LIBERDADE
CONCEPÇÃO
SARTREANA
O conceito sartreano de liberdade: implicações éticas
Nota: O conceito sartreano de liberdade: implicações éticas, é uma artigo de Márcio DANELON, que muito pode nos ajudar na compreensão daquilo que Jean-Paul SARTRE entendia por Liberdade, bem como também aquilo que Sartre entendia serem as consequências da prática concreta desta liberdade em nosso cotidiano existencial.
RESUMO
Partindo do pressuposto de que a liberdade constitui-se num dos principais problemas da nossa civilização, pois diz respeito aos limites da vida coletiva, levantamos como hipótese a possibilidade de tomarmos como parâmetro para a reflexão sobre a liberdade o pensamento do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre.
Dessa forma, o presente artigo tem por objetivo principal remontar ao conceito sartreano de liberdade e levantar, com fundamento na letra sartreana, os problemas éticos oriundos desse conceito.. Para tanto, efetivaremos um estudo sobre a obra de Sartre O Ser e o Nada, texto no qual, primeiramente, o filósofo francês desenvolveu seu conceito de liberdade.
Palavras-Chaves: liberdade – escolhas – comportamento – alteridade - individualidade
O presente artigo tem por objetivo principal estudar o conceito sartreano de Liberdade desenvolvido pelo filósofo francês em O Ser e o Nada. Através desta obra, Sartre deu rica contribuição à filosofia existencialista que estava se desenvolvendo na Europa, a tal ponto que, na segunda metade do século XX, Sartre foi considerado o principal teórico do existencialismo francês. (Conforme FORTES, p. 14. In: SARTRE, 1986). A filosofia existencialista de Sartre, presente em seus textos filosóficos e em seus romances e peças de teatro, exerceu profunda influência nas gerações da década de 40, 50 e 60, a tal ponto que se transformou em ícone inspirador do contestador movimento estudantil da década de 60.
Transcendendo o cenário europeu, o pensamento de Sartre exerceu, igualmente, influência no Brasil. O conhecido movimento artístico "Tropicalismo" ocorrido no Brasil, principalmente através da música, teve influência decisiva do existencialismo sartreano e suas idéias de engajamento político, liberdade etc. (Conforme ALMEIDA, 1998, p. 42). Nesse mesmo contexto, diversas peças de teatro de autoria sartreana foram montadas e encenadas no Brasil. (MOUTINHO, 1995, p. 80).
Se, por um lado, a literatura sartreana teve grande destaque nos meios artísticos brasileiros, a mesma intensidade de massificação não ocorreu com sua filosofia. Esta ficou mais conhecida pelos chavões espalhados aos quatro cantos do que pelo rigorismo da pesquisa, haja vista as principais obras de filosofia de Sartre, O Ser e o Nada e Crítica da Razão Dialética não são muito conhecidas no Brasil. O texto O Ser e o Nada, publicado em 1943 na França, teve no Brasil sua tradução e publicação somente em 1997, e a obra Crítica da Razão Dialética ainda não foi traduzida e editada no Brasil. Nem a famosa visita de Sartre ao Brasil - UNESP Araraquara/1960 - serviu de motivo para a democratização da filosofia sartreana. Essa demora injustificada na tradução do pensamento de Sartre prejudicou consideravelmente a formação de pesquisadores e divulgadores da filosofia sartreana. Dessa forma, até meados da década de 90, o estudo da filosofia de Sartre ficou mais circunscrita ao pós-graduação do que a graduação. Assim, se, nesse sentido, a filosofia de Sartre continua a exercer grande fascínio no jovem estudante de filosofia, tal fascínio é, infelizmente, satisfeito mais pelo "ouvi dizer", pelos chavões e comentadores da obra sartreana do que pelo rigoroso debruçar-se sobre os textos filosóficos de Sartre.
Pensar a problemática da liberdade implica em refletir sobre a própria condição humana de um ser que vive em comunidade, pois transpassa a própria fundamentação do coletivo, uma vez que a coletividade implica em homens compartilhando do mesmo espaço, das mesmas crenças, de afazeres, e, talvez, dos mesmos objetivos de vida.
