AO PRÓXIMO EM SUA SINGULARIDADE
#HomofobiaNão
#LesbofobiaNão
#TransfobiaNão
No Brasil
homolesbotransfobia é crime!
Sempre fui militante. Quando eu subo num palco e emociono uma plateia, estou mostrando com isso o quanto de humanidade existe em mim, na minha arte. [...] As pessoas têm sempre essa reação quando estão diante de um homossexual e notam nele um ser humano. Os homossexuais formam uma minoria oprimida, mas há uma diferença fundamental: é possível destruir as outras minorias, as raciais, por exemplo. A minoria homo é indestrutível; seria preciso simplesmente que não nascessem homens e mulheres para que deixassem de existir homossexuais. (Rogéria em entrevista ao “O Pasquin”, em 1971, apud GREEN;POLITO, 2006, p.148)
A HOMOFOBIA NA CULTURA BRASILEIRA
Para compreender o fenômeno da homofobia no Brasil é
necessário revisitar a história da homossexualidade brasileira. De acordo com
Green e Polito (2006), estudiosos da homossexualidade em terras “tupiniquins”,
apenas após o ano de 1980 é que a homossexualidade passou a ter no Brasil uma
maior problematização em torno da homofobia com a consolidação dos movimentos
políticos e das publicações dos homossexuais.
No
decorrer do século XX os homossexuais masculinos, especialmente os mais pobres,
sofriam por um lado em função da moralidade disseminada na sociedade por meio
da cultura e por outro lado sofriam pela ação do Estado. Eram controlados pelas
instituições policiais e científicas, portanto, tratados como criminosos e/ou
doentes.
Antes dos movimentos políticos gays que vão colocar em cena
os militantes LGBT, as fontes para descrever essa trajetória histórica
encontram-se nos registros médicos e policiais. Green e Polito (2006)
apresentam esse contexto histórico de forma esclarecedora ao revelarem que:
Os médicos tinham conceitos sobre o que era normal ou
anormal, que os orientavam para caracterizar o homossexualismo como doença ou
não. Tentavam discriminar os homossexuais como passivos, ativos ou mistos e
procuravam também causas para explicar a existência de homens assim, fossem
hereditárias, psicanalíticas, biotipológicas ou endocrinológicas. [...] cabendo
à polícia capturar homossexuais considerados delinquentes e entregá-los a
pesquisadores do campo da medicina para “estudos”. [...] Se o conhecimento médico
atestasse sua “doença”, poderiam ser encaminhados para tratamento clínico
específico; se não, poderiam ser tratados como criminosos comuns. (GREEN;
POLITO, 2006, p.21).
Para compreendermos essa fase da história da
homossexualidade masculina no Brasil, é necessário revisitarmos o problema do
lugar dos homossexuais na sociedade desde os primórdios de nossa história, e
isso nos remete ao final do Brasil imperial, que segundo Green e Polito (2006),
é quando encontramos um primeiro texto intitulado “Da prostituição em geral e
em particular em relação à cidade do Rio de Janeiro, profilaxia da sífilis”, de
1872, redigido pelo médico Francisco Ferraz de Macedo, ligado à faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, em que há uma abordagem específica sobre a “sodomia
ou prostituição masculina”:
Na descrição minuciosa do sujeito “sodomita” aparece a
normatização exterior cultural pela qual era possível identificar um sujeito
homossexual: [...]. Assim, se virmos um rapazito com andar sereno, grave, com
os passos curtos acompanhados de movimentos do tronco e dos membros dos
superiores; com as pernas um pouco abertas e o bico do pé muito voltado para
fora; enfim, se virmos um rapaz arremedar no andar uma dama [...] podemos
suspeitar que é um rapaz infame que passa. Se juntarmos a estes caracteres o de
uma fala verdadeiramente efeminada, doce, agradável, e um trajar nos extremos
[...] podemos ter mais do que suspeitas [...]. (MACEDO apud GREEN; POLITO,
2006, p.28).
A descrição empreendida pelo médico no texto demonstra o
estado de prostituição que ocorria nas ruas centrais do Rio de Janeiro,
identificando inclusive as idades aproximadas entre 12 e 20 anos daqueles que
se prostituíam. A prostituição parece ser, desde sempre, a única porta de saída
que os homossexuais tiveram, por muito tempo, para sobreviverem em meio a uma
sociedade que os excluía e pela perseguição descomunal que sofriam por parte da
polícia, da justiça e da medicina.
A prostituição por extensão histórica para além daquele
contexto do período imperial, revelava a condição natural dos homossexuais
pobres que se diferenciava em relação aos homossexuais de posses econômicas que
recebiam tratamento mais tolerante por parte da sociedade.
Os documentos da época imperial já atestam a
percepção geral de que os homossexuais estavam em todas as instituições, desde
a Igreja até o exército. Os colégios e internatos eram tidos como espaços de
promoção das práticas homossexuais tanto masculinas como femininas e, portanto,
sofriam forte crítica por parte dos estudiosos do problema.
Ao analisar as atividades profissionais dos homossexuais,
Aldo Sinisgalli, segundo Green e Polito (2006), em “Observações sobre os
hábitos, costumes e condições de vida dos homossexuais de São Paulo”, no início
da década de 1940, retrata a ideia do homossexual feminizado, modelo esse que
ainda se encontra estereotipado na cultura contemporânea: “Se bem que os
pederastas exerçam as profissões as mais variadas, manifestam eles uma
acentuada predileção pelas ocupações que acarretem menores esforços.[...]”. Na
mesma lógica de análise Sinisgalli descreve ainda o quarto de um homossexual:
“[...] E quem chegar a ver um quarto de pederasta, dirá: “mas isto é um quarto
de moça!” (SINISGALLI apud GREEN; POLITO, 2006, p. 42 e 44).
