toda ruptura começa, para os
envolvidos nela, através de uma ruptura consigo mesmo.
Fonte: https://citacoes.in
A
lição de felicidade de Alain Badiou
Entrevista por Nicolas Truong, via Le Monde, traduzida por
Daniel Alves Teixeira.
Entrevista concedida por Alain Badiou para o Le Monde em
14.08.2015, em que o filósofo fala de algumas de suas experiências pessoais que
levaram ao seu interesse pelo teatro e pela filosofia e também sobre suas
atuais incursões no tema da felicidade.
Le Monde: Quais foram os encontros determinantes para a
orientação da sua vida?
Alain Badiou: Antes do teatro e da filosofia, teve uma frase
de meu pai. De fato, durante a segunda guerra mundial se constituiu uma
lembrança formadora, determinante para a sequência da minha existência. À
época, eu tinha seis anos. Meu pai, que estava na Resistência – ele foi nomeado
em função disso prefeito de Toulouse na Liberação – afixou sobre o muro um
grande mapa das operações militares e principalmente da evolução do fronte
russo. A linha desse fronte estava marcada sobre o mapa por uma corda fina
mantida por percevejos. Eu havia por diversas vezes observado as mudanças dos
percevejos e da corda, sem fazer muitas perguntas: homem da clandestinidade,
meu pai permanecia evasivo, ante as crianças, em relação a tudo que concernia a
situação política e da guerra.
Nós estávamos na primavera de 1944. Um dia, era o momento da
ofensiva soviética sobre a Criméia, eu vejo meu pai mudar a corda em direção à
esquerda, em um sentido que indicava nitidamente que os Alemães refluíam em
direção ao Oeste. Não somente seu avanço conquistador tinha sido impedido, mas
eram eles que agora perdiam largas porções de território. Em um raio de
compreensão, eu lhe disse: “Mas então, nós vamos talvez ganhar a guerra?”, e,
por uma vez, sua resposta foi de uma grande clareza: “Mas com certeza Alain! É
suficiente querê-lo!”.
Le Monde: Essa frase se tornou sua máxima?
Alain Badiou: Essa
resposta é uma verdadeira inscrição paternal. Eu herdei dela a convicção que
quaisquer que sejam as circunstâncias, aquilo que nós queremos e decidimos tem
uma importância capital. Desde então, eu quase sempre era rebelde às opiniões
dominantes, porque elas são quase sempre conservadoras, e eu jamais renunciei a
uma convicção unicamente porque ela não estava mais na moda.
Le Monde: Você dá grande importância à vontade. Ora, uma
grande tradição filosófica, o estoicismo, aconselha aos homens de querer aquilo
que acontece para ser feliz. Não há mais sabedoria em aceitar o mundo tal como
ele é em vez do que querer mudá-lo?
Alain Badiou: Nosso destino, na década de 1940, era de ter
perdido a guerra. Um estoico diria então que era razoável serem todos
petonistas? Pétain fazia de suas visitas às províncias um grande triunfo, nós
podíamos pensar que ela havia poupado o país do mais duro da guerra. Deveríamos
aceitá-lo? Eu desconfio do estoicismo, de Sêneca que, rico e com ouro até o
fundo de sua banheira, preconizava a aceitação do destino.
Existem também os materialistas rigorosos, os epicuristas,
que consideram um absurdo se levantar contra as leis do mundo e assim arriscar
inutilmente sua vida. Mas a o que resulta dessa doutrina? Aproveitar o dia que
passa, o famoso Carpe Diem de Horácio? Não é algo extraordinário, existe entre
as sabedorias antigas um elemento inato: o sujeito deve encontrar um lugar
tranquilo no mundo tal como ele é, sem se preocupar que esse mundo possa
arrasar a vida dos outros.
Le Monde: Qual é a origem dessas éticas egoístas?
