JESUS CRISTO, UM DEUS INCONVENIENTE?
Por Lucio L. Lopes
Eu poderia iniciar este texto explorando o que há de conveniente para que as pessoas adotem publicamente uma fé em Jesus Cristo, mas prefiro dar início à uma reflexão que nos lance a pensar justamente nas "inconveniências" que há em Jesus Cristo e que fazem as pessoas terem medo do Deus Humanado e Ressuscitado na dimensão daquilo que ensinou e daquilo que pediu para seus seguidores viverem como sinal de sua presença entre os homens e mulheres "deste mundo"!
Na forma dicionarizada eu utilizo aqui a palavra "inconveniente" como sinônimo de inadequado, inoportuno, dano, risco.
Ora, mas Jesus Cristo pode representar um risco aos cristãos? Eu responderia à pergunta que sim e que não. Depende! Se o cristão for autêntico, a resposta é não! Se o cristão for pseudo, a resposta é sim!
Infelizmente, Jesus Cristo tornou-se, desde ainda em vida humana, inconveniente para muitos de seus seguidores. Jesus, o Deus Humanado, é inconveniente em toda a sua história de encarnação e humanização e essa inconveniência persiste.
Tudo começa, quando Ele opta por encarnar-se entre os pobres. O problema não se esgota aí vez que Ele não apenas assume a "carne humana" entre os pobres, mas sua alma opta pela simplicidade dos pobres, e finca sua vivência entre os pobres e com os pobres, sendo um deles. Eis aqui a origem de sua inconveniência.
Nunca foi diferente em toda a história da humanidade, em menor ou maior grau, as discriminações desferidas contra os pobres. Essas discriminações sempre tiveram e continuam a ter o objetivo de fazer com que o pobre sinta-se impotente em sua condição, lhe restando apenas ser um serviçal ou lacaio daqueles que se colocam acima dele na "pirâmide social".
Jesus Cristo é inconveniente porque não apenas ensina, senão que ele vive aquilo que ensina. Jesus é a genuína "práxis" em movimento, ou seja, a teoria encarnada na prática e vive-versa. Seus ensinamentos não são palavras vazias ou mortas, ao contrário, as palavras de Jesus são vivas e perigosas porque provocam reações odiosas entre seus oponentes. E como o tempo todo a harmonia da pirâmide social é sustentada em processos alienatórios, não é de se estranhar que entre aqueles que buscam alento no Mestre, também não suportem suas palavras.
Ou seja, Jesus bom é Jesus fazendo "milagres". É Jesus médico das almas. É Jesus preocupado em perdoar os purgamentos dos pecadinhos de seus fieis. É o Jesus feliz com as esmolas dadas hoje como desencargo de consciência diante de uma realidade que continuará a necessitar de esmolas.
Jesus é direto, fala a linguagem do povo. Uma linguagem fácil de ser compreendida. Muito diferente da linguagem dos doutores daquele tempo que podiam encantar o ouvinte mais pela arte de falar do que por aquilo que o ouvinte era capaz de compreender, pois quase sempre o ouvinte não entendia nada.
Mas, esse Mestre galileu incomoda. Ele fala de coisas que fazem a pirâmide social estremecer. Ele é pura inconveniência!
Não é de se estranhar que Paulo de tarso - da região romana da Cilícia, o também conhecido pelo nome de Saulo, foi um dos primeiros, que não tendo convivido com Jesus Cristo, deu início a uma descaracterização aos ensinamentos de Jesus, o espiritualizando, como alguém que se encarregava de desumanizá-lo, desencarná-lo. Ou seja, estava encarregado de fazer um Jesus adaptado aos diversos gostos. Um Jesus conveniente. O importante era aumentar o número daqueles que passavam a ser denominados de Cristãos.
Por isso mesmo, se objetivarmos compreender como se comportam as igrejas cristãs de nossos tempos, ou como se comportou a Igreja Católica, do tempo em que o Império Romano já dava sinais de decadência, quando a hora era de tornar-se refém ad aeternum nas mãos dos ricos e poderosos, que eram simbolizados no imperador de Roma Constantino I, necessitaremos especular filosoficamente como foi que Jesus passou de inconveniente para conveniente.
Teremos a oportunidade de muitos outros textos nos quais pretendo tratar desse aspecto em particular. Mas hoje, pretendo finalizar este texto centrando a reflexão no aspecto da inconveniência de Jesus Cristo que mais testemunha contra os cristãos das mais diferentes matizes.
Ou seja, o Jesus inconveniente é a causa das muitas conveniências que dividem os cristãos em tantas associações marcadas pelo espírito de competição, doutrinas moralizantes e justificadoras das cruéis desigualdades sociais e culturais, centrando as vidas dos cristãos na busca de "bençãos" ou para ter vida "boa" aqui nesse mundo natural, ou pelo menos uma vida "boa" lá na outra dimensão "platônica".
No Evangelho de João encontramos a seguinte passagem que muito elucida esse problema: "Eu lhes tenho transmitido a tua Palavra, e o mundo os odiou, porque eles não pertencem ao mundo, como Eu não sou do mundo".