A liberdade está no cerne da vida coletiva na medida em que viver no público significa conviver com o outro, ou seja, em toda a vida social é subjacente à relação entre o EU e o OUTRO. Ora, é exatamente nesta relação EU-OUTRO, fundante e fundamental da vida social, que encontramos, inerente a esta relação, o problema da liberdade. Assim, nas relações interpessoais, podemos questionar quais os limites da minha liberdade sobre o outro e a do outro sobre a minha? Quais os valores subjacentes à ação livre são necessários para a convivência com o outro? O modo de vida do outro impõe limites à minha liberdade, e até que ponto esta limitação constitui-se num Bem para mim? E, se ao afirmar livremente minha forma de viver, e em decorrência desfrutar de momentos felizes, esta forma acarretar um dano ao outro? Este dano é um Bem para mim, pois afirma a minha felicidade, mas é um Mal para o outro, pois lhe trás dores. Como, então, conviver com esta situação? Até que ponto ser livre para agir não implica no fazer do outro um meio para a minha liberdade? O sentimento de ódio, e suas decorrências como a vingança, a luta, o assassinato, não são inerentes ao relacionamento EU-OUTRO, na medida em que o OUTRO impõe limites à minha liberdade, a minha felicidade e ao meu prazer, e por isso, odiamos o OUTRO e desejamos exterminá-lo? Estaria certa a afirmação sartreana de que “O inferno são os outros” na peça teatral Hui clos (Entre Quatro Paredes)
Pensar a questão da liberdade no horizonte dessas interrogações, significa refletir sobre a própria situação conflitiva entre os homens na sociedade. Em outras palavras, se vivemos num mundo permeado de violência, onde esposos e pais espancam suas mulheres e filhos, homens estupram mulheres e crianças, psicopatas fazem da morte a realização da vida, sádicos gozam ao fazer o outro sofrer, tais situações encontram-se no cerne do problema da liberdade, pois, até que ponto o homem é livre para atuar sobre o outro? Quais os limites morais e religiosos, à liberdade dos desejos humanos?
Saindo do âmbito social, a problemática da liberdade circunscreve-se também no topos humano, ou seja, na interioridade e subjetividade do homem. Se não, vejamos. Na relação EU-OUTRO, o EU possui, em sua consciência, valores, desejos, objetivos de vida e ideais em relação ao OUTRO. Por sua vez, o OUTRO também alimenta em sua consciência valores, desejos e objetivos em relação ao EU. Neste contexto de con-vivência, freqüentemente os desejos e objetivos do EU não estão alinhados com os desejos e objetivos do OUTRO, assim, toda a relação está imbuída de conflitos.
Por outro lado, a felicidade do EU implica na realização dos seus desejos e objetivos que, por sua vez, estão em desacordo com os desejos e objetivos do OUTRO, assim, dois caminhos restam ao EU: afirmar a sua liberdade e ser feliz, causando ao OUTRO um dano (físico, moral ou psíquico) e fazendo dele um simples meio e objeto a sua felicidade, ou negar a sua liberdade em respeito ao OUTRO e, com isso, abrir mão de sua felicidade, não realizando seus desejos e objetivos. Dessa forma, a questão da liberdade não implicaria na felicidade e bem-estar de um e, paralela a esta felicidade, num dano ao outro? Ou então, a convivência entre os homens não implica numa mútua negação da liberdade e, paralela a esta negação, a mútua infelicidade humana? Em outras palavras, conviver em sociedade trás em seu bojo a anulação da liberdade e dos desejos e, com isso, a infelicidade humana? O mal-estar em nossa civilização não estaria no cerne da negação da liberdade humana? Ou na afirmação da liberdade?
Em suma, parece-nos que temos uma aporia na questão da liberdade, pois afirmar a liberdade humana implica na realização de um, mas, também, na infelicidade do outro, pois os valores, desejos e objetivos são discordantes. Por outro lado, negar a liberdade humana implica na mútua insatisfação e infelicidade, pois ambos negam seus desejos, valores e objetivos. Parece-nos, também, que uma terceira via, em que o EU dispensa alguns dos desejos para se entender com o OUTRO, e o OUTRO fazendo também o mesmo para sustentar a relação, está fadada ao fracasso, pois não existe ser humano meio feliz ou meio realizado. Assim, essa terceira via implica no naufrágio de ambos no oceano das frustrações e desejos reprimidos.
Tendo como cenário estas e outras inúmeras interrogações, fica levemente mais claro que a liberdade constitui-se num grande problema para se refletir filosoficamente. É neste cenário também que este artigo convida, para o debate em torno da liberdade, o filósofo francês Jean-Paul Sartre. Como é sabido, Sartre foi um dos teóricos mais respeitados do existencialismo e um dos pensadores mais engajados nos movimentos sociais dos anos 60 e 70. Assim, pela sua teoria filosófica, pela sua militância política ou pelas suas peças teatrais e romances, Sartre realizou, ao longo de sua obra, reflexões em torno da liberdade, contribuiu decisivamente para a melhor explanação desse conceito. No campo da filosofia, foi em sua obra monumental “O Ser e o Nada” que desenvolveu, num primeiro momento, a temática da liberdade. Sobre a liberdade, Sartre a retomaria em outras obras menores e na outra grande obra, que marca a segunda fase do filósofo francês, a Crítica da Razão Dialética.