Alain Badiou: Essas sabedorias prosperaram durante o Império
Romano, onde a situação histórica parece bastante com a nossa: uma hegemonia
mundial oferecendo pouca chance de definir e de praticar uma orientação
absolutamente contrária aquela que exige o sistema econômico e político. Esse
gênero de situação favorece em todos os lugares a ideia de que aquilo que
precisamos é se adaptar a esse sistema para nele encontrar o melhor lugar
possível.
Então, o filosofo realista deveria dizer: “Renunciemos a
toda perspectiva de mudança do mundo: Nós instalemos”. Ou, na versão que Pascal
Brunner dá desse conservadorismo inflexível: “ O modo de vida ocidental é não
negociável”? Eu não me resolvo nisso. Eu quero outra coisa. É a minha
fidelidade a máxima paternal.
Le Monde: Depois da guerra, houve um professor que o fez
encontrar o teatro. Por que esse encontro foi determinante? Como o teatro se
tornou um guia da vida?
Alain Badiou: Quando eu fiz meus estudos, qualquer um que
chegasse à faculdade começava imediatamente por Racine, Corneille e Molière.
Que isso nos agradasse ou não, nós devíamos estudá-los, até o fim, a razão de
uma peça de cada um deles por ano: esse era o programa. Mas nós nos encontramos
mais facilmente com uma pessoa do que com um programa. E foi isso que me
aconteceu: no 4º ano, eu encontrei um professor de francês que tratou o teatro
como uma maravilha da qual nós podíamos a tomar parte, pois o essencial não era
estudá-lo, mas atuá-lo.
Ele criou uma companhia na qual cada voluntário podia
encontrar seu lugar. E foi então que, progressivamente, eu e os outros nos
tornamos atores. Que encontro! Foi um tipo de interrupção nas nossas vidas
ordinárias de estudantes. Nós montávamos em cena, frente a um público, únicos
responsáveis do que então acontecia. Isso também, como dizia meu pai, bastava
querê-lo! Eu interpretei o papel principal de Fourberies de Scapin, o que me
preparou para a astúcia e para réplicas. Eu me lembro da tremenda emoção no
momento que me joguei na luz da cena, de minha primeira réplica: “O que é,
senhor Octave, o que você tem, o que ele tem, que desordem é está?” que,
pulando sobre a cena, eu devia projetar para uma plateia de desconhecidos. Sim,
para fazer teatro, é preciso querê-lo e passar além da extrema dificuldade de
estar lá, sozinho em plena luz em frente de todos, com o nervosismo, que é em
você essa qualquer coisa que se revolta contra o risco.
Le Monde: Existe aí um conservadorismo subjetivo, uma
disposição humana a conservação de si e do mundo tal como ele vai?
Alain Badiou: Sim, existe qualquer coisa no espírito humano
de profundamente conservador e que vem da vida ela mesma. Antes de qualquer
coisa, é preciso continuar a viver. É preciso se proteger, a fim, como escreve
Spinoza, de “perseverar no seu ser”. Quando meu pai me explicou que a vontade
pode bastar, ele deu a entender que é preciso prestar atenção nessa disposição
em si mesmo.
O teatro, ele é também esse momento onde o corpo vivente
serve uma ficção. Alguma coisa entre então em contradição com o puro e simples
instinto de sobrevivência. No ato do cômico, existe a decisão miraculosa de
assumir o risco de uma exposição integral de si mesmo. Graças ao meu professor
do 4º ano, eu encontrei tudo isso. O teatro foi minha primeira vocação. E ele
volta sempre.
Le Monde: No teatro, você encontrou então o encontro como a
decisão….
Alain Badiou: Eu me encontrei, com efeito, antes de tudo,
com alguém: meu professor de francês. Ele foi a mediação viva do encontro com o
teatro. É exatamente isso o que explica Platão no Banquete, onde ele expõe que
a filosofia ela mesma depende sempre do encontro com alguém. Esse é o sentido
do maravilhoso conto que Alcebíades faz de seu encontro com Sócrates. Através
desse encontro com alguém são colocadas as questões do querer, da decisão, da
exposição e da relação com o outro. Tudo isso coloca você em uma situação de
vida magnifica e perigosa.