É importante ressalvar que o trabalho de Sinisgalli não
retrata as características gerais dos sujeitos homossexuais como feminizados
por má intenção, senão que retrata as características que lhe eram possíveis de
ser apreendidas desde o contato que tivera com os sujeitos homossexuais de sua
época os quais se ofereciam para a visibilidade pública. Ora, certamente
aqueles ligados, de uma forma ou outra, às práticas da prostituição.
Green e Polito (2006) demarcam o século XIX como referência
histórica para o surgimento dos primeiros defensores ardorosos do casamento
legal entre homossexuais masculinos. Possivelmente, o primeiro a defender essa
ideia foi um respeitado funcionário público de nome Karl Henrisch Ulrichs, do
Reinado de Hanôver. Essa informação encontra-se no trabalho de Jorge Jaime
“Homossexualismo masculino” de 1953:
“O ideal dos invertidos seria obter a licença legal para o
casamento entre homens.” Nesse sentido lutou Carlos Henrique Ulrichs “[...] Foi
o criador das palavras uranismo e dionismo [...] a primeira usou-a para
referir-se ao amor homossexual, a segunda quando se referia ao amor normal ou
heterossexual. [...] considerava o uranismo tão normal quanto o amor natural ou
dionista”. [...] pediu que o casamento “entre homens fosse autorizado por lei”.
(JAIME apud GREEN; POLITO, 2006, p.48).
Ainda de acordo com Green e Polito (2006), Jorge Jaime é
quem nos oferece essa informação, assumindo também uma posição frente ao
casamento homossexual. Defende a união, mas não a partir de uma perspectiva
positiva. Para ele o casamento seria uma forma de evitar males maiores, apesar
de acreditar que esse tipo de casamento jamais traria felicidade aos
homossexuais:
Creio mesmo que se fosse permitido o matrimônio entre representantes
de um mesmo sexo, desapareceria a exploração, a chantagem, a prostituição
masculina, enfim todas essas formas de degradação que se desenvolvem por uma
insuficiência de leis que regulem o assunto. O casamento, que é um ato público,
comunicaria à sociedade a anormalidade dos cônjuges [...] (JAIME apud GREEN;
POLITO, 2006, p.49).
Em relação ao engajamento político dos homossexuais no
Brasil, Green e Polito (2006) nos oferecem uma crítica contida no artigo
“L’homophilie au Brésil”. O texto éde 1960 e de autoria de Max Jurth, que
analisa por analogia os sujeitos homossexuais inseridos nos contextos culturais
do Brasil e da Europa, reclamando a ausência de um engajamento intelectual nos
meios políticos por parte dos brasileiros:
Mas o que diferencia profundamente o ambiente homófilo do
Brasil do da Europa é a ausência mais ou menos total de interesse e de
atividade intelectual. [...] Não lhe ocorre a idéia de defender abertamente sua
própria causa. Quando pensamos em tudo o que poderia ser modificado na opinião
pública, no espírito dos jovens que se descobrem homossexuais [...] criando uma
revista, estimulando a literatura homófila contemporânea etc., e que se vê, em
lugar disto, o gasto de fortunas em asneiras [...]. (JURTH apud GREEN; POLITO,
2006, p.59).
Outra informação relevante para a compreensão do processo
histórico da visibilidade pública dos homossexuais, oferecida por Green e
Polito (2006), é a descrição do primeiro casamento de homossexuais ocorrido no
Brasil. Realizado no dia 22 de dezembro de 1962 e foi registrado em matéria nas
páginas da revista Fatos & Fotos sob o título “As bodas do diabo”. A
“solenidade mais espantosa do século” teria ocorrido em Copacabana no Rio de
Janeiro. Assim foi narrado:
[...] O que ocorreu na madrugada de 10 de dezembro, em
Copacabana, foi apenas o casamento de um homem com outro homem. O que há de
mais lamentável em tudo isso é que, no bairro mais famoso da cidade, tenha a
degenerescência atingido um tal ponto que um fato dessa ordem não tenha
espantado os que, como as autoridades souberam com tanta antecedência [...]. À
saída para a lua-de-mel com latas amarradas atrás do carro, o casal despediu-se
dos amigos. [...] A menos de 2 Km o Distrito Policial. Em Copacabana, alheios
aos princípios morais e ao Código Penal, dois homens decidiram afrontar as leis
do país e o conseguiram. (REVISTA FATOS E FOTOS apud GREEN; POLITO, 2006,
p.61).
Segundo os autores, a boate onde se realizou o casamento
chamava-se “Alfredo” e possivelmente foi o primeiro clube noturno para os
homossexuais cariocas. Era administrada por um empresário de ideias avançadas
para a época. Foi dele a ideia de realizar em sua boate o casamento que mais
tarde provocou a interdição policial e nunca mais foi aberta.
Já o livro “L’homophilie au Brésil” de Max Jurth, analisado
por Green e Polito (2006), trata de considerações importantes acerca dos
sujeitos homossexuais em relação às suas localizações geográficas e/ou seu
extrato social. Jurth constatou quese na cidade grande a vida de um homossexual
não era fácil nos anos 1960, oscilando geralmente entre prostituição,
criminalização e medicação, a vida de um homossexual no interior seria muito
pior. Em relação à homossexualidade no interior Jurth revela que:
Se, no Rio, os verdadeiros homófilos têm uma existência
penosa, apesar da existência de uma depravação pseudo-homófila geral, e oscilam
mais frequentemente entre a degradação e as tentativas de correção moral, no
interior, onde os preconceitos anti-homossexual são também difundidos, mas onde
uma maior liberdade nas relações heterossexuais favorece menos a
pseudo-homossexualidade, as vidas dos nascidos homófilos deve ser atroz. [...].
