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domingo, 27 de março de 2011

LEITURA DE TEXTOS FILOSÓFICOS: HEGEL (ÉTICA, POLÍTICA E LIBERDADE) parte 2

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Textos Filosóficos

Acesse aqui a primeira parte - Hegel e o caráter ético-político da idéia de liberdade.(PARTE 1)

[Parte 2]
Hegel e o caráter ético-político da idéia de liberdade.
Excertos e parágrafos traduzidos1
HEGEL, Friedrich. Hegel e o caráter ético-político da idéia de liberdade. in MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED/PR, 2009. pp. 299-337. Texto de apresentação e notas: RAMOS, Cesar A. Tradução do alemão e notas: Cesar A. Ramos e MULLER, Marcos Lutz


O sentido especulativo da Ideia como princípio para o idealismo filosófico e a sua conexão com o conceito dinâmico de totalidade


“Quando se fala de ideia, não se quer representar com isso algo de distante e situado num além. A Ideia é, antes, aquilo que está absolutamente presente” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, I, Werke 8, § 213, ad.).


[1 A tradução dos parágrafos, anotações e adendos das Linhas fundamentais de filosofia do direito é de Marcos Lutz MULLER, extraída das seguintes partes já publicadas: HEGEL, G. W. f. O Direito Abstrato. Tradução de Marcos Lutz Muller. Clássicos da filosofia: Cadernos de Tradução [IFCH/UNICAMP], Campinas, n. 5, set. 2003; HEGEL, G. W. F. Introdução à Filosofia do Direito. Tradução de Marcos Lutz Muller. Clássicos da filosofia: cadernos de tradução[IFCH/UNICAMP], Campinas, n. 10, ago. 2005; HEGEL, G. W. F. A Sociedade Civil. Tradução de Marcos Lutz Muller. Clássicos da filosofia: cadernos de tradução[IFCH/UNICAMP],Campinas, n. 10, ago. 2005. Também foi utilizada a versão on line da tradução das Linhas fundamentais da filosofia do direito, disponibilizada pelo tradutor. Nos demais parágrafos e excertos das outras obras, a tradução é de nossa autoria com base nas obras completas: HEGEL, G. W. F. Werke in zwangig Bänden. edição de Eva Moldenhauer e Karl M. Michel, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970-1986. 20 v. Os subtítulos intercalados nos textos traduzidos não constam do original. São informações que têm por objetivo sugerir ao leitor o sentido geral das passagens citadas.]


“Essa idealidade do finito é a proposição capital da filosofia, e toda verdadeira filosofia é, por esta razão, um idealismo” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, I, Werke 8, § 95, adendo).

“A ideia é o verdadeiro em-si e para-si, a unidade absoluta do conceito e da objetividade. Seu conteúdo ideal (ideeler Inhalt) não é outra coisa senão o conceito em suas determinações; seu conteúdo real é apenas a exposição do conceito que ele se dá na forma de um ser-aí (Dasein) exterior, e esta figura (Gestalt) está incluída na sua idealidade, em seu poder, e, desse modo, o conceito se conserva na ideia” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, I, Werke 8, § 213).


“É preciso, com efeito, não conceber o idealismo de Platão como um idealismo subjetivo, como aquele mau idealismo que, sem dúvida, se apresenta nos tempos modernos, como se o homem não fosse capaz de aprender nada nem fosse determinado exteriormente, e que todas as representações são emanadas do sujeito. Afirma-se com frequência que o idealismo consiste em que o indivíduo estabeleça a partir de si mesmo todas as suas representações, inclusive as mais imediatas. Porém isto é uma noção anti-histórica e completamente falsa; se esta tosca representação define o idealismo, podemos dizer que nenhum filósofo foi, em verdade, idealista, e tampouco o idealismo platônico tem a ver com esta forma” (Vorlesungen uber die Geschichte der Philosophie, II, Werke 19, p. 54-55).

“É justamente nesta posição da filosofia em relação à efetividade que se encontram mal-entendidos [...]

O que é racional, é efetivo;

E o que é efetivo, é racional.

Nesta convicção está toda consciência desprevenida, bem como a filosofia, e é daqui que esta parte para a consideração tanto do universo espiritual quanto do natural. Se a reflexão, o sentimento ou seja qual for a figura que a consciência subjetiva tenha, olha para o presente como uma coisa vã, se está além dele e sabe tudo melhor, então ela encontra-se no que é vão, e porque só tem efetividade no presente, ela mesma é, assim, somente vaidade. Se, ao invés, a ideia é tida por aquilo que, assim, é só uma ideia, uma representação num opinar, a filosofia, ao contrário, garante a intelecção de que nada é efetivo a não ser a Ideia. O que então importa, então, é reconhecer na aparência do temporal e do transitório a substância que é imanente, e o eterno que é presente. Com efeito, o racional, que é sinônimo da ideia, quando ele entra em sua efetividade simultaneamente na existência externa, emerge numa riqueza infinita de formas, fenômenos e configurações, e reveste o seu núcleo com uma casca multicolor, na qual a consciência inicialmente se instala, e que só o conceito transpassa, para encontrar o pulso interno e sentir igualmente o seu batimento nas configurações externas” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, prefácio, p. 24, 25).

“É tarefa da filosofia conceber o que é, pois, aquilo que é é a razão. No que concerne ao indivíduo, cada um é, de todo modo, um filho do seu tempo; do mesmo modo que a filosofia é seu tempo apreendido em pensamentos.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, prefácio, p. 26).


“Os membros de um organismo têm, de igual modo, realidade exterior, mas o conceito é a sua própria essência inerente, o qual não lhe imprime exteriormente uma forma unificadora, mas constitui, por si só, sua existência. Por isso, os membros de um organismo possuem uma realidade que não é aquela das pedras de um edifício ou das plantas, das luas, ou dos cometas no sistema planetário, mas uma existência interna do organismo idealmente posta pela ideia, inerente ao organismo, e desvinculada de toda a realidade. Uma mão amputada, por exemplo, perde sua existência independente, ela não mantém mais, como no organismo, sua vivacidade, seus movimentos, seu aspecto, sua forma etc., mudam; ela sofre até mesmo a decomposição e toda sua existência se desvanece. Ela só pode existir como membro do organismo, ela só é real quando está integrada na unidade posta pela Ideia” (Vorlesungen uber die Äslhetik, I, Werke 13, Enter Teil, p. 163-164).