Vale aqui levantar algumas considerações em torno do conceito sartreano de liberdade. A liberdade é, em Sartre, a liberdade do sujeito. A noção de sujeito abarcada na filosofia sartreana é de fundamental importância para seu conceito de liberdade, uma vez que a liberdade somente é liberdade de um sujeito cuja consciência é autônoma para escolher, ou seja, é intencional. Dessa forma, o sujeito livre sartreano é o sujeito moderno elaborado na esteira da filosofia cartesiana, na medida em que Descartes promulgou a liberdade do pensar e da consciência do sujeito. Nessa perspectiva declara Sartre no Existencialismo é um Humanismo:
Como ponto de partida não pode existir outra verdade senão esta: penso, logo existo; é a verdade absoluta da consciência que apreende a si mesma. Qualquer teoria que considere o homem fora desse momento em que ele se apreende a si mesmo é, de partida, uma teoria que suprime a verdade pois, fora do cogito cartesiano, todos os objetos são apenas prováveis e uma doutrina de probabilidades que não esteja ancorada numa verdade desmorona no nada; para definir o provável temos de possuir o verdadeiro. (SARTRE, 1987, p. 15).
A liberdade aparece, então, como a condição fundante do sujeito:
Certamente, eu não poderia descrever uma liberdade que fosse comum ao outro e a mim; não poderia, pois, considerar uma essência de liberdade. Ao contrário, a liberdade é fundamento de todas as essências, posto que o homem desvela as essências intramundanas as transcender o mundo rumo às suas possibilidades próprias. (SARTRE, 1999, p. 542).
Certamente, eu não poderia descrever uma liberdade que fosse comum ao outro e a mim; não poderia, pois, considerar uma essência de liberdade. Ao contrário, a liberdade é fundamento de todas as essências, posto que o homem desvela as essências intramundanas as transcender o mundo rumo às suas possibilidades próprias. (SARTRE, 1999, p. 542).
Ou seja, o homem é homem pela sua condição de ser livre. O homem faz-se afirmando suas escolhas livres, assim, o homem é produto de sua liberdade, pois é na ação livre que o homem escolhe seu ser, que se constrói enquanto sujeito. Por outro lado, no mundo da natureza não há liberdade, mas o determinismo dos instintos; assim, falar no humano, desde uma ótica sartreana, é falar num ser que quotidianamente escolhe as ações que faz. Dessa forma, toda ação, escolha, objetivo ou condição de vida são produtos da liberdade humana. Assim, a liberdade deixa de ser uma conquista humana, para, segundo Sartre, ser uma condição da existência humana. Cito:
Com efeito, sou um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única temporaliza-se como liberdade [...] Assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente a textura de meu ser... (SARTRE, 1999, p. 542/543).
Nessa perspectiva, a consciência do homem, ou, na terminologia sartreana, o Para-Si, não é algo prontamente determinado, mas, ao contrário, o EU ou a consciência faz-se ao lançar-se no futuro, na concretização das escolhas no futuro, dessa forma, a consciência é preenchida pela liberdade. Em outras palavras, a liberdade é a textura que fundamenta o vazio da consciência, ou seja, o homem é aquilo que sua liberdade formar:
... a liberdade é fundamento da existência e esta se traduz pela necessidade do para si ser constantemente escolha, onde não há uma distância abissal entre liberdade e escolha. O conceito de escolha aparece como a tessitura da subjetividade, pois o sujeito escolhe a si mesmo, escolhendo-se como subjetividade que se quer livre... (LIMA, 1998, p. 27)
Para Sartre, o exercício da liberdade nas ações de escolher o que fazer é sempre intencional, é sempre movido por uma vontade consciente dos princípios norteadores dessa escolha e dos fins e conseqüências dessa ação. Na ação livre, o homem é consciente dos princípios de sua ação, porém, e isto é fundamental na obra sartreana, não existem princípios prontos que sirvam de guia para a escolha humana, em outras palavras, não existem valores morais nos quais se possa fundar a ação humana. Cito:
A realidade humana não poderia receber seus fins, como vimos, nem de fora nem de uma ‘pretensa’ natureza interior. Ela os escolhe e, por essa mesma escolha, confere-lhes uma existência transcendente como limite externo de seus projetos. [...] Portanto, é o posicionamento de meus fins últimos que caracteriza meu ser e identifica-se ao brotar originário da liberdade que é minha. E esse brotar é uma existência; nada tem de essência ou propriedade de um ser que fosse engendrado conjuntamente com uma idéia. Assim, a liberdade, sendo assimilável à minha existência, é fundamento dos fins que tentarei alcançar, seja pela vontade, seja por esforços passionais. (SARTRE, 1999, p. 548/549).