O viajante habituado às grandes cidades tem a impressão de que, nessas regiões,
a homossexualidade não existe. De fato, é o que afirmam a maior parte dos
autores brasileiros, que não se dão conta de que esta “integridade moral” só
pode ser preservada ao preço de numerosos sacrifícios individuais. [....]. No
que diz respeito aos comportamentos que se é tentado a atribuir às diversas
classes sociais, a verdade é que os seus aspectos são tão complexos como na
Europa. Há homossexuais em todos os meios, e em todos os meios eles são tão
malvistos que se finge acreditar que eles só existem na classe oposta. Os menos
criticados são talvez aqueles de cuja situação ninguém tem inveja, ou seja, os
mais pobres. (JURTH apud GREEN; POLITO, 2006. p.63).
Pelo exposto até aqui, podemos identificar vários
estereótipos que foram construídos, ao
longo do tempo, determinando por padrão quem eram os homossexuais: sujeitos
sodomitas (pecadores), doentes, criminosos, pervertidos, pobres, prostitutos,
efeminados, passivos, habitantes das grandes cidades.
Em Green e Polito (2006) encontramos um fragmento bastante
revelador das consequências concretas resultantes dessa construção de
estereótipos. O excerto é de Aldo Sinisgalli, intitulado “Considerações gerais
sobre o homossexualismo”, editado em 1938/1940, sobre as relações entre
homossexualismo e sociedade:
O homossexualismo é anti-social. O homossexualismo é a
destruição da sociedade; é o enfraquecimento dos países. Compreende-se
facilmente o prejuízo que traz à sociedade e às nações o desenvolvimento do
homossexualismo, sabendo-se que os invertidos encontram a satisfação genésica
com indivíduos do mesmo sexo, desprezando as mulheres. A maioria dos pederastas
não se casa, não constitui família. A grande maioria deles é constituída por
moços solteiros. Portanto o pederasta não contribui para o engrandecimento,
para o desenvolvimento da sociedade e do país. Se o homossexualismo fosse
regra, o mundo acabaria em pouco tempo. (SINISGALLI apud GREEN; POLITO, 2006.
p. 101).
É claro que a Igreja Católica sendo uma força política e
capaz de influenciar a cultura e a interpretação dos comportamentos morais,
reforçava esses estereótipos. Mas Green e Polito (2006) nos informam que havia
um padre chamado Jaime Snock, holandês e vivendo no Brasil desde 1953, que
publicou um artigo na Revista Vozes, ligada à Igreja, em 1967, com o título:
“Eles também são de nossa estirpe: considerações sobre a homofilia”. Green e
Polito informam ainda que o padre considerava que 4 a 5% da população masculina
e 2 a 3% da feminina eram homossexuais. Um excerto reproduzido por Green e
Polito do artigo de Snock informa que:
É uma minoria, sem dúvida, mas uma minoria significativa,
que é obrigada a viver no ostracismo e na clandestinidade, sofrendo amargamente
sua rejeição por parte dos homens e, muitas vezes, sua suposta reprovação por
Deus. O suicídio é cinco vezes mais freqüente entre os homossexuais do que
entre os heterossexuais, conforme a afirmação recente de um criminologista da
Universidade de Lovaina. (SNOCK apud GREEN; POLITO, 2006, p. 107).
O artigo do padre Snock é bastante dissonante em relação aos
posicionamentos da Igreja na década de 1960, sem qualquer mudança significativa
nos dias de hoje e traz duas importantes
informações, uma sobre a organização dos LGBT em alguns países e outra de que a
homossexualidade não é em si uma doença, que ela se tornaria uma anomalia
quando não assumida, não integrada, pelo indivíduo.
Em linhas gerais, Snock discordava daqueles que diziam ser o
casamento e o celibato os “remédios” certos para os homossexuais. Em seu artigo
ele pontuava que:
1. Em hipótese alguma pode-se romper uma amizade existente;
2. O matrimônio não pode ser solução e deve ser desaconselhado; 3. Não se deve
esquecer que a continência, a chamada “via régia”, não é uma exigência tão
evidente; na realidade ela é observada só esporadicamente; 4. Parece
recomendável ajudar o homossexual a construir uma amizade firme; 5. No
acompanhamento de amizades homossexuais parece importante insistir sobretudo na
fidelidade. (SNOCK apud GREEN; POLITO, 2006, p. 108).
É de se observar que o padre Snock tinha uma visão de mundo
bastante avançada comparada à visão da instituição religiosa à qual pertencia.
No mundo laico, porém, a profecia de Snock se realizaria na década de 1990
quando a homossexualidade deixaria de ser reconhecida como doença.
Buscamos explicitar aqui a construção sócio-cultural dos
mais variados estereótipos atribuídos aos sujeitos homossexuais ao longo da
história. Os estereótipos continuam no imaginário das pessoas e são
referenciais para identificar e discriminar que não se enquadra nos padrões
culturais e morais de comportamentos.
A homossexualidade é um fenômeno universal e observamos que
ela recebe tratamento desigual entre os países. Por exemplo, de acordo com
informações da associação internacional ILGA , que luta por direitos LGBT em
todo o mundo, a partir das informações contidas no relatório “Homofobia de
Estado”, atualizado em junho de 2016, as relações entre pessoas do mesmo sexo
continuam sendo consideradas crime em mais de 70 países. A associação ILGA
denomina essa criminalização como “homofobia de estado” e pontua avanços de
proteção em outros países:
En el año 2016, en la presente 11ª edición, ese número es de
73 estados que en ese momento criminalizaban la actividad sexual entre dos
personas del mismo sexo, y la variedad de legislación relevante a la
orientación sexual se ha expandido ampliamente: leyes que criminalizan nuestra
práctica sexual o nuestra expresión [criminalización], leyes específicas que
nos protegen de lesiones y odio [protección] y leyes que nos reconocen como
seres que necesitan relación [reconocimiento]. (ILGA, 2016b, p. 7).
