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FILOPARANAVAÍ

domingo, 9 de dezembro de 2018

JESUS CRISTO, UM DEUS INCONVENIENTE PARA OS CRISTÃOS? (FILOSOFIA DA RELIGIÃO) _ Parte 2

JESUS O DEUS INCONVENIENTE NOS CONVIDA A AMAR NOSSOS INIMIGOS SE REALMENTE DESEJAMOS SER DE DEUS...  e este, é um mandamento insuportável para muitos cristãos veneradores dos textos do 'Velho Testamento', onde prevalece a imagem de um Deus impiedoso e sanguinário com os inimigos dos considerados membros do "povo de Deus". 

Lá naquele contexto histórico antigo, os inimigos são eliminados pelos líderes ungidos do Deus guerreiro e o povo puro separa-se dos considerados impuros. É a velha ideia dos puros e impuros, salvos e condenados. É a velha teologia da Retribuição - faça isto que Deus lhe dá aquilo. 


Na dinâmica do Velho Testamento o ódio tem o poder de descaracterizar Deus em sua essência: O amor gratuito! A misericórdia infinita! 


Há um tesouro ainda a ser explorado na Teologia Católica, um tesouro muito reprimido pelos mandatários dessa instituição tamanho a inconveniência das verdades que essa teologia faz emergir aos nossos olhos e compreensão racional.

Uma das preciosas obras da chamada 'Teologia da Libertação', é do teólogo Leonardo Boff, uma das mentes pensantes mais brilhantes de nossos tempos. 

Sua obra "Jesus Cristo Libertador", deveria ser lida por todos aqueles que desejam ampliar sua compreensão a respeito de Jesus entre os humanos  como humano que foi (Jesus Cristo Libertador. 21 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2012 (a primeira edição é de 1972)).

"Amar os inimigos" é um mandamento revolucionário de Jesus, em conexão à Lei de Ouro, que encontra-se em semelhança praticamente em todas as religiões conhecidas  do mundo mesmo antes da "encarnação" de Jesus - "Não fazer ao próximo o que não é desejado a si mesmo".

"Amar o inimigo" é um mandamento que obriga objetivamente a nos esvaziarmos de nós mesmos, de nosso egoísmo, de nosso individualismo, de nossas indiferenças ao que acontece ao nosso próximo. 

Encontramos aqui, o ato máximo de nossa humanização. O homem capaz disso abre-se ao infinito em Deus. Poderíamos dizer que entregar-se, dedicar-se ao processo de humanização é senão que a chave para o ingresso a esse infinito onde encontra-se Deus mesmo. Boff lembra que, “O homem pode, pelo amor, abrir-se de tal modo a Deus e aos outros, que chega a esvaziar-se totalmente de si mesmo e plenificar-se na mesma proporção pela realidade dos outros e de Deus. Ora, isso se deu exatamente com Jesus Cristo” (p. 221).

É reveladora a frase de Boff que sinaliza para a ideia de que humano como foi Jesus "só poderia ser Deus mesmo!” (p. 193). 

O homem comum parece fugir a todo tempo de sua humanidade em busca de algo transcendental, porém, desconectado dessa humanidade. Parece buscar ser uma espécie de "deus" sem antes experimentar ser humano em sua dimensão mais profunda.


Esse homem comum parece não superar os limites de uma cosmovisão mítica, prefere alienar-se na escuridão de sua ignorância e buscar por uma ilusão que o joga em um labirinto sem fim.

A cultura capitalista favorece essa busca. Ela faz com que o homem comum troque facilmente o SER pelo TER. E nesta dinâmica é impossível ocorrer qualquer possibilidade de humanização.

Orientado pelo "espírito capitalista" o homem comum fecha-se em si mesmo, mergulha-se em uma veneração de si mesmo, torna-se indiferente com as necessidades do outro. Em uma sociedade capitalista marcada pelas desigualdades em todos os sentidos, esse homem comum perde a dimensão da gratuidade e relaciona-se com os outros humanos, com a natureza e com Deus, sempre em uma dinâmica de "comércio". 

No "espírito capitalista" todos igualam-se a comerciantes de "produtos". Não há espaço para a gratuidade e isto desfavorece qualquer possibilidade de humanização. O TER ocupa todos os espaços possíveis da vida e, inclusive, com Deus, o homem comum também faz "comércio".

As igrejas, de nossos tempos, não estão cheias porque a maioria de seus fieis buscam aprender a amar mais e melhor seus semelhantes como testemunhas do amor de Jesus, o Deus inconveniente. Ao contrário, as igrejas viraram centros comerciais da "Fé". Vendem de tudo, de cantores gospeis à milagres de todas as espécies.

De Jesus, o que parece ainda ter algum valor é o uso de seu nome para 'carimbar' os milagres.