Le Monde: Seu outro encontro foi com a filosofia e a leitura
de Jean-Paul Sartre. Porque escolher a filosofia como orientação para a vida?
Alain Badiou: A filosofia, tal como eu a encontrei pela
mediação de Sartre, prolonga ela também a máxima paternal. Eu continuo fiel a
Sartre em um ponto essencial: nós não podemos argumentar através da situação
para não fazer nada. É um ponto central de sua filosofia. A situação nunca é
tal que seja justo parar de querer, de decidir, de agir. Para Sartre, é a
consciência livre e ela somente que dá sentido a situação, e, por conseguinte,
não se pode desembaraçar-se da responsabilidade própria, quaisquer que sejam as
circunstâncias. Se a situação mesma parece tornar impossível aquilo que a nossa
vontade quer, será preciso querer a mudança radical dessa situação. Eis a lição
sartriana.
Le Monde: Em que a filosofia poderia nos ajudar a ser feliz?
Alain Badiou: A felicidade, é quando nós descobrimos que
somos capazes de alguma coisa que nós não sabíamos capazes. Por exemplo, em um
encontro amoroso, você descobre qualquer coisa que vai colocar em maus lençóis
seu egoísmo conservador fundamental: você vai aceitar que sua existência
depende inteiramente de uma outra pessoa. Antes de experimentá-lo, você não
tinha a menor ideia disso.
Você aceita repentinamente que sua própria existência esteja
na dependência de outra. E as precauções que você toma habitualmente para se
proteger são minadas por esse outro que se instalou em sua existência. Em
seguida, será preciso procurar tirar as consequências dessa felicidade, tentar
mantê-la em seu apogeu, ou tentar reencontrá-la, reconstituí-la, para viver
sobre o sinal dessa novidade primordial. É preciso aceitar que essa felicidade
trabalha às vezes contra a satisfação.
Le Monde: Porque opor felicidade e satisfação?
Alain Badiou: Primeiramente, a felicidade é fundamentalmente
igualitária, ela integra a questão do outro, enquanto que a satisfação, ligada
ao egoísmo da sobrevivência, ignora a igualdade. Depois, a satisfação não é
dependente do encontro ou da decisão. Ela ocorre quando nós encontramos um bom
lugar no mundo, um bom trabalho, um carro bonito e belas férias no estrangeiro.
A satisfação é o consumo das coisas pelas quais lutamos para obter. Afinal, é
para gozar desses bens que nós tentamos ocupar um lugar adequado no mundo tal
como ele é. Portanto a satisfação é, em relação à felicidade, uma figura
restrita de subjetividade, a figura do sucesso segundo as normas do mundo.
O estoico pode dizer “Esteja satisfeito de estar
satisfeito”. É uma posição ordinária que tudo mundo, eu inclusive, compartilha
mais ou menos. No entanto, como filósofo, sou convocado a dizer que há algo de
diferente que eu chamo de felicidade. E a filosofia sempre procurou orientar a
humanidade do lado dessa felicidade real, aqui inclusive que essa não se obtém
senão em detrimento da satisfação.
Le Monde: Se a felicidade consiste gozar a existência
potente e criadora de uma coisa que parecia impossível, é preciso mudar o mundo
para ser feliz?
Alain Badiou: A relação normal com o mundo é regida pela
dialética entre satisfação e insatisfação. No fundo, é uma dialética de
reivindicação, nós poderíamos chama-la de “visão sindical do mundo”. Mas a
felicidade real não é uma categoria normal da vida social. Quando você faz uma
demanda de felicidade e obtém um não como resposta, você tem duas
possibilidades. A primeira consiste em mudar você mesmo e cessar de demandar
essa coisa impossível. A felicidade lhe é interditada e é recomendado que você
se contente com a satisfação. Você obedece. Tal é a raiz subjetiva do
conservadorismo.