De acordo com o relatório, o Egito não penaliza tecnicamente as relações homossexuais em si, mas utiliza-se da interpretação de algumas leis (como a lei contra a libertinagem) para manter no momento cerca de 250 pessoas LGBT cumprindo penas nas prisões egípcias. O relatório ainda pontua que 13 países preveem a pena de morte para homoafetivos adultos. Em quatro deles – Sudão, Arábia Saudita, Irã e Iêmen –, a pena é efetivamente aplicada pela Justiça no país todo. Em dois – Nigéria e Somália –, é aplicada em algumas províncias.
Em
cinco desses países – Mauritânia, Afeganistão, Paquistão, Qatar e Emirados
Árabes Unidos – não há registro de aplicação específica recente e em dois deles
(no Iraque e nos territórios controlados pelo Estado Islâmico nesse país e na
Síria), os responsáveis por matar sistematicamente e com brutalidade os gays
são milícias e grupos não estatais.
Como
podemos observar, a homofobia é um fenômeno social e cultural presente em todos
os países do Globo. Os estereótipos culturais incidem sobre os posicionamentos
que os Estados e as sociedades apresentam diante dos sujeitos LGBT.
Desses estereótipos há um que certamente mais pesou na
construção da imagem do homossexual masculino: a de efeminado .Tal estereótipo
remete à violência homofóbica e a cultura machista, misóginica. Como as
mulheres continuam sendo vítimas de negações de direitos igualitários, de
agressões físicas e morais, esses estereótipos ainda continuam muito vivos na
memória coletiva moldando práticas comportamentais discriminatórias.
De acordo com o que abordamos desse processo histórico da
homossexualidade no Brasil, pelos estudos de Green e Polito (2006), o
homossexual estava enquadrado dentro de uma visão cultural que o identificava
como tendo características do feminino: os homossexuais são transgressores da
natureza e da ordem vigente por serem efeminados, e as lésbicas por se
recusarem ao papel destinado naturalmente às mulheres.
A ordem (chamada ‘natural’) dos sexos determina uma
hierarquia social em que o feminino deve se complementar do masculino pelo viés
de sua subordinação psicológica e cultural. Em consonância a esse raciocínio,
no Relatório “Assassinato de homossexuais (LGBT) no Brasil de 2014”, Marcelo
Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia ressalta que:
[...] Ser travesti já é um agravante de periculosidade face
à intolerância machista dominante em nossa sociedade, e mesmo quando um gay é
morto devido à violência doméstica ou latrocínio, é vítima do mesmo machismo
cultural que leva as mulheres a serem espancadas e perder a vida pelas mãos de
seus companheiros, como diz o ditado: ‘viado é mulher tem mais é que morrer!’
(CERQUEIRA apud Relatório GGB, 2014).
Ora, a gênese histórica do ódio contra os sujeitos
homossexuais está profundamente arraigada em fundamentos moralistas ensinados e
aprendidos. Borrillo (2010) nos ajuda em uma compreensão mais ampla sobre esse
fenômeno da construção social e cultural de estereótipos em relação aos LGBT. A
homofobia é, em grande parte, alimentada pelo fato de que a pertença à
heterossexualidade é normal e, portanto, esse pertencimento se dá pela adesão
imediata, irrefletida, pois é entendida como natural, servindo assim para
identificar os “normais” de todos os espaços da sociedade.
Ora, essa construção social da normalidade nada tem de
natural; centenas de tratados teológicos, enciclopédias médicas, recomendações
morais, códigos e regulamentos, assim como conto de fadas, filmes e romances,
foram necessários para enraizar esse sentimento no mais recôndito das
consciências. (BORRILLO, 2010, p.106).
Ainda de acordo com Borrillo (2009) o que está posto
atualmente não é mais a problemática das origens e causas da homossexualidade,
o que precisamos problematizar hoje é o porquê da perpetuação de práticas
sociais que visam hostilizar os sujeitos LGBT:
De fato, em vez de se dedicar ao estudo do comportamento
homossexual, a atenção se volta agora para as razões que levaram essa forma de
sexualidade a ser considerada, no passado, desviante. Esse deslocamento do
objeto de análise sobre a homofobia produz uma mudança tanto epistemológica
quanto política. Epistemológica porque não se trata exatamente de conhecer ou
compreender a origem e o funcionamento da homossexualidade, mas sim de analisar
a hostilidade provocada por essa forma específica de orientação sexual.
Política porque não é mais a questão homossexual, mas a homofobia que merece, a
partir de agora, uma problematização particular. Quer se trate de uma escolha
de vida sexual, quer se trate de uma característica estrutural do desejo
erótico por pessoas do mesmo sexo, a homossexualidade deve ser considerada tão
legítima quanto a heterossexualidade. (BORRILLO, 2009, p.16).
Podemos afirmar que a história da homossexualidade no Brasil
passou por quatro fases que servem de marcos referenciais para compreendermos
essa passagem de uma preocupação exacerbada em relação às origens da
homossexualidade, para a problematização
do preconceito e discriminação contra sujeitos LGBT: na primeira, a homossexualidade era tratada como pecado
pela Igreja; mais tarde, em uma segunda fase, era tratada como doença pela
medicina; depois, foi considerada como fonte de crimes, como atestam Green e
Polito (p.77) ao lembrarem que “O Código Penal republicano, promulgado pelo
decreto nº 847 de 11 de outubro de 1890, punia implicitamente as práticas
homossexuais entre homens.” Por último, a fase da luta por direitos civis e
visibilidade (Gay Power).