Os ensinamentos de Jesus para que seus seguidores transformem esse mundo de injustiças, violências, ódio... em um mundo pleno de paz, igualdade, liberdade, amor, solidariedade... parecem ter perdido completamente o valor. Basta uma leve observação nos cultos e missas para constatarmos esta catástrofe cristã nos próprios 'discursos' dos líderes religiosos. 

É verdade que ainda há, e sempre houve em toda a história, os líderes religiosos 'profetas', que levantando suas vozes, tornam-se a própria voz de Deus gritando onde há injustiças. É lastimável o fato de que eles são poucos, quando não são poucos aqueles que se colocam de imediato na tarefa de calá-los porque esses profetas os deixam nus diante do Jesus inconveniente.

Na obra "Jesus Cristo Libertador", de Boff , podemos ler esta outra passagem muito elucidativa: “Todas as vezes que o homem se abre para Deus e para o outro, sempre que se realiza verdadeiro amor e superação do egoísmo, quando o homem busca justiça, solidariedade e perdão, aí se dá verdadeiro cristianismo e emerge dentro da história humana a estrutura crística” (p. 269s).

"Amar os inimigos" poderá parecer para muitos impossível - o amor de Jesus parece ser uma loucura, logo, ser cristão de verdade não é para todos aqueles que querem ou desejam, é preciso a aplicação de uma racionalidade para além do afeto, é preciso humildade para acada dia recomeçar lançando-se na "noite escura" do amor transformador. 

E é de se considerar também que muitos  homens (mulheres) conseguirão viver plenamente esse processo de humanização aplicando corretamente seus afetos quando compreendem claramente a mensagem do Mestre. Podemos dizer que é por meio de um empurrão do Espírito da Verdade e da Vida. Outros, porém, tendo o afeto paralisado pela cegueira capitalista jamais serão capazes nem pelo afeto e nem pela racionalidade de superar objetivamente tamanho desafio.

As igrejas na verdade não ajudam muito. Ao contrário, elas tornam os homens (mulheres) nela congregados verdadeiros receptores de comandos de seus líderes. 

Como bem assinalava Friedrich Nietzsche - 1844 -1900, a vitória do Cristianismo é a vitória do ressentimento, do pecado, da vitória da morte contra a vida, do deslocamento da vida para o nada. (NIETZSCHE, Friedrich. O Crepúsculo dos Ídolos, ou como filosofar a golpes de martelo - pode baixar PDF aqui https://www.elivrosgratis.com/

Mas como fazer a vida se sobrepor à morte? Como fazer com que a Justiça enfraqueça a injustiça? Como levar o Amor a vencer o Ódio? Como suplantar a violência e as guerras pela Paz? 

Boff lembra-nos que nosso modelo deve ser Jesus, com sua paciência existencial diante das desumanidades: "como aquele homem que já atingiu a meta do processo de humanização do homem” (p. 271).  Complementando essa ideia de Boff sobre a humanização de Jesus como modelo a ser por nós copiado: “O homem mais perfeito, completo, definitivo e acabado é aquele que pôde identificar-se e ser-um com o Infinito. Ora, Jesus de Nazaré foi aquele ser humano que realizou essa possibilidade humana até o extremo e assim logrou chegar à meta da hominização. Porque foi de tal forma aberto a Deus a ponto de ser totalmente repletado por Ele, é que deve ser chamado de Deus encarnado” (p. 272s).

Voltemos à máxima "Amar os inimigos" daquele Deus inconveniente justamente para o que desejam e buscam por um cristianismo light, ou seja, leve, descomprometido, individualista, espiritualista, consolador, como refugio, em última análise, desencarnado.

No Evangelho de Lucas é que encontramos a passagem mais esclarecedora desse mandamento do Deus inconveniente: 

"Mas eu digo a vocês que estão me ouvindo: Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam, abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os maltratam. Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém tirar de você a capa, não o impeça de tirar a túnica. Dê a todo aquele que pedir, e se alguém tirar o que pertence a você, não lhe exija que o devolva. Como vocês querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles. "Que mérito vocês terão se amarem aos que os amam? Até os pecadores amam aos que os amam. E que mérito terão se fizerem o bem àqueles que são bons para com vocês? Até os pecadores agem assim. E que mérito terão se emprestarem a pessoas de quem esperam devolução? Até os pecadores emprestam a pecadores, esperando receber devolução integral.  Amem, porém, os seus inimigos, façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem esperar receber nada de volta. Então, a recompensa que terão será grande e vocês serão filhos do Altíssimo, porque ele é bondoso para com os ingratos e maus. Sejam misericordiosos, assim como o Pai de vocês é misericordioso."

Mais claro que aquilo que está no texto de Lucas , impossível! Mas, para compreendê-lo é preciso considerar o contexto. 

Jesus vive em uma sociedade nada diferente da nossa, ou para não cometermos exageros, com muitas semelhanças à nossa. 