“O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que alcança a sua completude mediante o seu desenvolvimento. Sobre o absoluto deve-se dizer que ele é essencialmente resultado; que somente no fim ele é o que é em verdade; e é nisto que consiste propriamente a sua natureza, de ser efetividade, sujeito ou desenvolvimento de si mesmo.” (Phänomenologie des Geistes, Werke 3, prefácio, p. 24).

“Segundo o meu modo de ver – que será justificada apenas na apresentação [Darstellung] do próprio sistema –, tudo depende disso: apreender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas também, precisamente, como sujeito.” (Phänomenologie des Geistes, Werke 3, prefácio, p. 22- 23).


“O princípio motor do conceito, enquanto ele não só dissolve as particularizações do universal, mas, também, enquanto as produz, eu chamo de dialética, – dialética, portanto, não no sentido de que ela dissolve, confunde e conduz daqui para lá e de lá para cá um ob-jeto, uma proposição, dados ao sentimento, à consciência imediata em geral, e só tem a ver com a derivação do seu contrário – uma modalidade negativa de dialética, tal como ela frequentemente aparece também em Platão... A dialética superior do conceito não consiste em produzir e apreender a determinação meramente como barreira e como contrário, mas, sim, em produzir e apreender a partir dela o conteúdo e o resultado positivos, enquanto por essa via, unicamente, a dialética é desenvolvimento e progredir imanente. Esta dialética não é, pois, um fazer externo de um pensar subjetivo, mas a alma própria do conteúdo, que organicamente faz brotar os seus ramos e os seus frutos. Para este desenvolvimento da ideia, enquanto atividade própria da sua razão, o pensar enquanto subjetivo apenas olha, sem adicionar ingrediente algum de sua parte. Considerar algo racionalmente não significa acrescentar de fora uma razão ao ob-jeto e, por este intermédio, elaborá-lo, senão que o ob-jeto é por si racional; aqui é o espírito na sua liberdade, o ápice da razão autoconsciente, que se dá efetividade e se gera como mundo existente; a ciência tem somente a tarefa de trazer à consciência esse trabalho próprio da razão da coisa.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7 § 31, anotação).

A Liberdade como essência do Espírito e a estrutura autorreferencial da liberdade como estar junto de si


“Como a substância da matéria é o peso, assim devemos dizer que a liberdade é a substância, a essência do espírito. Qualquer um tem um conhecimento imediato de que a liberdade, dentre outras características, pertence ao espírito. A filosofia, no entanto, nos ensina que todas as características do espírito só existem por meio da liberdade, todas elas são apenas meios para a liberdade, todas a procuram e a produzem. Que a liberdade seja a única verdade do espírito, isso é um conhecimento da filosofia especulativa... A matéria tem a sua substância fora de si, o espírito é o estar junto de si mesmo (Bei-sich-selbst-Sein). E isso é, precisamente, a liberdade, pois, quando sou dependente, então relaciono-me com um outro que não sou eu; eu não posso ser sem um exterior; eu sou livre quando estou junto a mim. Este estar junto de si mesmo do espírito é autoconsciência, a consciência de si próprio.” (Vorlesungen uber die Philosophie der Geschichte, Werke 12, p. 30).

“Formalmente, a essência do Espírito é, por conseguinte, a liberdade, a absoluta negatividade do conceito enquanto identidade consigo mesmo. Segundo essa determinação formal, ele pode abstrair-se de toda exterioridade e de sua própria exterioridade, do seu próprio ser-aí (Dasein), pode suportar a negação de sua imediatidade individual, sua dor infinita; isto é, nessa negatividade pode manter-se afirmativo e ser idêntico a si mesmo. Essa possibilidade é sua universalidade abstrata em si, sendo para si mesmo” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 382).


“A substância do espírito é a liberdade, isto é, não ser dependente de um outro, e referir-se a si mesmo. O espírito é ser para si, tem a si mesmo por ob-jeto (Gegenstand) como conceito efetivamente realizado. Nessa unidade, presente nele, do conceito e da objetividade consiste, ao mesmo tempo, sua verdade e sua liberdade.” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 382, adendo).

“Somente nessa liberdade a vontade está pura e simplesmente junto de si, porque ela não se relaciona a nada que não seja ela mesma, com o que, assim, desaparece dela toda relação de dependência de alguma outra coisa. Ela é verdadeira, ou melhor, ela é a própria verdade, porque seu determinar consiste em que ela seja no seu ser-aí, isto é, enquanto estando defronte a si mesma, aquilo que o seu conceito é, ou, noutros termos, porque o puro conceito tem a intuição de si mesmo por seu fim e por sua realidade.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 23).

“A liberdade está apenas lá onde não há para mim nenhum outro que não seja eu mesmo. O homem natural, determinado apenas por suas pulsões, não está junto de si: por mais caprichoso que seja, o conteúdo do seu querer e da sua intenção não é, contudo, seu próprio conteúdo, e a sua liberdade é apenas formal” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, I, Werke 8, § 23, adendo 2).

A estrutura autorreferencial da liberdade como estar junto a si no seu outro

“A liberdade do espírito, porém, não é simplesmente estar fora do outro, mas uma independência do outro conquistada junto com o outro, não chega à efetividade (Wirklichkeit)2 pela fuga perante o outro, mas pelo predomínio sobre ele. O espírito pode sair de sua universalidade abstrata que é para si, de sua relação simples para consigo mesmo; pode pôr em si mesmo uma diferença efetiva determinada, um outro como é o eu simples, portanto, um negativo: e essa relação com o outro não é simplesmente possível para o espírito, mas necessária, porque ele, mediante o outro e mediante a suspensão (Aufhebung)3 deste, chega a se afirmar como aquilo que deve ser de fato segundo o seu conceito, a saber, a idealidade do exterior, a ideia que a si retorna em seu ser-outro, ou, exprimindo de modo mais abstrato, o universal que se diferencia a si mesmo, e, na sua diferença existe em si e para si. O outro, o negativo, a contradição, a cisão pertencem assim à natureza do espírito. Nessa cisão reside a possibilidade da dor... Mesmo nessa sua cisão extrema, nesse arrancar-se pela raiz de sua natureza ética que é em si, nessa mais completa contradição consigo mesmo, o espírito permanece, pois, idêntico a si mesmo e, portanto, livre” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 382, adendo).