A segunda possibilidade é, como diz Lacan, de não ceder em
seu desejo, ou como dizia meu pai, de não parar de querer aquilo que você quer.
Então, existe um momento em que é preciso desejar mudar o mundo, para salvar a
figura da humanidade que há em você, ao invés de ceder à proibição do
impossível.
Le Monde: Então é sendo feliz que nós podemos mudar o mundo?
Alain Badiou: Sim! Sendo fiéis à ideia de ser feliz, e
defendendo o fato que a felicidade não é idêntica à satisfação. Os mestres do
mundo não gostam da mudança, então se você escolher manter contra os ventos e
marés que qualquer coisa de outra é possível, eles vão fazer você saber de
todos os meios que isso é falso. É exatamente o problema da Grécia hoje: o povo
grego disse: “Nós não queremos mais sua tirania financeira. Nós queremos viver
de outra forma.” As instituições europeias lhe responderam: “É preciso querer
isso que nós queremos, mesmo contra seu próprio querer, e se vocês continuarem
a não querer isso que vocês não querem, vocês vão ver o que lhes vai
acontecer!”
Quando as pessoas recusam a servidão voluntária, eles as
ameaçam. Então, os Gregos não estão pedindo-nos para continuar na dialética
satisfação/insatisfação. Eles explicam que eles gostariam de poder decidir que
alguma outra coisa é possível do que aquilo que lhe é imposto. Em especial, nós
não estamos no registro da utopia: muitos economistas perfeitamente
conservadores, explicam que nós podemos reestruturar a dívida grega, o que
equivale a suprimi-la sem o dizer. Na realidade, o que os dirigentes europeus
consideram como impossível, é deixar um povo decidir sobre esse ponto. Não é
então uma sanção econômica racional, mas uma punição política. É um castigo ao
desejo de felicidade, em nome da satisfação insatisfeita.
Le Monde: “Nós não vivemos nunca, mas nós esperamos viver, e
nós temos sempre de ser felizes, é inevitável que não o sejamos nunca”, escreve
Pascal. Uma felicidade verdadeira deve ser desesperada?
Alain Badiou: É uma frase sinistra. Mas se Pascal a escreve,
é precisamente porque ele pensa que uma salvação no outro mundo o espera. Todos
aqueles que argumentam a impossibilidade da felicidade na filosofia prometem
uma outra, eles sabem que não podem entusiasmar o leitor expondo a ele a
impossibilidade da felicidade. Eles tiram então de seu chapéu uma felicidade
transcendente.
Eu sou absolutamente contra essa tese da felicidade sempre
sonhada a qual não acedemos jamais. É falso, a felicidade é absolutamente
possível, mas não na forma de uma satisfação conservadora. Ela é possível sobre
a condição dos riscos assumidos nos encontros e decisões, os quais são
colocados, em definitivo, em um momento ou outro, a toda vida humana.
Le Monde: Mas o que você faz das aflições: a doença, os
acidentes da vida, os dramas, as rupturas e as separações conflituosas?
Alain Badiou: O fato de que há uma diferença entre
felicidade e satisfação causa uma divisão da palavra aflição. Existem as
aflições que se contentam em ser insatisfações profundas. Mas, mesmo nas
situações de abismo mais profundo, a pista da felicidade raramente é
integralmente fechada, pois a zona e a importância do possível são mudadas.
Para alguém que tem duas pernas em bom estado, fazer uma terceira não é nada;
para um paralisado em reeducação, é uma felicidade imensa.
Portanto, é preciso jamais declarar que a felicidade está
suprimida: ela existe se modificando, em uma situação determinada, o limite
entre o possível e o impossível. Ela consiste em não se deixar impor as
impossibilidades abstratas e gerais.
Le Monde: O que é a aflição, então?
