“A raça negra fundou para outros uma pátria que ela pode, com muito mais direito, chamar sua.” [Joaquim Nabuco - ‘O Abolicionismo’ ]
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Nesta agenda do movimento social negro pela concretização da abolição de fato, está, inclusive, a disputa pela alteração do caráter e do sentido da data 13 de maio. Até pouco tempo, esta era lembrada apenas como um dia de agradecimento a generosidade e piedade da princesa Isabel, ocultando toda a intensa luta e resistência da população negra ao processo de escravização de africanos. Para contrapor este caráter redentor, o movimento negro instituiu na agenda a data de 20 de novembro, para comemorar a resistência negra em nosso país. Esta crítica tem feito também que o próprio sentido do 13 de maio esteja em pleno processo de mudança. Sem sombra de dúvidas, uma vitória para a história do nosso país.
A necessidade da instituição pelo estado brasileiro de uma agenda política para a concretização do ideário da abolição não é uma coisa nova. Em seu livro “O Abolicionismo”, publicado antes do fim formal da escravização, Joaquim Nabuco afirmava: “Enquanto a nação não tiver consciência de que é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo quando não haja mais escravos.”
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A liberdade concedida ao negro só se materializaria quando todas as instituições que regulamentam a vida nacional implementassem medidas a fim de dar consequência prática à liberdade. Infelizmente, ainda hoje a maior parte das instituições brasileiras não adaptou, como dizia Nabuco, o ideário da liberdade em sua dinâmica de organização e funcionamento. Basta perceber que, passado mais de um século, nossas instituições governamentais (governos, legislativos) continuam, em sua composição étnica, não representando a população negra em nosso país. Embora os negros e as negras sejam mais de metade da população do país, é muito pequena a representação negra nestes espaços de poder. Este fato tem sido denominado pelo movimento negro como “racismo institucional”.
A frase de Nabuco é mais atual do que nunca. Iniciativas do estado brasileiro para a criação de estruturas e políticas para a promoção da igualdade racial são muito recentes. É na década de 80 que vamos perceber ações em poucos Estados de criação de Conselhos e Estruturas próprias para este fim. Como política de nação, só em 2003 que é criada um Ministério específico para atuar na área. De 2003 para cá, pouquíssimos Estados e municípios criaram estruturas semelhantes.
No Paraná, a situação não é muito diferente. Apesar de existir recursos e políticas federais para tanto, não temos Secretaria Estadual e nem Coordenadoria. Após um longo processo de reivindicação, será instalado, neste primeiro semestre, o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial. Nos municípios o quadro não se altera. A maioria fecha os olhos a esta política importante para a consolidação de um projeto que inclua todos e todas na construção da nação brasileira. Raros municípios, como Londrina e Maringá, possuem uma assessoria específica para implementar políticas de igualdade racial. Em Curitiba, capital de nosso Estado, não há nenhuma estrutura de governo para o trato da temática, embora, aqui, os negros e as negras representem em torno de 20% da população.
Neste contexto, se inserem a s reivindicações do movimento social negro pela adoção de políticas de ação afirmativa, como reserva de vagas em concursos públicos, de ingresso no ensino superior, inclusão de conteúdos de história e cultura afro-brasileiras no currículo escolar, entre outras. Infelizmente, a maioria dos governantes ainda não abriu os olhos sobre a necessidade de instituição desta agenda e da sua importância para o conjunto da população brasileira. Muitos ainda têm a ilusão de que ao enfrentar as desigualdades sociais, estar-se-á, em um passe de mágica, enfrentando as desigualdades raciais. Pura ilusão. A cada dia temos exemplo de como opera o preconceito contra negros em nossa sociedade. Preconceito que se materializa em desigualdades.
Também, nesta agenda se insere o debate do feriado de 20 de novembro, aprovado em Leis Municipais como em Londrina, Curitiba e Guarapuava e questionado, na Justiça, a partir dos ditos interesses econômicos.
Nestas datas, como a de 13 de maio, veremos várias pessoas, especialmente as que detêm cargos públicos, discorrendo sobre a importância do dia e da contribuição da população negra em nosso país. Faz parte da política nefasta do “politicamente correto”. Ela mascara, esconde e anestesia qualquer ação mais propositiva de nossas instituições de governo. Infelizmente, a agenda proposta por Joaquim Nabuco, há mais de um século, é um dos principais sinais da omissão da elite política brasileira às causas da liberdade, democracia e igualdade.
Finalizo esta reflexão com mais uma frase de Nabuco que, como profecia, alertava para a necessidade da instituição de uma agenda política e de um esforço coletivo de gerações para a consolidação da abolição de fato. Hoje, ela ainda está inacabada.
“O nosso caráter, o nosso temperamento, a nossa organização toda, física, intelectual e moral, acha-se terrivelmente afetada pelas influências que a escravidão passou 300 anos a permear a sociedade brasileira. A empresa de anular essas influências é superior, por certo, aos esforços e uma só geração. Mas enquanto essa obra não estiver concluída, o abolicionismo terá sempre razão de ser.”
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Luiz Carlos Paixão da Rocha
Mestre em Educação pela UFPR
Diretor de Comunicação da APP-Sindicato Professor
e integrante do Movimento Social Negro do Paraná
FONTE ORIGINAL DO TEXTO:
http://www.appsindicato.org.br/
filoparanavai 2014
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