[2 A expressão Wirklichkeit, que Hegel emprega frequentemente nos seus escritos, é traduzida por “efetividade”, e está ligada ao verbo wirken que significa ser ativo, efetivar. A efetividade se distingue daquilo que simplesmente existe como mera realidade (Realität) contingente, que está aí, e que depende de outras categorias lógicas para afirmação da sua consistência ontológica. Já a efetividade tem poder de autoefetivação em direção à sua idealidade, momento em que algo torna-se efetivo segundo um conjunto de determinações que constituem a sua realidade (efetiva) de forma plena e acabada. 3 O substantivo Aufhebung e o verbo aufheben, amplamente empregados na filosofia hegeliana, têm um significado filosófico próprio. Na ausência de vocábulos na língua portuguesa que possam dar conta do sentido que estas expressões têm na língua alemã, e que são utilizados de uma forma original por Hegel nos seus textos, os tradutores optam por termos linguísticos alternativos nem sempre fiéis ao vocábulo original. Assim, Aufhebung é traduzido ora por “supressão”, ora por “superação”, ora por “suprassunção” e outros. Optamos pela solução proposta por Marcos L. Muller, na sua tradução para o português das Linhas fundamentais da filosofia do direito. Segundo Muller, Aufheben é um termo polissêmico e tem três sentidos principais: 1) elevar; levantar(-se), erguer(-se); 2) suprimir, pôr fim, anular, abolir, abrogar, revogar, cancelar; compensar-se; 3) guardar, conservar, guardar e entregar em custódia.. Ainda segundo Muller, “dentro do espírito hegeliano de encontrar nos termos da linguagem corrente o seu potencial semântico especulativo..., a palavra da língua portuguesa usual que, analogamente, melhor reproduz o tríplice sentido especulativo do auheben é suspender. Além do significado de pendurar, aqui não pertinente, suspender adquire em alguns contextos o significado de erguer, levantar, noutros, o de cancelar, anular, fazer cessar, e no sentido químico, remete também ao significado de conservar, como no caso de uma mistura líquida de dois elementos de densidade diferente e que se repelem, em que o menos denso se separa e flutua na solução líquida, dizendo-se que ele se suspende. A suspensão do azeite na água, por exemplo, remete, no caso, tanto à elevação quanto à conservação do elemento denso menos composto... Como em muitos contextos de ocorrência de aufheben o sentido negativo é o predominante, senão, às vezes, o exclusivo, utilizar-se-á, neste caso, suprimir, e nos contextos em que a plena polissemia é evocada, suspender.” (MULLER, M.L. Introdução à Filosofia do Direito. Clássicos da Filosofia: Cadernos de Tradução[IFCH/UNICAMP], Campinas, n. 9, 2003, nota 25, p. 89-90).]


“Assim, o espírito está inteiramente junto de si e, portanto, livre, pois a liberdade consiste justamente em estar junto de si mesmo no seu outro, em depender de si, em ser a atividade determinante de si mesmo. Em todas as pulsões eu parto de um outro, de algo que é para mim exterior. Aqui, nós falamos então de dependência.” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, I, Werke 8, § 23, adendo 2).

“Somente assim se realiza a verdadeira liberdade; pois, uma vez que ela consiste na minha identidade com o outro, então, eu somente sou verdadeiramente livre quando o outro é, também, livre e é reconhecido por mim como livre.” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 431, adendo).

“[...] a comunidade da pessoa com o outro deve essencialmente ser considerada não como uma limitação da verdadeira liberdade do indivíduo, mas como o seu prolongamento [...] Se a comunidade dos seres racionais fosse essencialmente a limitação da verdadeira liberdade, ela seria em si e para si a suprema tirania.” (Differenz des Fichteschen und Schllingschen Systems der Philosophie – 1801. In: Hegel Jenaer Schriften. 1801-1807, Werke 2, p. 82). “O universal é, por conseguinte, a potência livre (freie Macht); ele é ele mesmo e sobre-agarra (greift uber) seu outro, não como algo de violento, mas antes, nesse mesmo ”outro”, está em repouso e no seu próprio elemento” (Wissenschaft der Logik, Werke 6, p. 277).


A liberdade da vontade, os seus elementos conceituais (universalidade, particularidade e singularidade) e a liberdade subjetiva


“A melhor maneira de explicar-se a liberdade da vontade é por uma referência à natureza física. É que a liberdade é uma determinação fundamental da vontade, do mesmo modo como o ser-pesado o é dos corpos. Quando se diz que a matéria é pesada, poder-se-ia crer que esse predicado seja apenas acidental; ele, porém, não o é, pois a matéria nada é sem peso; esta é, antes, o próprio ser-pesado. O ser-pesado constitui e corpo e é o corpo. O mesmo se passa com a liberdade e com a vontade, pois o [ser] livre é a vontade. Vontade sem liberdade é uma palavra vazia, assim como a liberdade só é efetiva enquanto vontade, enquanto sujeito.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 4, adendo).


“O que chamamos propriamente de vontade contém os dois momentos precedentes [universalidade abstrata e particularidade] dentro de si. O eu é, enquanto tal, antes de tudo, atividade pura, o universal que está junto de si (bei sich); mas este universal determina-se e, nesta medida ele não está mais junto de si, mas põe-se como um outro e cessa de ser universal. O terceiro momento consiste em que o eu na sua restrição, nesse outro, está junto de si mesmo, e, ao se determinar, permanece junto de si e não cessa de reter firmemente o universal: este é, então, o conceito concreto da liberdade, ao passo que os dois momentos precedentes foram havidos como abstratos e unilaterais. Já temos esta liberdade na forma do sentimento, por exemplo, na amizade e no amor. Neles não se está mais unilateralmente dentro de si, mas cada um [dos relatos] se restringe, de bom grado, em relação a um outro e sabe-se como si mesmo nessa restrição. Na determinidade o homem não deve sentir-se determinado, mas ao considerar o outro enquanto outro, ele somente nisso tem o sentimento próprio de si. A liberdade não reside, portanto, nem na indeterminidade, nem na determinidade, senão que ela é ambas. A vontade que se restringe apenas a um isto é própria do teimoso, que presume não ser livre se ele não tem esta vontade. A vontade, contudo, não está ligada a um conteúdo restrito, mas tem de ir mais além, pois a natureza da vontade não é esta unilateralidade e esta vinculação, ao contrário, a liberdade consiste em querer algo determinado, porém, nessa determinidade, em estar junto de si e retornar novamente ao universal.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 7, adendo).


“O fato de que este momento da particularidade do agente está contido e seja plenamente realizado na ação constitui a liberdade subjetiva em sua determinação mais concreta, o direito do sujeito de encontrar sua satisfação na ação.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 121).


“A pergunta pela autodeterminação da vontade, bem como seus móbeis e seus propósitos, sobrevém no campo moral. O valor do homem é apreciado pela sua ação interior; o ponto de vista moral é, portanto, a liberdade sendo para si.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 106, adendo).