Alain Badiou: Nós poderíamos dar como primeira definição da
aflição um estado de insatisfação grave e de extensão extrema da
impossibilidade. Mas a aflição pode ser igualmente um fracasso da felicidade. A
norma da fidelidade que eu introduzi, e que é sempre ligada a um encontro, e
portanto a felicidade, propõe como imperativo a permanência dessa procura da
felicidade. A fidelidade é o único imperativo ético, mas esse imperativo não é
uma segurança de todo risco.
É preciso reconhecer que existem as catástrofes da
felicidade. Essas últimas são de diferentes ordens: certas sobrevém por
cansaço, por abandono, outras por infidelidade ou por traição. Na minha
filosofia, o mal, é o fato de ser subjetivamente responsável por uma catástrofe
da felicidade. Eu chamo isso de desastre. É uma experiência tão terrível quanto
aquela da felicidade é intensa. Os conservadores gostam bastante dos desastres,
pois disso eles tiram seu argumento principal para chamarem a se contentar com
a satisfação.
Le Monde: No entanto, você diz que “mais vale um desastre
que um desser”…
Alain Badiou: Ah sim. Mais vale correr o risco de um
desastre, mas então também da felicidade real, que se proibir de imediato. Eu
chamo de “desser” essa disposição conservadora do sujeito humano que o leva se
reduzir à sobrevivência animal, a sua própria satisfação e seu lugar social. O
“desser” é isso que interdita o sujeito de experimentar aquilo a que ele é
verdadeiramente capaz.
Le Monde: As ligações de amizade de amor e amizade são
alteradas por esse reino da satisfação das necessidades imediatas?
Alain Badiou: O mundo de hoje tem um modelo fundamental de
alteridade e de troca, que é o paradigma comercial. Nós somos tentados a levar
todas as relações com o outro como uma dimensão contratual de interesse
recíprocos bem compreendidos. É a razão pela qual a separação é hoje muito mais
ameaçadora do que era antes. Nós temos muito rapidamente o sentimento prematuro
da obsolescência de qualquer coisa, sobre o modelo da obsolescência dos
produtos. O conservadorismo de hoje é atormentado pela questão da mercadoria,
que exige que você compre sempre o novo modelo e supõe então essa obsolescência
rápida dos produtos.
O consumidor é a figura objetiva dominante, aquela que faz o
mundo girar. Nossos mestres seguem com angustia o nível de compras de
mercadoria pelas pessoas. Se, repentinamente, mais pessoas não compram, o
sistema entraria em colapso como um castelo de cartas. Por isso nós estamos
acorrentados a necessidade de comprar as coisas em seu surgimento, sua
novidade, sua inutilidade funcional ou sua feiura criminal. Ora eu penso que
isso não é sem contaminar a figura genérica das relações entre os homens,
relações que agora valorizam oficialmente a concorrência.
Le Monde: Você faz um elogio da fidelidade?
Alain Badiou: De certo modo, porque essa obsessão da
novidade mercantil, muitas vezes de modo disfarçado, é um fenômeno que
prejudica a felicidade: a fidelidade sobre todas as suas formas é agora um
valor ameaçado. Nós não temos o direito de ser indefinidamente fiel a seu velho
carro, é preciso comprar outro, senão o sistema econômico está ameaçado!
Esse imperativo penetra o universo coletivo e pessoal e cria
muitas separações. A essa lógica, é preciso opor a máxima herdada de meu pai:
“Você pode querer continuar isso que você desejou, isso que você quis, e isso
que então você é capaz. Você pode, então você deve.”
Fonte: https://lavrapalavra.com/
Para conhecer as obras do filósofo Alain BARDIOU eu recomendo essa dissertação de mestrado em Filosofia pela Faculdade de Letras UNIVERSIDADE DE LISBOA (Bruno M. F. P. Dias)
intitulada: Acontecimento, Verdade e Sujeito: A Política como Condição da Filosofia em Alain Badiou”. DÊ CLIQUE AQUI PARA LER OU BAIXAR EM PDF
Filoparanavai 2020
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