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FILOPARANAVAÍ

domingo, 17 de março de 2019

AS DIFERENÇAS ENTRE SENSO COMUM E SENSO CRÍTICO

Jamais confunda Senso Comum com Senso crítico. Não são a mesma coisa! 

O Senso Comum é uma forma de Conhecimento, assim como são as outras formas de saberes: Artes, Religioso, Mito, Filosófico e Científico. São essas formas de conhecimentos construídas pelo Homem ao longo de sua história evolutiva que nos possibilitam ler, elaborar, interpretar e responder os problemas oriundos de nossas realidades. 

Vou deter-me apenas no Senso Comum para fazer  as devidas reflexões sobre suas relações com o Senso Crítico. 

O Senso comum ou ainda conhecido também como conhecimento popular, vulgar e/ou ordinário, é a compreensão do mundo resultante da herança de saberes práticos construídos a partir de experiências acumuladas por um grupo social, ou ainda produzidos no cotidiano das pessoas de acordo com suas necessidades. 

O Senso Comum é construído pelas tentativas marcadas por erros e acertos. Assim, por exemplo, Gustavo que não sabia cozinhar arroz tenta colocar em prática a experiência. Em sua primeira tentativa não teve um bom resultado. Seu arroz ficou muito salgado! Numa segunda experiência o garoto tentará solucionar o problema. Uma vez que obtenha resultado positivo, terá construído um conhecimento prático que nos possibilita dizer que Gustavo faz um arroz muito apetitoso. 

Mas, em hipótese, suponhamos que Gustavo queira ser chef de cozinha. O Senso Comum não será suficiente para que o garoto realize seu projeto de vida. Será necessário que ele ingresse em um bom curso acadêmico onde somando seus conhecimentos vulgares ao científico e artístico, terá grande possibilidade de sucesso.

Ora, o Senso Comum assim como as demais formas de saberes são todas importantes. Precisamos, no entanto, aplicar de forma correta os saberes de acordo aos problemas  que essas formas conseguem responder de maneira satisfatória. 

O Senso Comum tem suas limitações como qualquer outro saber. Portanto, é aí que surgem novos problemas, justamente quando tenta-se responder problemas que o Senso Comum não dá conta. Então nesse momento as pessoas confundem Opinião com Argumentação. 

Não basta ter uma opinião sobre tudo, pois isto de saída sabemos que é possível. A questão é saber distinguir as variadas formas de argumentações para sustentar as opiniões. Talvez a opinião tenha sido emitida em um espaço no qual não exijam argumentos mais consistentes, porém, pode acontecer que o espaço faça tal exigência e é aí que surgem os debates argumentativos.

Exemplo: 'A CADA 2 SEGUNDOS, UMA MULHER É VÍTIMA DE VIOLÊNCIA FÍSICA OU VERBAL NO BRASIL' (relogiosdaviolencia.com.br). Não é possível emitir a seguinte opinião-argumentação diante desta informação: 'Essa informação não é verdadeira porque eu não conheço nenhuma mulher que tenha sofrido qualquer tipo de violência física e verbal'.

Ora, estamos diante de um exemplo-problema que o Senso Comum não pode dar conta. Será necessária uma base de conhecimentos acadêmicos para pensar o problema em questão. 

É aqui que entra o Senso Crítico. O Senso Comum em si mesmo carece de criticidade. Podemos afirmar que ele é acrítico. Para Bunge (BUNGE, Mário. La investigación científica: su estrategia y su filosofia. 5 ed. Barcelona: Ariel, 1976.), existe um elemento essencial divisor entre a Ciência e o Senso Comum, isto é o MÉTODO.  O Senso Comum não trabalha com a ideia de totalidade senão que está preocupado em responder a problemas localizados, que quando respondidos acabam como acumulação de partes ou "peças" de informação fragilmente vinculadas. Há uma dificuldade latente quando com o Senso comum alguém tenta solucionar problemas que fogem de sua alçada por requerer uma aventura epistemológica em direção a uma totalidade. 