Em relação ao quesito criminalização exposto por Green e
Polito (2006) fica evidente que as leis podem ser interpretadas de acordo com a
cultura do agente de Estado que irá aplicá-las. Já vimos aqui anteriormente,
segundo o relatório da ILGA, que no Egito há essa prática e os autores Green e
Polito confirmam que no Brasil sempre houve essa prática.
A necessidade de uma lei clara que puna atos homofóbicos é
necessária para evitar essas interpretações de acordo com a cultura do agente
público. Na realidade de hoje, o LGBT vítima de homofobia entra na delegacia
para fazer o boletim de ocorrência como vítima e sai de lá como culpado, quando
não humilhado. Assim como o Estado brasileiro foi capaz de legislar contra a
discriminação racial, as violências de gênero, da infância e adolescência, dos
idosos, dos indígenas, precisa urgentemente legislar em prol dos LGBT.
Porém, apesar de ter chegado às comissões da Câmara Federal
dos Deputados, a criminalização da homofobia continua emperrada, já que as
bancadas extremamente conservadoras e defensoras de estereótipos e
comportamentos padrões convencionados, culturalmente e socialmente, impedem até
mesmo a discussão de tal possibilidade há quase duas décadas.
Exemplo disso é que a cultura homofóbica esteve muito
manifesta durante o ano de 2015 com o imenso esforço empreendido por grupos
sociais religiosos conservadores, nos níveis federal, estaduais e municipais.
Visavam retirar dos planos de educação, em construção país afora, quaisquer
referências às questões de “gênero e sexualidades” identificadas como “ideologia de gênero” . O
debate foi realizado por meio de uma tática irracional de “demonização” desses conceitos
em defesa da preservação da moralidade em torno da família nuclear.
Acreditamos que é preciso resgatar os elementos culturais
heterossexistas construídos historicamente, para uma compreensão dos avanços e
dificuldades, ainda latentes, visando a construção de uma sociedade que mitigue
o preconceito e elimine a violência contra sujeitos homossexuais, intersexuais
e transgêneros. Tal perspectiva exige uma investigação sobre as configurações
sócio-históricas, quanto à construção da negação da diversidade de sexualidades
em privilégio exclusivo às relações afetivas heterossexuais.
Para finalizar essa reflexão sobre a constituição da
história da homossexualidade no Brasil descrita, faremos uma rápida referência
às mudanças ocorridas no país e no mundo quanto à forma de tratarem os sujeitos
LGBT.
No Brasil, uma clara reação dos sujeitos LGBT à violência
sofrida cotidianamente, de acordo com Green e Polito (2006), ocorreu na década
de 1960. Os autores lembram que Agildo Guimarães, em 1963, foi o responsável
pela edição de uma das primeiras publicações voltadas para o público gay
masculino brasileiro: O Snob. O jornal teve vida longa: 99 números regulares e
uma edição “retrospectiva”, chegando a ter entre 30 e 40 páginas. O jornal foi
um importante instrumento de discussões politizadas sobre problemas relativos à
realidade dos homossexuais no Brasil:
O jornal (O Snob) era distribuído na Cinelândia e em
Copacabana, gratuitamente ou mediante alguma contribuição. Seu surgimento
motivou a publicação de pelo menos outros 30 jornais semelhantes no Rio e pelo
Brasil afora, como O Centro, Darling, Gay Society, Baby, Le Sophistique e
Entender, daí sua grande importância. (GREEN; POLITO, 2006, p. 156).
Foi preciso notícias do “Gay Power” ou “força gay”,
protestos públicos contra a discriminação de homossexuais nos EUA chegassem ao
Brasil para que a mídia começasse a tratar mais positivamente gays e lésbicas:
Apesar da forte censura do período e de as matérias sobre
homossexuais brasileiros na grande imprensa serem geralmente negativas e
condenatórias, as notícias sobre o movimento norte-americano, ainda que pouco
frequentes, apresentavam uma imagem positiva dos homossexuais masculinos e
lésbicas em suas manifestações de protesto, ações legais e atividades que
visavam à ampliação dos seus direitos democráticos nos EUA. (GREEN;
POLITO, 2006, p. 159).
O termo “gay”, por exemplo, surgiu como uma categoria
política criada pelos próprios homossexuais para se imporem contrariamente a
qualquer tentativa de taxá-los como doentes pela psiquiatria. Este termo passou
a ser utilizado pelos movimentos de defesa dos direitos LGBT, sobretudo, após o
incidente de Stonewall, em Nova York, em 28 de junho de 1968. Gay é um termo
que tem grande aceitabilidade junto aos homossexuais masculinos (Mott, 1996).
O “levante histórico” dos frequentadores do bar gay
americano, cansados das agressões constantes e gratuitas da polícia de Nova
York, inaugurou para os sujeitos LGBT, em várias partes do Planeta, uma
esperança alicerçada na luta coletiva por Direitos Humanos.
Por sua importância, em 2015, o “Bar Stonewall Inn” foi
declarado monumento histórico . O Comitê de Preservação de Sítios Históricos
votou a favor do legendário local na Rua Christopher pelo seu papel na defesa
dos direitos da comunidade homossexual.
Green e Polito (2006) destacam que o Jornal da Tarde de São
Paulo, em sua edição do dia 04 de dezembro de 1969, trazia matéria sobre o
movimento gay irrompido nos EUA a partir do incidente de Stonewall:
Os homossexuais radicais denominam-se Gay Power, usando como
slogan Gay is beautiful, imitando o slogan do Poder Negro: Black is beautiful.