“A vontade, que é vontade apenas segundo o conceito, é livre em si, mas também, ao mesmo tempo, não-livre, pois ela só seria verdadeiramente livre enquanto conteúdo verdadeiramente determinado; então ela é livre para si, tem a liberdade por objeto, é a liberdade. O que é somente segundo o seu conceito, o que é meramente em si, é só imediato, só natural. Isso é também notório na representação. A criança é homem em si, tem a razão só em si, é só possibilidade de razão e da liberdade, e, assim, é livre somente segundo o conceito. Mas o que é somente em si, não está em sua efetividade. O homem que é racional em si tem que, pela produção de si mesmo, trabalhar-se plenamente saindo de si, mas, igualmente, cultivando-se interiormente, a fim de que ele seja racional também para si.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 10, adendo).

“Como ser vivo o homem pode certamente ser subjugado, isto é, o seu lado físico e qualquer lado exterior seu pode ser submetido à violência de outros, porém a vontade livre não pode, em si e por si, ser coagida (§ 5), a não ser na medida em que ela não se retira a si mesma da exterioridade na qual ela é retida, ou da representação desta (§ 7). Somente pode ser coagido a algo aquele que quer se deixar coagir.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 91).

A liberdade subjetiva como princípio do mundo moderno e a sua presença na sociedade civil


“Constitui uma grande obstinação que honra ao homem, a de não querer reconhecer na sua disposição de ânimo nada que não tenha sido justificado pelo pensamento. Esta obstinação constitui o traço característico dos Novos Tempos e, ademais, o princípio próprio do protestantismo.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, prefácio, p. 27 ).

“Kant foi quem começou a fundar o direito sobre a liberdade. Também Fichte faz da liberdade princípio no seu direito natural; porém, é a liberdade sob a forma do indivíduo singular, como em Rousseau” (Vorlesungen uber die Geschichte der Philosophie, III, Werke 20, p. 413).

“Essa liberdade subjetiva ou moral é, principalmente, aquela se chama de liberdade, no sentido europeu. Em virtude do direito dessa liberdade, o homem deve possuir, propriamente, um conhecimento da diferença entre o bem e o mal em geral; as determinações éticas bem como as religiosas, não devem ser seguidas por ele apenas como leis e prescrições exteriores de uma autoridade, mas devem, também, ter em seu coração disposição, consciência, discernimento etc., o seu consentimento, reconhecimento ou mesmo sua fundamentação. A subjetividade da vontade tem nela mesma seu próprio fim, momento absolutamente essencial.” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 503, anotação).

“Este princípio de liberdade subjetiva surge posteriormente; é o princípio da época moderna desenvolvida, que aparece também no mundo grego, mas como princípio de corrupção do Estado grego... Nos estados modernos rege a liberdade de consciência que cada indivíduo pode exigir para poder dedicar-se aos seus interesses.” (Vorlesungen uber die Geschichte der Philosophie II, Werke 19, p. 114).

“O direito da particularidade do sujeito de encontrar sua satisfação ou, o que é o mesmo, o direito da liberdade subjetiva constitui o ponto de inflexão e central na diferença entre a Antiguidade e a época moderna.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7 § 124, anotação).


“Já faz bem um milênio e meio que a liberdade da pessoa começou a florescer graças ao cristianismo e se tornou princípio universal entre uma parte, de resto pequena, do gênero humano. Mas só ontem, por assim dizer, a liberdade da propriedade foi reconhecida como princípio, aqui e ali.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7 § 62, anotação).


“O desenvolvimento subsistente por si da particularidade (cf. § 124 Anot.) mostra-se, nos Estado antigos, como o momento em que irrompe a corrupção dos costumes e como o fundamento último do declínio destes. Esses Estados, construídos seja sobre o princípio patriarcal e religioso, seja sobre o princípio de uma eticidade mais espiritual, porém mais simples, – em geral sobre uma intuição natural originária, – não podiam suportar dentro de si a cisão dessa intuição e a reflexão infinita da autoconsciência dentro de si, e assim,] sucumbiram a essa reflexão quando ela começou a se salientar, primeiro na disposição de ânimo e, depois, na realidade efetiva, porque faltava ao princípio ainda simples desses Estados a força verdadeiramente infinita, que reside unicamente naquela unidade que deixa a oposição da razão divergir em todo o seu vigor e que a dominou, unidade que, portanto, se mantém nessa oposição e a mantém coesa dentro de si.... O princípio da personalidade infinita dentro de si, subsistente por si, do singular, o princípio da liberdade subjetiva, que despontou interiormente na religião cristã, e exteriormente, ligado por conseguinte à universalidade abstrata, no mundo romano, não acede ao seu direito nessa forma somente substancial do espírito real efetivo. Esse princípio é historicamente posterior ao mundo grego, e a reflexão filosófica, que desce até esta profundidade, é igualmente posterior à ideia substancial da filosofia grega.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 185, anotação).


“O momento particularmente essencial de nossa época é aquele, no qual os homens não são mais conduzidos a algo pela autoridade e pela confiança; mas apenas pelo próprio entendimento, mas eles desejam consagrar e engajar a sua atividade em uma coisa apenas pelo seu próprio entendimento, convicção e opinião independentes.” (Vorlesungen uber die Philosophie der Geschichte, Werke 12, p. 30).


“O princípio do mundo moderno em geral é a liberdade da subjetividade, ele está em que todos os lados essenciais que existem na totalidade espiritual, em chegando ao seu direito, se desenvolvam. Partindo desse ponto de vista, mal se pode levantar a questão ociosa de saber qual forma seja a melhor, se a monarquia ou a democracia. Só é legítimo dizer que as formas de todas as constituições políticas que não conseguem suportar dentro de si o princípio da livre subjetividade e que não sabem corresponder à razão plenamente formada são unilaterais.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 273, adendo).


“A liberdade civil [burguesa – burgerlich] é, com efeito, a privação do universal, princípio do isolamento. Mas esta liberdade (para bourgeois e citoyen não temos duas palavras) constitui um momento necessário que os antigos estados não conheciam e nem mesmo esta completa independência das partes, mas tinham, justamente, uma maior independência do todo a vida orgânica superior.” (Vorlesungen uber die Geschichte der Philosophie, II, Werke 19, p. 228).


A mediação do reconhecimento na reciprocidade das autoconsciências na constituição da autoconsciência universal da eticidade

“A autoconsciência alcança sua satisfação somente em outra autoconsciência.” (Phänomenologie des Geistes, Werke 3, p. 144).

“A autoconsciência é em si e para si quando e porque é em si e para si para uma outra consciência de si; quer dizer, ela só é enquanto um ser reconhecido.” (Phänomenologie des Geistes, Werke 3, p. 145).

