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segunda-feira, 30 de março de 2020

Filosofia da Ciência: CIÊNCIA E MÉTODO CIENTÍFICO

A ciência - O que é ciência 


O carbúnculo, doença infecciosa provocada por bactéria, trazia inúmeros prejuízos aos criadores de gado quando, em 1881, o francês Louis Pasteur se ocupou com o assunto. Levantou a hipótese de que os animais poderiam ser imunizados caso fossem vacinados com bactérias enfraquecidas de carbúnculo. Separou então sessenta ovelhas da seguinte maneira: em dez não aplicou nenhum tratamento; vacinou duas vezes as outras 25, e após alguns dias lhes aplicou uma cultura contaminada por carbúnculo; não vacinou as 25 restantes, mas inoculou a cultura contaminada. Depois de algum tempo, verificou que as 25 ovelhas não-vacinadas morreram, as 25 vacinadas sobreviveram e, comparadas com as dez que não tinham sido submetidas a nenhum tratamento, ficou constatado que a vacina não lhes prejudicara a saúde. 

O método científico 
O exemplo clássico de procedimento científico das ciências experimentais acima referido nos mostra o seguinte: inicialmente, há um problema que desafia a inteligência humana; o cientista elabora uma hipótese e estabelece as condições para seu controle, a fim de confirmá-la ou não. Mas nem sempre a conclusão é imediata, como no caso citado, sendo necessário repetir as experiências ou alterar inúmeras vezes as hipóteses. A conclusão é então generalizada, ou seja, considerada válida não só para aquela situação, mas para outras similares. Além disso, quase nunca se trata de um trabalho solitário do cientista, pois, hoje em dia, cada vez mais as pesquisas são objeto de atenção de grupos especializados ligados às universidades, às empresas ou ao Estado. De qualquer forma, a objetividade da ciência resulta do julgamento feito pelos membros da comunidade científica que avaliam criticamente os procedimentos utilizados e as conclusões, divulgadas em revistas especializadas e congressos. 

A ciência busca compreender a realidade de maneira racional, descobrindo relações universais e necessárias entre os fenômenos, o que permite prever acontecimentos e, consequentemente, também agir sobre a natureza. Para tanto, a ciência utiliza métodos rigorosos e atinge um tipo de conhecimento sistemático, preciso e objetivo. 

Questões sobre o método 
Em tese, o método experimental se caracteriza pelas seguintes etapas: observação, hipótese, experimentação, generalização (lei e teoria). Mas, na prática, o processo não se realiza necessariamente nesta ordem, podendo variar conforme as circunstâncias. Alguns pensadores chegam até a afirmar que os cientistas não seguem propriamente normas metodológicas, por não serem elas de fato verdadeiros instrumentos de descoberta. Mesmo não levando em conta tal posição extrema, é preciso realçar alguns aspectos sujeitos a discussão. Por isso vamos analisar cada etapa. Método vem de meta, "ao longo de", e hodós, "via, caminho". É o percurso que se segue na investigação da verdade, a fim de se alcançar um fim determinado. Na ciência, o método consiste na estrutura racional que permite a formulação e verificação das hipóteses.

Observação e hipótese 
Não é adequado pensar que a ciência começa seu trabalho pela observação dos fatos, só realizando a seleção de dados em fase posterior. Pois são tantos os fatos, que devemos selecionar os mais relevantes; mas como considerar a relevância de um fato, a não ser que já tenhamos algumas hipóteses preliminares que orientem nosso olhar? 

Por exemplo, ao investigar as prováveis causas da Aids, o que deve o pesquisador observar? Evidentemente ele já deve ter de antemão critérios que o auxiliem nessa busca, caso contrário a pesquisa será cega, sem objetivo e destinada ao fracasso. 

Portanto, observação e hipótese se acham sempre relacionadas de maneira recíproca. Se de início a hipótese orienta a seleção dos fatos, em outro momento mais avançado da pesquisa, já tendo sido feito o levantamento dos dados, ela tem o papel de reorganizar os fatos, dando-lhes uma interpretação provisória como proposta antecipada de solução do problema. 

Há muita lenda em torno de qual seria a fonte da hipótese. As pessoas tendem a fantasiar a respeito do ato criador, e imaginam o "cientista genial" fazendo descobertas espetaculares com um passe de mágica. É bem verdade que a formulação da hipótese aproxima o cientista do artista, pois existe intuição e "iluminação súbita" (insight) nas descobertas científicas. Mas não convém exagerar este aspecto, pois sem dúvida ele é precedido por longo trabalho e rigorosa elaboração conceituai, sem o que os "clarões" talvez nem ocorressem ou se dispersassem no vazio. Além disso, para ser científica, a hipótese precisa ser verificada e confirmada pelos fatos e validada pela comunidade intelectual. 