‘_ Desejamos despertar os homossexuais para sua própria identidade e fazer com
que os heterossexuais saibam que nos orgulhamos de nós mesmos’ – disse Nick
Chershire, membro do Gay Power – ‘por tempo demais aceitamos a condenação da
sociedade’. (JORNAL DA TARDE apud GREEN; POLITO, 2006. p. 160).
O movimento ganhou força e em 1971 foi organizada grande
manifestação pública que reuniu mais de 5 mil pessoas em Nova York. Assim,
noticiada no Jornal do Brasil, em sua edição de 29 de junho: “A manifestação
faz parte da semana dedicada ao ‘Culto da Homossexualidade’, que segundo um de
seus organizadores, tem por objetivo lutar contra os preconceitos, e legalizar
a chamada ‘liberação do sexo’.” (JORNAL DO BRASIL apud GREEN; POLITO, 2006, p.
162).
No Brasil, em 1973, o norte americano Allen Young, analisou
o fenômeno da homossexualidade e apresentou suas conclusões em um artigo
intitulado “Gay gringo in Brazil” publicado em São Francisco no livro “The gay
liberation book”, conclusões essas que podem ser resumidas assim: “[...] a
sociedade brasileira [...] ensina a população gay a se auto-odiar [...].”
(YOUNG apud GREEN; POLITO, 2006, p. 164).
A primeira tentativa de organizar o “Dia do Homossexual” no
Brasil ocorreu em 1976, no Rio de Janeiro, nos jardins do Museu de Arte
Moderna. A presença policial assustou os manifestantes e o evento não
aconteceu. Mas o teor contido no convite (descrito em matéria do Jornal A Notícia)
demonstra a nova consciência LGBT que era despertada no país:
Além de nos confraternizarmos, teremos a oportunidade de
conhecer o perfil de luta em que nos empenhamos pelos direitos do homossexual
brasileiro a uma vida digna e respeitada. Vá e leve o seu caso. Vá e leve os
seus trabalhos. Se for simpatizante, leve o seu sorriso e o seu abraço para o
amigo desacompanhado. Viva! Viva a união do homossexual brasileiro. Por
melhores oportunidades e igualdade de condições. Viva o 4 de julho! Alegria.
Amor. Respeito. (JORNAL A NOTÍCIA apud GREEN; POLITO, 2006, p. 171).
Na mesma matéria sinais de mudanças na mentalidade
brasileira sobre a homossexualidade por parte dos LGBT começam a aparecer na
mídia. José J. Garrido diz que: “Não há crime nenhum em ser homossexual”. Outra
pessoa de nome Leyland disse que é preciso “descobrir formas de disseminar
informações para corrigir o conceito errôneo sobre o homossexual”. Para O
Pasquim, Leyland afirmou mais tarde: “Os gays estão se conscientizando”.
(GREEN; POLITO, 2006, p. 173-175).
Mas foi no ano de 1977 que a homossexualidade tornou-se
assunto dominante na imprensa. Green e
Polito (2006) chamam a atenção para o fato de que matérias negativas sobre a
homossexualidade recebiam cartas de protestos. Isso revelava que já havia não
apenas uma consciência coletiva em torno das questões gays, como também uma
união dos homossexuais que se firmava dia a dia. O jornalista Celso Cury afirmou que: “Eu acho
que não está havendo um aumento do homossexualismo, mas um aumento do número de
pessoas que já declaram, publicamente, que são homossexuais [...].” (CURY apud
GREEN; POLITO, 2006, p. 168).
Não há como esgotar aqui esse processo da construção da
consciência coletiva gay no Brasil e nem é nossa pretensão. O movimento gay que
começou seus primeiros passos no país constituído majoritariamente de homens,
teve na década de 1980, a formação de grupos exclusivamente constituídos de
lésbicas. Facchini, em breve resumo, faz um balanço do movimento LGBT nas
últimas duas décadas:
Enquanto boa parte dos movimentos sociais mais visíveis nos
anos 1980 experimenta um processo de "crise", o movimento LGBT não
apenas cresce em quantidade de grupos e diversifica os formatos institucionais,
como amplia sua visibilidade, sua rede de alianças e espaços de participação
social. Assim, entre os interlocutores do movimento LGBT, temos movimentos de
direitos humanos, de luta contra a Aids, e movimentos de "minorias",
especialmente o feminista, em âmbito nacional e internacional. Temos também
agências governamentais, parlamentares e setores do mercado segmentado. Há ainda
uma ampliação dos espaços de participação: comissões que discutem leis ou
políticas públicas, mas também há a construção de espaços para a incidência
política em âmbito internacional. A ampliação da visibilidade social se dá
basicamente pelo debate público em torno de candidaturas e projetos de lei;
pela adoção da estratégia da visibilidade massiva por meio da organização das
Paradas do Orgulho LGBT; e, pela incorporação do tema de um modo mais
"positivo" pela grande mídia, seja pela inserção de personagens em
novelas ou de matérias em jornais ou revistas que incorporam LGBT como sujeitos
de direitos. (FACCHINI, 2016).