“A autoconsciência universal é o saber afirmativo de si mesmo em um outro si mesmo, cada um deles, como individualidade livre, tem absoluta independência; porém, em virtude da negação da sua imediatidade ou apetite, um não se distingue do outro; é [autoconsciência] universal e objetiva e tem, assim, a real universalidade como reciprocidade; de modo que se sabe reconhecido em um outro indivíduo livre, e o sabe enquanto reconhece o outro e o sabe livre. Este reaparecer universal da autoconsciência, o conceito que se sabe em sua objetividade como subjetividade idêntica consigo e, portanto, universal, é a forma de consciência própria à substância de toda espiritualidade essencial da família, da pátria, do Estado, como de todas as virtudes do amor, da amizade, do valor, da honra, da glória.” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 436).

A crítica ao jusnaturalismo


“A expressão direito natural, que chegou a ser costumeira na doutrina filosófica do direito, contém o ambiguidade se o direito existe de modo natural imediato ou se ele se determina pela natureza da coisa, isto é, pelo conceito. O primeiro sentido é aquele que foi visto outrora: do mesmo modo que, ao mesmo tempo, foi inventado um estado de natureza, no qual devia valer o direito natural, e diante do qual a condição da sociedade e do Estado parecia exigir e levar consigo uma limitação da liberdade e um sacrifício dos direitos naturais. Porém, em realidade, o direito e todas as suas determinações fundam-se somente na livre personalidade: uma autodeterminação que é o contrário da determinação natural. O direito da natureza é, portanto, o ser-aí da força, a prevalência da violência; e um estado de natureza é um estado da brutalidade e da injustiça, do qual nada mais verdadeiro se pode dizer que é preciso sair dele. A sociedade, ao contrário, é, antes, a condição na qual o direito tem somente a sua realidade efetiva; o que é preciso limitar e sacrificar é, justamente, o arbítrio e a violência do estado de natureza.” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 502, anotação)

O desenvolvimento tripartite da Ideia da vontade livre como base para a divisão da obra linhas fundamentais da filosofia do direito

“Segundo o andamento gradual do desenvolvimento da ideia da vontade livre em si e para si, a vontade é:


A. imediata; seu conceito [é], por isso, abstrato, a personalidade, e o seu ser-aí [é] uma coisa exterior imediata; – a esfera do direito abstrato ou formal;

B. a vontade refletida (a)dentro de si a partir do ser-aí externo, determinada como singularidade subjetiva em face do universal; – este [sendo] em parte como algo interno, o bem, em parte como algo externo, um mundo aí-presente, e esses dois lados da ideia [sendo] somente enquanto mediados um pelo outro; a ideia na sua cisão ou na sua existência particular, o direito da vontade subjetiva em relação ao direito do mundo e ao direito da Ideia, mas da ideia sendo somente em si, a esfera da moralidade;

C. a unidade e a verdade desses dois momentos abstratos, – a ideia pensada do bem, realizada na vontade refletida (a) dentro de si e no mundo exterior; - de sorte que a liberdade, enquanto substância, existe tanto como efetividade e necessidade quanto como vontade subjetiva, – a ideia na sua existência universal em si e para si; a eticidade.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 33).


“Ao falarmos, aqui, do Direito não aludimos meramente ao direito civil, ao que se entende usualmente por direito, mas à moralidade e à eticidade, e à história do mundo, que igualmente pertencem a essa esfera, porque o conceito reúne os pensamentos segundo a verdade. A vontade livre, para não permanecer abstrata, tem de, primeiramente, dar-se um ser-aí, e o primeiro material sensível desse ser-aí são as Coisas, isto é, as coisas externas. Este primeiro modo da liberdade é o modo que devemos conhecer como propriedade, a esfera do direito formal e abstrato, à qual não pertence menos a propriedade na sua figura mediada, enquanto contrato, do que o direito em sua lesão enquanto crime e pena. A liberdade que temos aqui é o que denominamos pessoa, quer dizer, o sujeito que é livre para si, e que se dá um ser-aí nas Coisas. Esta mera imediatez do ser-aí, porém, não é adequada à liberdade, e a negação dessa determinação é a esfera da moralidade. Eu sou livre não mais simplesmente nesta Coisa imediata, mas o sou, também, na imediatez suspensa, quer dizer, eu sou em si mesmo, no [que] é subjetivo. Nesta esfera o que importa é o meu discernimento e a minha intenção, e o meu fim, ao passo que a exterioridade é posta como indiferente. O bem, que é aqui o fim universal, não deve entretanto permanecer meramente no meu interior, mas deve realizar-se. Pois a vontade subjetiva exige que o seu interior, isto é, o seu fim, receba um ser-aí externo, que, portanto, o bem deva ser consumado na existência exterior. A moralidade, tal como momento anterior do direito formal, uma e o outro são abstrações, cuja verdade é somente a eticidade. A eticidade é, assim, a unidade da vontade no seu conceito e da vontade do singular, quer dizer, do sujeito. Seu primeiro ser-aí, novamente, é algo natural, na forma do amor e do sentimento: a família; o indivíduo suspendeu aí a sua rigidez de personalidade e encontra-se com a sua consciência num todo. Mas no degrau ou estágio seguinte, vê-se a perda da eticidade propriamente dita e da unidade substancial: a família desagrega-se, e os seus membros relacionam-se uns com os outros enquanto subsistentes por si, visto que somente o vínculo da carência recíproca os entrelaça. Este estágio, o da sociedade civil, foi frequentemente encarado como sendo o Estado. Mas o Estado é só o terceiro, a eticidade e o espírito, no qual ocorre a prodigiosa união da subsistência por si da individualidade e da substancialidade universal. O direito do Estado é, por isso, superior ao [direito] dos outros degraus ou estágios: ele é a liberdade em sua configuração mais concreta, que só se subordina, ainda, à suprema verdade absoluta do espírito do mundo.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 33, adendo).

“O solo do Direito é, em geral, o [elemento] espiritual e o seu lugar mais próximo e ponto de partida [é] a vontade que é livre, assim que a liberdade constitui a sua substância e a sua destinação, e que o sistema do direito é o reino da liberdade efetivada (verwirklichten Freiheit), o mundo do espírito produzido a partir do próprio espírito como uma segunda natureza.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 4).