É preciso compreender aqui que Jesus está falando de mundo no sentido metafórico para rechaçar o "espírito do mundo". Hoje podemos claramente chamar de "espírito capitalista". Este "espírito" é anticristão porque alimenta-se da exploração, da desigualdade, da concentração de riquezas, do egoísmo, do individualismo. Não pertencer a esse "mundo" é boicotar esse "espírito" do mal que cega, que "entorpece". Em outros textos retomarei este problema ao refletir como é que as igrejas de hoje distantes dos ensinamentos de Jesus fundam suas existências no culto ao "espírito do mundo".
Mas, Jesus segue seu diálogo com o Pai: "Não oro para que os tires do mundo, mas sim, para que os protejas do príncipe deste mundo".
Talvez este seja de fato um milagre a ser esperado. O "príncipe do mundo" parece reinar nas vidas de muitos cristãos que esvaziados dos ensinamentos de Jesus, vivem errantes orientados por "falsos pastores" que constroem discursos alienantes e ilusórios mantendo os cristãos impotentes, como massa social adestrada ao silenciamento e serviçais dos interesses políticos e econômicos dominantes. Ora, não foi justamente contra isto que escreveram os grandes pensadores do início da Modernidade e da era das Luzes? Não foi justamente a reivindicação da autonomia da razão que perseguiam? Escreverei outros textos na tentativa de pensar, para compreender como o "príncipe deste mundo" esvazia os ensinamentos de Jesus inflando a importância dos escritos de Paulo de Tarso e outros do Novo Testamento e de personagens bíblicas do Velho Testamento, em um resgate explícito de uma "teologia da retribuição" contra a qual tanto Jesus pregou ao irar-se contra os hipócritas de seu tempo que buscavam também construir uma "pirâmide da santidade" semelhante à cópia da "pirâmide social".
Continuou Jesus: "Eles não são do mundo, como também Eu não sou. Santifica-os pela tua verdade; a tua Palavra é a verdade".
Ora, como alguém pode entender que as desigualdades sociais nas quais está mergulhado o povo pode ter sua "harmonia" sustentada na verdade? O Capitalismo é claramente um sistema econômico sustentado na mentira, na manipulação, na venda de ilusões. Quando as igrejas encontram-se nesta dinâmica elas passam ao culto da "mentira" e não da Verdade, que é Jesus Cristo.
A mentira perde o foco da totalidade, faz com que as pessoas fragmentem a realidade e vivam em função de um eu, substancialmente egocêntrico. A religião neste contexto transforma-se em um conjunto de "empresas" que oferecem "produtos" para seus fieis (que se assemelham a clientes).
Desumanizados, os cristãos então deixam seu potencial de transformar as estruturas sociais, tornando-se completamente anêmicos ao ponto de não fazerem qualquer diferença na sociedade das massas. Vez em quando um ou outro cristão aparece entre eles tão inconveniente como o Jesus Cristo, no qual os alienados afirmam acreditar.
A mentira perde o foco da totalidade, faz com que as pessoas fragmentem a realidade e vivam em função de um eu, substancialmente egocêntrico. A religião neste contexto transforma-se em um conjunto de "empresas" que oferecem "produtos" para seus fieis (que se assemelham a clientes).
Desumanizados, os cristãos então deixam seu potencial de transformar as estruturas sociais, tornando-se completamente anêmicos ao ponto de não fazerem qualquer diferença na sociedade das massas. Vez em quando um ou outro cristão aparece entre eles tão inconveniente como o Jesus Cristo, no qual os alienados afirmam acreditar.
Jesus não convida seus seguidores a serem 'papagaios' do "príncipe do mundo", mas para viverem como ele viveu: "Da mesma maneira como me enviaste ao mundo, Eu os enviei ao mundo. Em benefício deles Eu me consagro, para que igualmente eles sejam consagrados pela verdade. Não oro somente por estes discípulos, mas igualmente por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como Tu estás em mim e Eu em Ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste".
Jesus nunca se cansa de ser inconveniente e agora diz explicitamente que a unidade daqueles que são verdadeiramente seus será o maior testemunho de que Deus é com eles.
Deus é a "comunidade perfeita" na qual devem se espelhar os verdadeiros cristãos. Cristão entendido aqui não como aquele que está associado a uma igreja, que paga dízimo, que frequenta cerimônias, nada disso! Aliás, para ser cristão não há necessidade disso. Muitas vezes, igrejas até mais atrapalham que ajudam.
O verdadeiro cristão é aquele que luta contra o "príncipe deste mundo" com as armas da autonomia racional, que faz do amor uma verdade vivenciada nas relações com seus irmãos, que compartilham daquilo que possuem com os despossuídos, que torna-se a voz, as mãos, os pés, daqueles que foram violentados pelo "espírito do mundo" e que já não possuem a dignidade humana respeitada nem em sua dimensão material sendo-lhes negados os direitos à moradia, à saúde, à educação, ao alimento; nem em sua dimensão espiritual sendo-lhes negados os direitos de serem aquilo que são na essência existencial, o livre pensar, o livre sentir, o livre associar-se, e outros.
O verdadeiro cristão ama, o verdadeiro cristão aprende a viver na diversidade humana, o verdadeiro cristão é feliz, é luz, é paz. É um militante da vida contra as forças do mal, contra a alienação, contra os opressores!
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