A religião faz comércio a partir da "fé" ingênua do povo e o explora nos templos, a alienação política é grande e Roma explora os palestinos com altos impostos, a situação política é tensa com a presença dos soldados romanos vigiando o cotidiano dos palestinos, a pobreza do povo é grande, as diversas discriminações humanas são uma constante, a violência é o "pão de cada dia" de Jesus e seu povo, e a 'Lei do Talião' ditava as penas aos 'criminosos'.

Como nos dias de hoje, com um Judiciário parcial, ou seja, seletivo, aquilo que naturalmente deveria ser usado para fazer justiça, muitas vezes é instrumento gerador de mais injustiças. É a justiça medida pela 'conta bancária'.

E amar o inimigo pressupõe  inclusive ajudá-lo a perceber que violência não se retribui com mais violência. Ao contrário, ao negar-se a retribuir com violência você desarma seu inimigo, rompendo assim com o ciclo natural da violência. 

O Amor proposto por Jesus é um grande desafio justamente porque ele nos incomoda, ele nos compromete com o próximo. Mas quem é este próximo? Todo e qualquer ser humano. Não importa quem, mesmo aquele que possamos considerar nosso inimigo, ameaça concreta à nossa existência. 

O "espirito" cristão não pode comungar do "espírito" capitalista. Eles são antagônicos em essência. Por isso, a religião cristã de nossos tempos tem afastado-se tanto dos ensinamentos de Jesus. 

A religião cristã de nossos dias não suporta este Deus inconveniente. 

A moral cristã atualmente, por sua vez, continua sendo sexista, homofóbica, machista, intolerante com outras crenças, discriminatória de outros modelos estruturais da instituição família que não aquele burguês comprado como cristão. 

As instituições religiosas cristãs no campo político não conseguem ser a voz do povo tornando-se cúmplices dos opressores em nome da harmonia social. Há vozes dissonantes entre os cristãos, verdadeiros profetas, mas os ecos de seus gritos são abafados pelos sons do espiritualismo desencanado da realidade material e social no qual foram jogados os cristãos.

O Papa Francisco teria afirmado em algum momento de seus discursos que preferia ateus coerentes a católicos hipócritas (leia mais dando clique aqui)

A hipocrisia também  era algo que incomodava e muito a Jesus. E hoje, não nos é difícil perceber o quanto os cristãos chegam a flertar com o ódio negando sua essência cristã. 

A vitória do fascista nas urnas do pleito eleitoral de 2018, no Brasil, demonstrou claramente este entrave dicotômico. Os votos daqueles que se autodenominam cristãos foi um voto a favor do ódio contra os pobres, gays (LGBTTIQ+), não cristãos, e outros.

Em uma sociedade violenta e desigual socialmente como a nossa, ser cristão é um desafio incomensurável. 

Quem são os nossos inimigos? Os LGBT`s? Os que possuem diferentes gêneros e orientações sexuais? As famílias que não se encaixam no modelo  heterossexual? Os indígenas que buscam sobreviver à ganância branca faz mais de 500 anos? As crenças de origens africanas? As mulheres que já não se submetem aos caprichos machistas? Homens e mulheres que cultivam ideologias socialistas-comunistas? 

Como amá-los?  

Um dos caminhos é buscar mais conhecimento, dissipando preconceitos histórico-culturais e aprendendo a conviver com a diversidade em meio à natural pluralidade humana.

Há muitos inimigos durante uma vida toda. Quem são eles? Os que nos roubam nas ruas? Os que matam nossos entes queridos? 

Como podemos amá-los? 

Nos libertando dos bens materiais que perdemos. Não nos tornando iguais. Lutando por justiça social, melhor distribuição de nossa riquezas.

E os nossos governantes? São nossos inimigos? Sim, são sim. Podem ser amigos ou inimigos de acordo com o politólogo Norberto Bobbio (1909-2004), ao falar de política objetivamente em sua obra 'Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos Clássicos'. 

Devemos amar nossos governantes? Sim, devemos. Mas não necessariamente um amor afetivo, abobalhado. Precisa ser um amor racional, objetivo, político. 

Os integrantes do MST - Movimento dos Sem-Terra, por exemplo, quando lutam por terra para sobreviver lutam ao mesmo tempo por igualdade no campo, estão fazendo um grande ato de amor aos governantes que fazem vistas grossas à concentração escandalosa de terras nas mãos de poucos em detrimentos de maiorias. Portanto, também é um ato de amor aos egoístas homens e mulheres concentradores de terras. 

Há terras para todos e nada justifica uma minoria ser detentora da maioria das terras agricultáveis disponíveis. A vida precisa vencer a morte, a luta coletiva precisa vencer egoísmo.

Vencer o ódio pelo amor! 
Deste mandamento nenhum cristão pode fugir., pois fugindo foge literalmente em todos os sentidos de Jesus Cristo, o Deus inconveniente!


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