A articulação da liberdade subjetiva na objetividade da vontade universal da eticidade


“A unilateralidade do espírito subjetivo é a determinação de si próprio – de modo igualmente abstrato – em oposição ao universal, em sua singularidade interior. Superadas essas unilateralidades, a liberdade subjetiva é, assim, como vontade universal racional em si e para si, a qual tem na consciência da subjetividade singular seu saber de si e sua disposição (Gesinnung) subjetiva, bem como ela tem, ao mesmo tempo, sua atuação e sua realidade efetiva universal imediata como costume (Sitte), a liberdade autoconsciente tornada natureza.” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 513).

“A eticidade (Sittlichkeit) é a consumação do espírito objetivo, a verdade do próprio espírito objetivo e subjetivo. A unilateralidade do espírito objetivo é ter, em parte, a sua liberdade [de forma] imediata na realidade, portanto, na exterioridade – a coisa; em parte, no bem como uma universalidade abstrata. A unilateralidade do espírito subjetivo consiste na autodeterminação interior, de igual modo abstrata, em oposição à universalidade da sua individualidade. Uma vez superadas essas unilateralidades, a liberdade subjetiva é, assim, como vontade universal racional em si e para si, a qual tem na consciência da subjetividade singular seu saber de si e sua disposição (Gesinnung) subjetiva, assim como ela tem, ao mesmo tempo, sua atuação e sua efetividade universal imediata como costume (Sitte), a liberdade autoconsciente que se tornou natureza.” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 513).


“A eticidade é a ideia da liberdade enquanto [sendo] o bem vivo,o qual tem na autoconsciência o seu saber e o seu querer, e, mediante o seu agir, a sua realidade efetiva, assim como este agir tem no ser ético a sua base sendo em si e para si e o seu fim motor, – o conceito de liberdade tornado mundo existente e natureza da autoconsciência” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 142).


“Moralidade e eticidade, que habitualmente quase se equivalem como sinônimos, são tomados, aqui, em sentido essencialmente diverso. Entrementes, mesmo a representação parece distingui-los; a linguagem kantiana serve-se, de preferência, da expressão moralidade, pois os princípios práticos desta filosofia restringem-se inteiramente a esse conceito, tornam, até, impossível o ponto de vista da eticidade, e, mesmo, expressamente a aniquilam e lhe resistem. Mesmo que moralidade e eticidade fossem, segundo a sua etimologia, sinônimos, isto não obstaria a que se usasse essas palavras, uma vez que diversas, para conceitos diversos.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7 § 33, anotação).


O indivíduo na esfera da família e a sua subsunção na sociedade civil

“Num primeiro momento a família é o todo substancial ao qual compete a prevenção deste lado particular do indivíduo, tanto no que diz respeito aos meios e habilidades para poder adquirir para si [algo] da riqueza patrimonial universal, como também no que diz respeito à sua subsistência e ao seu provimento no caso de incapacidade interveniente. A sociedade civil arranca, porém, o indivíduo desse laço familiar, torna os membros da família estranhos uns aos outros e os reconhece como pessoas subsistentes por si; além disso, ela substitui a natureza orgânica externa e o solo paterno, no qual o singular tinha a sua subsistência, pelo seu [próprio] solo e submete o subsistir de toda a família à dependência da sociedade, à contingência. Assim, o indivíduo tornou-se filho da sociedade civil, que tanto tem pretensões em relação a ela, quanto ele tem direitos em relação a ela.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 238).

“A família, enquanto substancialidade imediata do espírito, tem como sua determinação a unidade sob a forma do sentimento (empfindende Einheit), o amor, de sorte que a disposição de ânimo (Gesinnung) é de ter a autoconsciência de sua individualidade nesta unidade, enquanto essencialidade em si e para si, a fim de existir nela como membro e não como uma pessoa para si.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 158)


O significado da sociedade civil – da particularidade e da liberdade subjetiva nesta sociedade – e as suas limitações e contradições


“A sociedade civil é a diferença que intervém entre a família e o Estado, embora a sua formação plena ocorra mais tarde do que a do Estado, pois, como diferença, ela pressupõe o Estado, que ela, para existir, tem de ter diante de si como algo subsistente por si. A criação da sociedade civil pertence, de resto, ao mundo moderno, que, pela primeira vez, faz justiça a todas as determinações da Ideia. Se o Estado é representado como uma unidade de pessoas diversas, como uma unidade que é somente serem- comum, então só se visa com isso a determinação da sociedade civil. Muitos teóricos modernos do Estado não puderam alcançar nenhuma outra maneira de ver o Estado. Na sociedade civil cada um é fim para si, e tudo o mais nada é para ele. Mas sem relação aos outros ele não pode atingir a amplitude dos seus fins; esses outros são, por isso, meios para o fim do particular. Porém, pela sua relação aos outros, o fim particular se dá a forma da universalidade e se satisfaz enquanto, ao mesmo tempo, satisfaz conjuntamente o bem-próprio de outrem.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 182, adendo).

“A pessoa concreta, que como particular é fim para si, enquanto ela é um todo de carências e uma mistura de necessidade natural e de arbítrio, é um princípio da sociedade civil, – mas a pessoa particular, enquanto ela está essencialmente em relação a outra tal particularidade, assim que cada uma se faça valer e se satisfaça mediada pela outra e, ao mesmo tempo, pura e simplesmente só enquanto mediada pela forma da universalidade, é o outro princípio.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts,Werke 7, § 182).

“Mantida, porém, pela ordem objetiva, em conformidade com ela e, ao mesmo tempo, no seu direito, a particularidade subjetiva torna-se o princípio de toda a animação da sociedade civil-burguesa, do desenvolvimento da atividade pensante, do mérito e da honra. O reconhecimento e o direito de que aquilo que na sociedade-civil e no Estado é necessário pela razão simultaneamente aconteça pela mediação do arbítrio é uma determinação mais precisa daquilo que, nomeadamente na representação geral, chama-se liberdade (§ 121).” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, §206, anotação).

“No direito o objeto é a pessoa, no ponto de vista moral é o sujeito, na família é o membro da família, na sociedade civil em geral é o cidadão (como bourgeois) – aqui, do ponto de vista das carências (cf. § 123 Anot.), é o concreto da representação, o que se chama homem; portanto, é pela primeira vez aqui e só aqui que se fala do homem nesse sentido.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 190, anotação).


“Tal como na sociedade civil o direito em si se torna lei, assim também o ser-aí imediato e abstrato do meu direito singular passa à significação do ser-reconhecido enquanto um ser-aí [baseado] no saber e no querer universais existentes. Por isso, as aquisições e as ações relativas à propriedade tem de ser empreendidas e revestidas com a forma que lhes dá esse ser-aí. Agora, [na sociedade civil] a propriedade repousa sobre o contrato e sobre as formalidades que a tornam suscetível de prova e lhe dão força jurídica.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 217).