De acordo com Green e Polito (2006) e Facchini (2016), uma
das primeiras lutas dos homossexuais foi contra a tentativa de identificá-los como
doentes. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia, deixou de considerar a
orientação sexual como doença ainda em 1985, antes mesmo da resolução da OMS –
Organização Mundial de Saúde. A resolução do Conselho Federal de Psicologia de
1999, que "Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à
questão da Orientação Sexual", considera “que há, na sociedade, uma
inquietação em torno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida
sócio-culturalmente”. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,1999, 2016)
Essa “resolução” anunciava a nova compreensão sobre a
diversidade sexual na década de 1990.Nela há uma despatologização “médica” e
“cultural” das relações homoafetivas ao afirmar: “[...] que a homossexualidade
não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA,1999, 2016)
Destacamos ainda dessa histórica resolução (que de tempos em
tempos sofre duros ataques de grupos conservadores heterossexistas de cunho
religioso, especialmente das bancadas religiosas no Congresso Nacional que
lutam pela eliminação da mesma), as seguintes passagens que fazem considerações
e estabelecem artigos a serem observados pelos profissionais da psicologia:
[...] que na prática profissional, independentemente da área
em que esteja atuando, o psicólogo é frequentemente interpelado por questões
ligadas à sexualidade. [...] que a forma como cada um vive sua sexualidade faz
parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade;
[...] que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o
esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de
preconceitos e discriminações; Art. 1° - Os psicólogos atuarão segundo os
princípios éticos da profissão notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação
e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade. Art. 2° - Os psicólogos
deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito
e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que
apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas. Art. 3° - os psicólogos não
exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou
práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar
homossexuais para tratamentos não solicitados. Parágrafo único - Os psicólogos
não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das
homossexualidades. Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem
participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de
modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais
como portadores de qualquer desordem psíquica. (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA,1999, 2016)
Mais precisamente, foi em 17 de maio de 1990 que a
Organização Mundial da Saúde (OMS), em Assembleia-geral, retirou a
homossexualidade da lista de doenças mentais da Classificação Internacional de
Doenças (CID). A decisão também eliminou o uso do sufixo ‘ismo’, desvinculando
a orientação sexual da ideia de enfermidade. A data é tão memorável que passou
a marcar o Dia Internacional de Combate à Homofobia, quando organizações civis
de defesa dos direitos sexuais igualitários fazem as chamadas “paradas gays”
para politicamente denunciarem a violência que os sujeitos LGBT sofrem, bem como
reivindicar direitos civis negados em nossas leis.
Se em um primeiro momento a preocupação da Organização das
Nações Unidas – (ONU) voltou-se para a urgência em rever a atribuição de
patologia à orientação homoafetiva, mais recentemente voltou-se para o enfrentamento
à homofobia cultural e de Estado.
De forma velada a homofobia encontra-se implicitamente
latente no cotidiano e reforça inconscientemente o tratamento patológico, já
esvaziado pela ONU e outras instituições, por meio de estereótipos. O resultado
muitas vezes da prática homofóbica decorre em agressões físicas, suicídios e
homicídios. Além de graves prejuízos psicológicos para as vítimas, há também
prejuízos civis vez que os sujeitos LGBT não têm direitos garantidos e ainda,
em muitos países correm risco de prisão, tortura e morte.
Foi em
Genebra, no ano de 2011, que pela primeira vez na história a ONU saiu da
situação de apenas discursar contra a homofobia, para um posicionamento
político concreto frente a essa violência que aflige milhões de pessoas em todo
o Planeta. Cerca de 85 países assinaram uma declaração expressando sua
preocupação com as violações dos direitos humanos contra pessoas LGBT. No mesmo
ano, o Conselho de Direitos Humanos da ONU adotou a primeira resolução para
tratar especificamente do assunto.
O Conselho de Direitos Humanos aprovou uma Resolução sobre a
violação dos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais (LGBT). A aprovação do Conselho das Nações Unidas é histórica e
extremamente importante, pois influencia políticas públicas e legislações de
proteção aos LGBT em vários países.
Os direitos sexuais aos poucos vão se convertendo em
direitos humanos, apesar dos imensos desafios ainda a serem enfrentados no
Brasil e no mundo. Em muitas culturas a orientação sexual e a identidade de
gênero são classificadas como anomalias. Muitas sociedades punem com o rigor da
lei criminalizando atos afetivos entre pessoas do mesmo sexo, negando acesso a
direitos civis e em algumas sociedades chegam ao absurdo de imputar a pena
capital para homossexuais. Transexuais vivem em total anonimato, silenciamento
e invisiblidade.
Em linhas gerais, a Resolução de 17 de junho de 2011, assume
o compromisso de fazer um estudo sobre a situação da violência contra
populações LGBT e como a ONU poderia intervir para pôr fim a essas violências e
violações dos direitos humanos:
Solicita que a Alta Comissária de Direitos Humanos encomende
um estudo a ser concluído até dezembro de 2011, para documentar leis e práticas
discriminatórias e atos de violência contra as pessoas por motivo de sua
orientação sexual e identidade de gênero, em todas as regiões do mundo, e para
documentar como a legislação internacional de direitos humanos pode ser
utilizada para pôr fim à violência e às violações dos direitos humanos
cometidas por motivo de orientação sexual e identidade de gênero.(ONU, 2011)
A
Resolução de 2011, ao seu final, sinalizava que o Conselho de Direitos Humanos
“Resolve acompanhar de forma contínua esta questão prioritária”. E parece que
se tornou prioritária mesmo, pois foi novamente retomada em 2014 demonstrando
interesse dos integrantes da ONU em continuar discutindo e fazer esforços no
sentido de encontrar soluções para o enfrentamento a esse tipo de violência,
por meio de nova resolução, aprovada – com 25 votos a favor, 14 contra e sete
abstenções – novamente sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade
de gênero.