A confirmação da hipótese 
A verificação da hipótese pode ser feita de inúmeras maneiras, dependendo das técnicas disponíveis e também do tipo de ciência. Por exemplo, em astronomia, a confirmação só pode ser feita mediante nova observação dirigida pela hipótese. Também são específicas as formas de verificação de hipóteses referentes à evolução das espécies, à origem do universo ou a um determinado período da história humana. Algumas ciências têm condições de controle mais rigoroso por meio da experimentação. Diferentemente da observação, feita nas condições apresentadas naturalmente, a experimentação é a verificação dos fenômenos em condições determinadas pelo experimentador. 

A importância da experimentação é que ela se faz em condições privilegiadas, permitindo a repetição, variação das condições de experiências e simplificação dos fenômenos, o que torna o controle da investigação mais rigoroso. 

A possibilidade de mensuração e a utilização de instrumentos dão maior precisão à ciência, pois permitem transformar as qualidades em quantidades. Por exemplo, o som é medido em decibéis, a temperatura é verificada na coluna de mercúrio, o peso é indicado pelo movimento da agulha na balança, o que supera as avaliações puramente subjetivas e imprecisas. 

Existe portanto uma reciprocidade entre técnica e ciência, pois, se a técnica é condição de aperfeiçoamento da ciência, por sua vez o desenvolvimento cientifico tem provocado rápida evolução da tecnologia: se os estudos de ótica permitem melhorar os microscópios e telescópios, outros mundos se abrem diante do olhar humano por meio de instrumentos cada vez mais precisos. 

No entanto, a possibilidade de utilização da matemática e da técnica varia conforme as ciências. A física é altamente "matematizável", o que não acontece com as ciências humanas. Embora possam, em algumas circunstân-cias, recorrer às estatísticas, é preciso reconhecer que nem sempre isso é possível (voltaremos ao assunto mais adiante). 

Generalização 
Se a hipótese não for confirmada pela experimentação, o trabalho deve ser recomeçado. Mas, caso o resultado seja positivo, é possível fazer generalizações ou formular leis pelas quais são descritas as regularidades dos fenômenos. 

A grande força do método científico reside na possibilidade de descoberta das relações constantes e necessárias entre os fenômenos, o que permite a previsibilidade e portanto o controle sobre a natureza. 

As leis podem ser de dois tipos: generalizações empíricas e leis teóricas. 

As generalizações empíricas, ou leis particulares, resultam da observação de casos particulares. Por exemplo, "o calor dilata os corpos", "o fígado tem função glicogênica", ou ainda a lei da queda dos corpos, a lei dos gases e assim por diante. 

As leis teóricas ou teorias propriamente ditas são leis mais gerais e abrangentes que reúnem as diversas leis particulares sob uma perspectiva mais ampla. É o caso da gravitação universal de Newton, que engloba as leis planetárias de Kepler e a lei da queda dos corpos de Galileu. A teoria da relatividade de Einstein e a teoria evolucionista de Darwin são outros exemplos. 

Apesar do rigor do método, não é conveniente pensar que a ciência é um conhecimento certo e definitivo, pois ela avança em contínuo processo de investigação que supõe alterações e ampliações necessárias à medida que surgem fatos novos, ou quando são inventados novos instrumentos. 

Por exemplo, nos séculos XVIII e XIX, as leis de Newton foram reformuladas por diversos matemáticos que desenvolveram técnicas para aplicá-las de maneira mais precisa. No século XX, a teoria da relatividade de Einstein desmentiu a concepção clássica de que a luz se propaga em linha reta. A hipótese de que os raios luminosos que passam próximo do Sol sofreriam um desvio foi confirmada por observações durante o eclipse solar de 1919. 

Isso serve para mostrar o caráter provisório do conhecimento científico, sem no entanto desmerecer a seriedade e o rigor do método e dos resultados. Ou seja, as leis e as teorias continuam sendo de fato hipóteses com diversos graus de confirmação e verificabilidade, podendo ser aperfeiçoadas ou superadas. 

DROPES 
Fazemos a ciência com fatos, como fazemos uma casa com pedras; mas a acumulação de fatos não é ciência, assim como um monte de pedras não é uma casa. (Poincaré.) 

Devemos considerar o estado presente do universo como o efeito de seu estado anterior e como a causa daquilo que vai seguir-se. Uma inteligência que, por um instante dado, conhecesse todas as forças de que a natureza é animada e a situação respectiva dos seres que a compõem, englobaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais leve átomo; nada seria incerto para ela, e o futuro, como o passado, seria presente a seus olhos. (Laplace.) 

A ciência se empenha em eliminar tudo o que nela for puramente pessoal. Procura remover tudo o que for único no cientista, individualmente considerado: recordações, emoções e sentimentos estéticos despertados pelas disposições de átomos, as cores e os hábitos de pássaros, ou a imensidão da Via Láctea. (Kneller.) 

Referência Bibliográfica - extraído da obra ARANHA Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Moderna, s.d. p. 95-100

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