“A particularidade para si, enquanto ela é, por um lado, a satisfação, se expandindo para todos os lados, das suas carências, do arbítrio contingente e do capricho subjetivo, destrói nas suas fruições a si mesma e o seu conceito substancial; por outro lado, enquanto infinitamente excitada e em completa dependência da contingência externa e do arbítrio, assim como restringida pelo poder da universalidade, a satisfação da carência, seja ela necessária, seja ela contingente, é [ela própria] contingente. A sociedade civil oferece, nestas oposições e no seu emaranhamento, o espetáculo simultâneo da extravagância, da miséria e da corrupção física e moral comum a ambas.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 185).

A conciliação entre a liberdade subjetiva e a liberdade objetiva no valor ético-político superior do Estado

“O homem tem uma existência conforme a razão somente no Estado. O fim de toda educação é a de que o indivíduo não permaneça como um ser subjetivo, mas que ele se torne objetivo no Estado. Um indivíduo pode muito bem fazer do Estado um meio para alcançar isto ou aquilo. Mas o verdadeiro é que cada um queira a coisa mesma e elimine o que é inessencial. Tudo o que o homem é ele o deve ao Estado; é somente nele que o homem tem a sua essência. Todo o valor que o homem possui, toda efetividade espiritual, ele somente as possui pelo Estado... Somente assim ele é consciência, somente assim ele está no costume ético; da vida jurídica e ética do Estado. Porque o verdadeiro é a unidade da vontade universal e da vontade subjetiva, e o universal está no Estado, nas leis, nas determinações universais e racionais... O Estado é a vida ética efetiva e existente, pois ele é a unidade do querer universal e essencial e do querer subjetivo, e esta unidade constitui a vida ética. O indivíduo que vive numa tal unidade tem uma vida ética e um valor que consiste apenas nesta substancialidade.” (Die Vernunft in der Geschichte. Ed. J. Hoffmeister, Hamburg: Felix Meiner, 1955, p. 111-112)

“O Estado é a substância ética autoconsciente, a união do princípio da família e da sociedade civil-burguesa; a mesma unidade, que na família é como sentimento do amor, constitui a sua essência, a qual, porém, ao mesmo tempo, mediante o segundo princípio do querer que sabe e é ativo a partir de si, recebe a forma da universalidade que se sabe. Esta unidade tem (...) por conteúdo e fim absoluto a subjetividade ciente de si, isto é, que quer para si este racional.” (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, III, Werke 10, § 535).

“Se o Estado é confundido com a sociedade civil e se a sua determinação é posta na segurança e na proteção da propriedade e da liberdade pessoal, então o interesse dos singulares enquanto tais é o último fim em vista do qual eles estão unidos, e daí segue-se, igualmente, que depende do bel-prazer ser membro do Estado. – Mas o Estado tem uma relação inteiramente diferente ao indivíduo; como o Estado é espírito objetivo, o indivíduo só tem objetividade, verdade e eticidade enquanto ele é membro do Estado. A união como tal, ela própria, é o verdadeiro conteúdo e fim, e a destinação dos indivíduos é levar uma vida universal; a sua ulterior satisfação particular, a sua atividade e as suas modalidades de comportamento têm esse [elemento] substancial e universalmente válido por ponto de partida e por resultado. – Considerada abstratamente, a racionalidade consiste, em geral, na unidade em que se interpenetram a universalidade e a singularidade e aqui, concretamente, segundo o conteúdo, na unidade da liberdade objetiva, isto é, da vontade substancial universal, e da liberdade subjetiva enquanto liberdade do saber individual e da vontade que busca os seus fins particulares – e, por isso, segundo a forma, [consiste] num agir que se determina segundo leis e princípios pensados, isto é, universais.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 258, anotação.)


“No Estado tudo depende da unidade da universalidade e da particularidade. Nos Estados antigos o fim subjetivo era absolutamente uma coisa só com o querer do Estado; nos Tempos Modernos, ao contrário, exigimos uma maneira de ver própria, um querer e uma consciência moral que nos sejam próprios. Os antigos, neste sentido, não tinham nada disto; a vontade do Estado era para eles a última instância... O Estado confere às determinações da vontade individual um ser-aí objetivo e só por meio dele elas alcançam a sua verdade e a sua realização efetiva. O Estado é a condição única da consecução do fim e do bem-próprio particulares.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 261, adendo).


“O Estado é a efetividade da liberdade concreta; ora a liberdade concreta consiste em que a singularidade pessoal e os seus interesses particulares tanto tenham o seu desenvolvimento completo e o reconhecimento do seu direito para si (no sistema da família e da sociedade civil), quanto, em parte passem por si mesmos ao interesse do universal, em parte reconheçam- no, com saber e vontade, como o seu espírito substancial, e sejam ativos a favor do universal como seu fim-último, e isso de tal maneira que nem o universal valha e possa ser consumado sem o interesse, o saber e o querer particulares, nem os indivíduos vivam apenas para estes como pessoas privadas, sem querê-los, simultaneamente, no universal e para o universal e sem que tenham uma atuação consciente desse fim. O princípio dos Estados modernos tem este vigor e esta profundidade prodigiosos de deixar o princípio da subjetividade plenificar-se até o extremo subsistente por si da particularidade pessoal e, ao mesmo tempo, de reconduzi- lo à unidade substancial, e, assim, de manter essa unidade substancial nesse próprio princípio da subjetividade.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 260).


“O Estado é a efetividade da ideia ética, – o espírito ético enquanto vontade substancial, clara a si mesma, manifesta, que se pensa e se sabe e realiza plenamente o que ela sabe e na medida em que o sabe. No costume ele tem a sua existência imediata e na autoconsciência do singular, no saber e na atividade do mesmo, a sua existência mediada, assim como essa autoconsciência do singular, através da [sua] disposição de ânimo, tem no Estado, como sua essência, fim e produto da sua atividade, a sua liberdade substancial.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 257).


“O Estado, enquanto efetividade da vontade substancial, efetividade que ela tem na autoconsciência particular erguida à universalidade do Estado, é o racional em si e por si. Esta unidade substancial é auto-fim imoto, absoluto, no qual a liberdade chega ao seu supremo direito, assim como este fim-último tem o direito supremo em face dos singulares, cujo dever supremo é o de ser membro do Estado.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 258).


“O Estado, enquanto [elemento] ético, enquanto interpenetração do substancial e do particular, implica que a minha obrigação para com o substancial seja, simultaneamente, o ser-aí da minha liberdade particular, isto é, que, nele, obrigação e direito estejam unidos numa e mesma relação.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 261, anotação).