Nesse contexto de ausência de princípios norteadores da ação, é consagrada a passagem do texto O Existencialismo é um Humanismo, no qual um jovem pergunta a Sartre se deve ir para a guerra ou cuidar da mãe. E a resposta do filósofo foi de que não existe uma regra, um valor, um modelo, mesmo uma resposta correta ou um conselho que seja exterior a ele e que sirva de parâmetro para a ação. Ou seja, é de total responsabilidade do jovem a escolha que fizer, pois ele é livre para erigir seus valores. Neste sentido, sendo o homem livre para agir e não existindo valores universais que sirvam de referenciais para nossa vida, cabe tão somente ao homem construir os valores norteadores de sua ação, ou seja, é o ser humano, individualmente, e em suas ações concretas, que deve escolher os valores para sua vida. Assim, não existem valores éticos universais para a vida humana como é o caso, por exemplo, no cristianismo ou no kantismo, mas somente a construção real e individual dos valores.
Se esse fins já estão posicionados, o que falta decidir a cada instante é a maneira como irei conduzir-me a relação a eles, ou, dito de outro modo, a atitude que vou tomar. Serei voluntário ou apaixonado? Quem pode decidir senão eu? Com efeito, se admitíssimos que as circunstâncias decidem por mim [...] estaríamos com isso suprimindo toda liberdade... (SARTRE, 1999, p. 549).
Dessa forma, sendo o fim da conduta humana o mais fundamental, cabe aqui uma interrogação, e com elas todos os problemas subjacentes: em Sartre, os fins justificam os meios? Para atingir um fim/objetivo, é lícito usar de quaisquer meios? Para atingir o prazer, por exemplo, é correto utilizar de meios como a violência sobre o outro?
Como afirmamos, as ações livres dos homens visam a um objetivo, porém este objetivo, numa perspectiva sartreana, está ameaçado pelo Outro:
Necessário para mim, o Outro é também um mal- um mal necessário [...] somos, eu e o outro, duas liberdades que se afrontam e tentam mutuamente paralisar-se pelo olhar. Dois homens juntos são dois seres que se espreitam para escravizar a fim de não serem escravizados. (PERDIGÃO, 1995, p. 146/147).
Na vida social, a convivência EU-OUTRO constitui-se numa luta pela supremacia da liberdade:
...pode acontecer que, pela própria impossibilidade de identificar-me com a consciência do outro por intermédio da minha objetividade para ele, eu seja levado a me voltar deliberadamente para o outro e olhá-lo. Nesse caso, olhar o olhar do outro é colocar-se a si mesmo em sua própria liberdade e tentar, do fundo desta liberdade, afrontar a liberdade do outro. Assim, o sentido do preterido conflito será deixar às claras a luta de duas liberdades confrontadas enquanto liberdades. (SARTRE, 1999, p. 473).
Como afirmamos, as ações livres dos homens visam a um objetivo, porém este objetivo, numa perspectiva sartreana, está ameaçado pelo Outro:
Necessário para mim, o Outro é também um mal- um mal necessário [...] somos, eu e o outro, duas liberdades que se afrontam e tentam mutuamente paralisar-se pelo olhar. Dois homens juntos são dois seres que se espreitam para escravizar a fim de não serem escravizados. (PERDIGÃO, 1995, p. 146/147).
Na vida social, a convivência EU-OUTRO constitui-se numa luta pela supremacia da liberdade:
...pode acontecer que, pela própria impossibilidade de identificar-me com a consciência do outro por intermédio da minha objetividade para ele, eu seja levado a me voltar deliberadamente para o outro e olhá-lo. Nesse caso, olhar o olhar do outro é colocar-se a si mesmo em sua própria liberdade e tentar, do fundo desta liberdade, afrontar a liberdade do outro. Assim, o sentido do preterido conflito será deixar às claras a luta de duas liberdades confrontadas enquanto liberdades. (SARTRE, 1999, p. 473).
O Outro é, para a minha ação livre, um mal, pois a liberdade do Outro limita a minha e, mais ainda, é um mal do qual não posso me libertar, pois o outro faz parte do meu Eu, da minha consciência e da minha ação Cito:
Mas se é verdade que o desejo é uma consciência que se faz corpo para apropriar-se do corpo do outro, apreendido como totalidade orgânica em situação com a consciência no horizonte, qual será a significação do desejo [...] A resposta será fácil se pensarmos que, no desejo, faço-me carne na presença do outro para apropriar-me da carne do outro. (SARTRE, 1999, p. 484).