O Senso Comum está vinculado à vida cotidiana, à experiência particular, e tem dificuldades de abandonar o ponto de vista antropocêntrico limitado e sensorial, para formular hipóteses sobre a existência de objetos ligados a fenômenos além da própria percepção de nossos sentidos, submetê-los às verificações planejada e interpretada com o auxílio das teorias e averiguação e demonstração que perpassem a lógica, a dialética ou ainda a experimentação qualificada por métodos próprios de cada área científica. Por esse motivo é que o senso comum, atinge apenas uma objetividade limitada, pois está estreitamente vinculado à realidade experimental.  

Para Ander-Egg (ANDER-EGG, Ezequiel. Introducción a lãs técnicas de investigación social: para trabajadores sociales. 7.ed. Buenos Aires Humanitas, 1978. ), o conhecimento Senso Comum caracteriza-se por ser predominantemente: superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas: expressa-se por frases como “porque o vi", “porque o senti” ,"porque o disseram”, “porque todo mundo o diz"; sensitivo, ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária; subjetivo, pois é o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos, tanto os que adquire por vivência própria quanto os "por ouvi dizer”; assistemático, pois esta "organização" das experiências não visa a uma sistematização das idéias, nem na forma de adquiri-las nem na tentativa de validá-las; acrítico, pois, verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica.  

Está demonstrado então que o Senso Comum é um saber importante, porém tem seus limites.

O Senso Crítico é justamente aquele exercício racional que nos permite mobilizar os saberes pelo método lógico e dialético em busca de complexificar o problema a fim de solucioná-lo o mais objetivamente possível em conexão com a verdade da realidade em questão. Esse exercício exige a capacidade de questionar (problematizar), pesquisar, analisar de forma racional e inteligente nunca esgotando totalmente o exercício porque ele deve ficar em aberto a fim de ser aprimorado. Através do senso crítico, o homem passa a duvidar de verdades apresentadas como absolutas, engaja-se na busca da verdade questionando e refletindo profundamente sobre cada assunto-problema.

A palavra “crítica” vem do Grego “kritikos”, que significa “a capacidade de fazer julgamentos”. Há quem defenda que a Filosofia não chega a ser uma forma de saber como os demais pois que ela confunde-se em essência justamente com o Senso Crítico. Seria então a Filosofia um exercício de reflexão. Mas há defesa consistente de que trate-se de uma forma de saber muito sublime e indispensável para a humanidade. A Filosofia é como que uma mãe do conhecimento.

Por exemplo, o assunto COTAS ÉTNICO-RACIAIS PARA INGRESSO EM UNIVERSIDADES OU SERVIÇO PÚBLICO é tratado no âmbito do Senso Comum como algo simples, política pública elaborada para alimentar discriminações, prejudicar não cotistas. Argumenta-se que todos possuem as mesmas capacidades e que por isso as cotas são injustas. 

Ora, compreender a complexidade de tal tema nos obriga a um grande exercício crítico. É necessário começar estabelecendo paralelos entre Cotas Étnico-Raciais e Racismos Cultural, Institucional, Social e Histórico. É necessário estabelecer conexão ainda às desigualdades sociais, dentre outros elementos - tal é a complexidade da questão. Não basta uma opinião fundada em um posicionamento subjetivo diante de tal temática ou ainda argumentos fundados em experiência subjetivas. Cotas Étnico-Raciais trata-se de política pública, justificada na CFB-1988, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em dados reais da realidade histórica e social do Brasil, onde o racismo continua latente penalizando nossas populações negras.

Logo, o Senso Crítico exige de nós uma consciência reflexiva baseada no “eu” (autocrítica) e no mundo. Eu não preciso ser negro para compreender e apoiar a urgência e necessidade das Cotas Étnico-Raciais. 

O exercício denominado Senso Crítico é libertador e humanizador. Vivemos em uma sociedade que por sua natureza Capitalista, produtora de desigualdades sociais a partir da concentração do capital, nos educa ao NÃO PENSAR AUTÔNOMO. O Senso Crítico exeige de nós a Autarquia (do Grego αuταρχία, composto de αuτός (si mesmo) e αρχω (comandar), ou seja, "comandar a si mesmo" ou "auto comandar-se". Pensar por si mesmo é uma arte para poucos quando a maioria tende a vivenciar uma realidade dirigida pela alienação geral: As 'elites' pensam por nós, determinam o certo e o errado, o que consumir e o que não consumir, o que reclamar e o que não reclamar, e por aí em diante. 