“No Estado tudo depende da unidade da universalidade e da particularidade. Nos Estados antigos o fim subjetivo era absolutamente uma só coisa com o querer do Estado; nos Tempos Modernos, ao contrário, exigimos uma maneira de ver própria, um querer e uma consciência moral que nos sejam próprios. Os antigos, neste sentido, não tinham nada disso; a vontade do Estado era para eles a última instância. Enquanto que nos despotismos asiáticos o indivíduo não tem nenhuma interioridade e nenhuma legitimação em si mesmo, o homem moderno quer ser respeitado na sua interioridade. A ligação entre dever e direito tem esta dupla face, de sorte que o que o Estado exige como dever é, também, imediatamente, o direito da individualidade, visto que eles nada são senão a organização do conceito de liberdade. O Estado confere às determinações da vontade individual um ser-aí objetivo e só por meio dele elas alcançam a sua verdade e a sua efetivação. O Estado é a condição única da consecução do fim e do bem-próprio particulares.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 261, adendo).


“O Estado é efetivo e a sua efetividade consiste em que o interesse do todo se realize nos fins particulares. Efetividade é, sempre, a unidade da universalidade e da particularidade, a explicação e desdobramento (Auseinandergelegtsein) do universal na particularidade, que aparece como uma particularidade subsistente por si, embora ela seja somente enquanto sustentada pelo todo e nele mantida. Enquanto essa unidade não estiver presente, algo não é efetivo, ainda que seja legítimo supor a [sua] existência. Um mau Estado é um Estado que meramente existe; um corpo doente também existe, mas ele não tem nenhuma realidade verdadeira. Uma mão que está decepada também parece ainda com uma mão e existe, sem ser, contudo, efetiva: o que é efetivo é em si mesmo necessário. A necessidade consiste em que o todo esteja dividido nas diferenças do conceito e que esse momento dividido forneça uma determinidade sólida e duradoura, que não é rígida como a morte, mas que se engendra continuamente na [sua] dissolução. Ao Estado acabado pertence essencialmente a consciência, o pensamento; o Estado sabe por isso o que ele quer, e o sabe enquanto algo pensado.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 270, adendo).


“Uma vez que o espírito só é efetivo enquanto aquilo que ele sabe de si, e o Estado, enquanto espírito de um povo, é simultaneamente a lei que penetra e perpassa todas as situações desse povo, os costumes e a consciência dos seus indivíduos, segue-se que a constituição de um povo determinado depende, em geral, da maneira de ser e da formação da autoconsciência do mesmo; nesta autoconsciência reside a liberdade subjetiva desse povo e, portanto, a efetividade da constituição.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 274).

“A essência do Estado moderno está em que o universal esteja ligado com a plena liberdade da particularidade e com a prosperidade dos indivíduos, em que, portanto, o interesse da família e da sociedade civil tem de se concentrar e convergir para o Estado, mas em que [também] a universalidade do fim não pode progredir sem o saber e o querer próprios da particularidade, que deve reter o seu direito. O universal, por conseguinte, tem de ser ativado, mas, por outro lado, a subjetividade tem de ser inteiramente e vivamente desenvolvida. Somente pelo fato de que ambos momentos subsistem no seu vigor é que o Estado pode ser encarado como um Estado articulado e verdadeiramente organizado.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 260, adendo).


“Em face das esferas do direito privado e do bem-próprio privado, da família e da sociedade civil, o Estado é, por um lado, uma necessidade exterior e a potência superior a elas, a cuja natureza estão subordinadas as leis bem como os interesses dessas esferas e de cuja natureza dependem; mas, por outro lado, ele é o fim imanente dessas esferas, e tem o seu vigor na unidade do seu fim-último universal e do interesse particular dos indivíduos, em que os indivíduos têm deveres para com ele na medida em que, ao mesmo tempo, têm direitos em face dele.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 261).


“Visto que o espírito só é efetivamente real enquanto é aquilo que ele sabe de si, e o Estado, como espírito de um povo, é simultaneamente a lei que penetra e perpassa todas as relações desse povo, os costumes e a consciência dos indivíduos, segue-se que a constituição de um povo determinado depende, em geral, da maneira de ser e da formação da autoconsciência do mesmo; nesta autoconsciência reside a liberdade subjetiva desse povo e, portanto, a realidade efetiva da constituição.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 274).

“O Estado não é, de maneira nenhuma, um contrato (veja-se § 75), nem a sua essência substancial é tão incondicionadamente a proteção e a garantia da vida e da propriedade dos indivíduos enquanto singulares, ao contrário, ele é uma instância superior, que reclama essa vida e essa propriedade, e exige o seu sacrifício.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 100, anotação).

“O direito dos indivíduos à sua destinação subjetiva para a liberdade tem o seu cumprimento no fato de que eles pertencem à efetividade ética, enquanto a certeza da sua liberdade tem a sua verdade em tal objetividade e enquanto eles efetivamente possuem no elemento ético a sua própria essência, a sua universalidade interna.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 153).

“Faz parte da formação, do pensar enquanto consciência do singular na forma da universalidade, que eu seja apreendido como pessoa universal, no que todos são idênticos. O homem vale, portanto, porque ele é homem, e não porque seja judeu, católico, protestante, alemão, italiano etc. Essa consciência, para a qual o pensamento vale, é de uma importância infinita, – ela só é defeituosa, quando, por exemplo, no sentido do cosmopolitismo, ela se fixa em defrontar com a vida concreta do Estado.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 209, anotação).


“A essencial disposição de espírito dos cidadãos em relação ao Estado e ao seu governo não é nem de obediência cega às suas ordens, nem de um assentimento individual que cada um deveria dar às disposições e regras instituídas no seio do estado, mas uma confiança e uma obediência esclarecida.” (Nurnberger und Heidelberger Schriften. 1808-1817, Werke 4, Propädeutik, § 196).

“A opinião pública é o modo inorgânico como se dá a conhecer aquilo que um povo quer e opina. O que efetivamente se faz valer no Estado tem de sem dúvida tornar-se ativo de um modo orgânico, e isso ocorre na constituição. Mas, em todos os tempos, a opinião pública foi um grande poder e o é particularmente no nosso tempo, em que o princípio da liberdade subjetiva tem esta importância e esta significação. O que atualmente deve valer, não vale mais pela força, menos pelo hábito e pelo costume, mas sim pelo discernimento e por razões.” (Grundlinien der Philosophie des Rechts, Werke 7, § 316, adendo).


filoparanavai 2011

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