Em
linhas gerais, a resolução pede atualização de relatório sobre “leis e práticas
discriminatórias e atos de violência contra indivíduos com base em sua
orientação sexual e identidade de gênero”. O objetivo é “compartilhar boas
práticas e maneiras de superar a violência e a discriminação”:
[...] Recordando también que la Declaración Universal de
Derechos Humanos afirma que todos los seres humanos nacen libres e iguales en
dignidad y derechos, y que toda persona tiene los derechos y libertades
proclamados en esa Declaración, sin distinción alguna de raza, color, sexo,
idioma, religión, opinión política o de cualquier otra índole, origen nacional
o social, posición económica, nacimiento o cualquier otra condición, [...], los
Estados tienen el deber, sean cuales fueren sus sistemas políticos, económicos
y culturales, de promover y proteger todos los derechos humanos y las
libertades fundamentales, [...]
Recordando también [...] y en particular la resolución 17/19 del Consejo, de 17
de junio de 2011, [...] Expresando gran preocupación por los actos de violencia
y discriminación, [...]Solicita al Alto Comisionado que actualice el informe
(A/HRC/19/41) con miras a compartir buenas prácticas y formas para superar la
violencia y la discriminación, en aplicación de las normas y el derecho
internacional de los derechos humanos en vigor, y que se lo presente en su 29º
período de sesiones (ONU, 2014)
O Brasil estava entre os países que apresentaram o projeto
de resolução e todos os Estados-membros das Américas presentes no Conselho –
Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Cuba, México, Peru, Estados Unidos e
Venezuela – votaram a favor da resolução.
A importância de conhecer essas resoluções de 2011 e 2014
aprovadas pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, é de ter a sensação real de
que nessa luta contra a homofobia que já silenciou inumeráveis afetividades,
que violou direitos, e que agrediu psicologicamente e fisicamente inúmeros
sujeitos LGBT, não é uma luta inglória e se faz necessária como compromisso
“prioritário” de todos aqueles que se ocupam com questões humanitárias.
No início de 2015, o relatório (A/HRC/19/41) do Escritório
das Nações Unidas de Direitos Humanos (ACNUDH), revelava que embora algum
progresso tenha sido feito desde o primeiro estudo, destacando a discriminação
e a violência contra pessoas com base em sua orientação sexual e identidade de
gênero, o quadro geral continuava sendo de abuso violento generalizado, assédio
e discriminação que afetava pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneras e
intersexuais (LGBT) em todas as regiões. “A violência motivada pela homofobia e
transfobia é muitas vezes particularmente brutal e em alguns casos
caracterizada por níveis de crueldade superior a de outros crimes de ódio”:
Depuis 2011, des centaines de personnes ont été tuées et des
milliers d’autres blessées lors d’agressions brutales et violentes, dont
certaines sont relatées ci-après. Parmi les autres violations attestées
figurent la torture, la détention arbitraire, le déni du droit de réunion et du
droit d’expression, ainsi que la discrimination dans les domaines de la santé,
de l’éducation, de l’emploi et du logement. Ces violences et d’autres exactions
qui y sont associées montrent que les gouvernements, les parlements, les
organisations régionales, les institutions nationales des droits de l’homme, la
société civile et les organismes des Nations Unies, y compris le Conseil des
droits de l’homme, doivent réagir de manière concertée. (ONU, 2015)
O relatório contém 20 recomendações dirigidas aos governos
nacionais. Entre elas: revogar leis usadas para punir indivíduos com base em
sua orientação sexual e identidade de gênero; proibir a discriminação e
incitação ao ódio e à violência contra as pessoas LGBT; reconhecer legalmente
relações do mesmo sexo; garantir o acesso a documentos de identidade legais que
reflitam o gênero identificado pelo próprio indivíduo, sem impor pré-condições
abusivas; e pôr fim a terapias e tratamentos abusivos nos quais pessoas LGBT
são muitas vezes sujeitas, como as operações médicas forçadas em crianças
intersexuais.
Quando se trata de sujeitos LGBT é muito importante
ressaltar quem são esses sujeitos. Nas duas últimas décadas tem sido maior a
visibilidade desses sujeitos nos contextos concretos de nosso cotidiano. Isso
ocorre pelo esforço que fazem os países associados à ONU ao adequarem suas
legislações e políticas públicas às demandas das populações LGBT de acordo com
o que tem sido decidido no âmbito daquela instituição internacional.
A visibilidade maior tem um lado positivo que é dizer: “aqui
estamos nós e queremos ser tratados como humanos, tal qual somos, nem mais e
nem menos”, porém, também há uma lado negativo decorrente da ignorância e da
prática de uma moral heteronômica que
continua a condenar as relações homoafetivas, discriminando-as e reprimindo-as
por vários meios de proliferação dos discursos que estereotipizam os sujeitos
LGBT.
Cabe à
escola, não somente à ela, mas especialmente a ela, um papel fundamental na
desconstrução dessa cultura homofóbica com traços desumanizadores. Apenas o
conhecimento fundado em elementos científicos e filosóficos poderá compreender
esse fenômeno e ao mesmo tempo possibilitar uma intervenção criativa nos
espaços escolares, a fim de promover o convívio entre os iguais e os
diferentes, tão necessário para o processo de humanização do homem.
Acreditamos
que o papel pedagógico da escola consiste em adquirir a cultura, pensar essa
cultura à luz dos direitos humanos estabelecidos na Declaração de 1948, com o
objetivo de eliminarmos as violências que ameaçam e ceifam vidas todos os dias
apenas porque as pessoas carregam diferenças que não se enquadram nos padrões
determinados culturalmente e socialmente, tidas como indesejáveis, estranhas,
anormais.
Referência
LOPES, Lucio de Lima.O ENFRENTAMENTO À HOMOFOBIA EM SALA DE
AULA - UMA EXPERIÊNCIA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA. nº de folhas (ex. 127 f.).
Dissertação (Mestrado em Ensino) – Universidade Estadual do Paraná – Campus de
Paranavaí. Orientadora: Profª Drª Isabela Candeloro Campoi. Paranavaí, 2016. p. 58-77
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