Assim, para realizar meus desejos e minha liberdade, devo fazer do outro um meio, um simples objeto da minha ação livre:
Coloca-me, pois, no último grau de objetividade, no momento mesmo em que posso me crer uma subjetividade absoluta e única, posto que sou visto sem sequer poder experimentar o fato de que sou visto e sem poder me defender, por meio deste experimentar, contra meu ´ser visto´. Sou possuído sem poder voltar-me contra aquele que me possui. Na experiência direta do Outro enquanto olhar, defendo-me experimentando o Outro, e resta-me a possibilidade de transformar o Outro em objeto. (SARTRE, 1999, p. 475).
Por outro lado, o Outro também faz de mim seu objeto. Dessa forma, na liberdade o homem perde sua humanidade tornando-se uma coisa do Outro e fazendo do Outro, igualmente, uma coisa:
O Outro me faz um Ser indefeso perante uma consciência que me julga. A transcendência alheia supera minha transcendência. Diante do Outro sou uma ‘transcendência-transcendida’. De certo modo, somos escravos do Outro que é nosso juiz e nosso senhor. Não temos para onde fugir. Para onde quer que vá, o que quer que faça, o Outro estará presente, mesmo em meu quarto fechado, porque o Outro está encravado no meu próprio miolo (sou um ‘Ser-Para-Outro’). (PERDIGÃO, 1995, p. 145).
Não obstante esta pequena síntese do conceito sartreano de liberdade, retomemos, então alguns pontos:
a liberdade é a condição da existência humana, ou seja, o homem é incondicionalmente livre. Assim, podemos escolher livremente o que fazer. O que pode acontecer a esta liberdade é limitá-la pelo medo, ou seja, abdico de certas escolhas pelo medo de repressão religiosa, moral ou jurídica, mas a liberdade está presente e, sobrepondo-se ao medo, posso agir da forma como desejar;
Nas ações livres do homem não existem valores morais de regência, ou seja, é em cada situação histórica e concreta que o sujeito da ação deverá escolher seus valores e responder por eles;
Nas ações livres dos homens, o outro aparece como um Mal por impor limites à minha ação e um Bem por constituir-se num meio para meus fins. Dessa forma, afirmar a liberdade implica na sobreposição ao outro, transformando-o num objeto da minha liberdade.
Dadas algumas das premissas do conceito sartreano de liberdade, podemos levantar algumas questões. Não estaria, exatamente, neste ideal de liberdade absoluta o cerne de certas violências em nossa sociedade? Não existe violência, entre outros motivos e para além das questões sociológicas, pelo fato de o homem ser incondicionalmente livre para agir, tendo que, talvez, responder pelas suas escolhas? Não existe violência pelo fato de o homem relativizar a sua existência aos valores, eliminando os valores universais como o respeito ao outro, o amor a vida? Não existe violência pelo fato de, quotidianamente, fazermos do outro um meio para o enriquecimento, por exemplo?
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Fernando José. Sartre: é proibido proibir. São Paulo: FDT, 1998.
GILES, Thomas Ransom. História do existencialismo e da fenomenologia. São Paulo: EPU, 1989.
GIORDANI, Mário Curtis. Iniciação ao existencialismo. Petrópolis: Vozes, 1997.
LIMA, Walter, M. Liberdade e dialética em J. P. Sartre. Maceió: EDUFAL, 1998.
MACANN, Christopher. Four fhenomenological pholosophers: Husserl, Heidegger, Sartre, Meleau-Ponty. London: Routledge. 1995
MÉSZÁROS, István. A obra de Sartre: busca da liberdade. São Paulo: Ensaio, 1991.
MOUTINHO, Luiz D. Sartre: existência e liberdade. São Paulo: Moderna, 1995.
OLSON, Robert G. Introdução ao existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 1970.
PERDIGÃO, Paulo. Existência e liberdade. Uma introdução à filosofia de Sartre. Porto Alegre: L&PM, 1995.
SARTRE, Jean-Paul. A conferência de Araraquara. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: UNESP, 1986.
.. O ser e o nada. Petrópolis: Vozes, 1999.
. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1987.
. Questão de método. São Paulo: Abril Cultural, 1987.
. A imaginação. São Paulo: Abril Cultural, 1987.
. Cahiers pour une moralide. Paris: Gallimard. 1983.
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Márcio DANELON, é Mestre em Ética pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP - e Doutorando em Filosofia da Educação na UNICAMP
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