Para desenvolver o Senso Crítico o indivíduo não pode conformar-se a esse mundo, deve viver um certo espírito contestador, deve questionar verdades absolutas, deve ainda ser capaz de não seguir as 'massas' sem antes pensar se deve...

O Senso Crítico para ser exercitado deve partir de uma consciência de que somos indivíduos participando de uma grande totalidade que se chama humanidade. Será a nossa consciência de que nossa missão essencial é participar dessa totalidade que nos fará mais responsáveis pelas nossas decisões. Pensar para escolher sendo capazes de assumir as consequências, dentro daquele espírito existencialista, sartreano, que coloca no homem a total responsabilidade por aquilo que ele é.  

A Sociedade impõe por variados mecanismos suas verdades absolutas. A ideologia dominante aliena o homem. Retira dele sua capacidade de protagonista da própria história e da história da humanidade. Os interesses econômicos moldam a vida em sociedade. 

A Igreja Católica, por exemplo, é um desses mecanismos. No período da escravidão, por muitas vezes a Igreja com Matriz no Vaticano, emitiu documentos posicionando-se contra a escravidão. Mas, na prática, aqui no Brasil a Igreja estava de mãos dadas com os senhores de escravos. Portanto, ela teoricamente era contra mas, na prática, por questões de sobrevivência econômica ou existencial, mantinha-se ao lado dos algozes dos negros escravos. Endossava a escravidão com discursos espiritualistas

Dessa forma, alguém que tenha o mínimo de Senso Crítico percebe que nossa sociedade é marcada por contradições insanáveis. O senso crítico ativo não aceita a imposição de qualquer tradição, dogma ou comportamento sem antes questionar. Há uma ideologia dominante (conjunto de crenças, verdades, valores e opiniões) veiculada na política, religião, meios de comunicação ou outros grupos, que procura manipular as pessoas para que não questionem; para que aceitem o que lhes for imposto sem ponderar ou investigar a verdade. É esse processo de alienação que o homem deve superar se se quer realmente sua plena liberdade.

Quem exerce o Senso Crítico incomoda aos que não o exercem. Portanto, é preciso ter essa consciência! Lembre-se do mito da Caverna Platônica e na volta do ex-prisioneiro. Falar de verdades que os prisioneiros não visualizam - como sombras - nas paredes pode enfurecê-los.

Por fim, você poderia me perguntar sobre qual é a vantagem do homem exercer sua criticidade e reconhecer as contradições que marcam nossa realidade? Ora, é verdade que tanto o que desconhece as contradições ou aquele que as reconhecem, sofrem. Mas há uma diferença que coloca aquele que tem Senso Crítico em vantagem! Ele goza de liberdade plena e sabe inclusive porque também sofre, tendo mais oportunidades de intervir no sofrimento a fim de amenizá-lo ou canalizá-lo para outras forças vitais de sobrevivência. Já quem está alienado, fica perdido em meio ao próprio sofrimento do qual não tem consciência sequer sobre as causas do mesmo.

Logo, o Senso Crítico é libertador! E ainda em tempo, é bom lembrar que o Senso Crítico é um exercício e que, portanto, é necessário querer exercitá-lo. Por isso, não é a simples passagem pela escola ou universidade que nos darão a condição de críticos. Poderemos inclusive encontrar nas escolas e nas universidades indivíduos que jamais conseguem ultrapassar os limites que há entre o senso comum e o senso crítico. E é bom lembrar, ainda, que a escola e a universidade não são condições exclusivas para esse exercício. Podemos encontrar pessoas que nunca passaram pela escola ou universidade, ou que tiveram passagens com etapas limitadas, que são capazes de um exercício crítico invejável. 

Senso Crítico é um exercício para toda a vida.  Então, vamos 'malhar' nossa racionalidade! Mãos à obra! 

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