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domingo, 16 de dezembro de 2018

JESUS CRISTO, UM DEUS INCONVENIENTE PARA OS CRISTÃOS? (Filosofia da Religião) _ Parte 3

O Natal de Jesus é um "escândalo"!!!
E é Natal de novo! O papai Noel capitalista, as luzes, os presente$, contribuem para ofuscarem nossas vistas, impedindo muitos de verem o menino que brinca em um lugar pobre, em meio aos pobres que lhe ofertam as 'primícias' dos presentes: acolhida, solidariedade, carinho, companhia! 


Ao mesmo tempo que termino a releitura (a primeira eu fiz em fins de 1980) do livro de Eduardo Galeno, na sua primeira edição de 1976 que foi publicada novamente em 1977 e que foi um achado gratificante que fiz na biblioteca de uma amiga (As veias abertas da América Latina: Tradução de Galeno de Freitas, Rio de Janeiro, Paz e Terra), escrevo este artigo no qual pretendo fazer provocações no sentido de explorarmos  na forma reflexiva a força simbólica do Natal de Jesus, o nazareno. 


"O amor de Deus e o amor pelo próximo", não é uma frase que encontra muito eco na cultura construída pelo Sistema Capitalista centrado no Ter e não no Ser. É deprimente constatar como na chegada ao fim de cada ano, o Papai Noel é sempre mais lembrado que o Deus pequenino encarnado entre os homens e pobres deste mundo, que tornou-se plenamente um deles. 

A imagem do 'Papai Noel' nos remete a trocas de presentes, ao comércio, aos lucros dos donos do capital. A simbologia do velhinho é tão grande que faz com que adultos e crianças se regozijem de alegria ao avistá-lo em meio às luzes e canções  de natal.  

Esta constatação nos remete ainda a uma obrigatória reflexão sobre o Natal de Jesus, na perspectiva de suas implicações históricas e sociais e, espirituais também. 

O nascimento de Jesus, em meio aos pobres, foi uma grande desolação para muitos daqueles que aguardavam a vinda do Messias. Imaginavam um "mito" que iria tirar a Palestina das mãos dos opressores romanos e lhes dariam vida boa - material e econômica - fazendo a Palestina passar da condição de oprimida à opressora, comandando o mundo contra seus inimigos. Logo, esperavam e, é natural que esperassem, que o Messias saísse de algum "palácio" e de uma "família de bem", naquela mesma concepção dos moralistas de nossos dias. 

Mas não foi isto o que aconteceu. Ele não apenas nasceu de forma pobre e entre os pobres, ele permanece toda sua vida com os pobres, vive como pobre, entre pobres e morre como pobre.

Jesus não faz apologia à pobreza senão que coloca sua vida toda a libertar o homem da pobreza. 

Sendo pobre por opção, ele conhece essa condição degradante na qual o homem foi jogado pela estupidez humana que concentra nas mãos de poucos as riquezas deste mundo. Jesus demonstra claramente que servir aos pobres é condenar a pobreza como uma condição que desumaniza o ser humano. 

Ser de Deus, estar com Deus, é esvaziar-se de si mesmo em busca do irmão que sofre. 

O critério para saber se alguém é de Deus é o seu comprometimento com a situação do próximo. Isto é o mesmo dizer que todo aquele que se preocupa com o que passa fome, sem moradia, sem terra, sem emprego, sem educação, torturado, prisioneiro... Estando solidário com todos esses corpos que sofrem, com certeza estará verdadeiramente perto de Deus, identificando-se com ele. 

João, discípulo de Jesus, é muito feliz quando escreve que "Ninguém jamais viu a Deus; se nos amamos uns aos outros, Deus está em nós, e em nós é perfeito o seu amor." 

Ora, Deus está no meu irmão e se meu irmão sofre, Deus ali sofre, e se eu amo Deus, vou em socorro de meu irmão porque estou socorrendo Deus mesmo que nele sofre. 

Pode até ser uma lógica cheia de redundâncias de linguagem, mas é assim mesmo! O amor de Deus não é um amor-paixão involuntário de namorados, mas não é preciso ter paixão pelo humano também? Sim, mas sobretudo amor e, o amor de Deus é um amor racional porque inclusive e, sobretudo, inclui entre os destinatários desse amor, nossos inimigos. João bem sintetiza isto ao dizer que "Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor." 

Contraditório e escandaloso é o "cristão" que torna-se cúmplice de políticos que fazem apologia ao ódio, atacam minorias, defendem tortura e morte, e forjam projetos de governos para tornar os pobres mais ainda desassistidos voltando-se totalmente aos interesses dos ricos. João sintetizou muito bem isso ao escrever que "Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?" 

Portanto, o verdadeiro cristão é intolerante com o ódio, com a violência, em todas as suas formas. Deve na mesma medida ser contra a mentira, pois a mentira não pertence a Deus.

Para melhor compreender a opção preferencial de Jesus pelos pobres (o Deus Filho que assumiu a condição humana), o próprio João nos ajuda ao dizer que "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." 

Jesus foi 100% humano e não serviu-se de sua condição Divina, esvaziou-se de suas possibilidades Divinas para realizar plenamente sua humanidade. Assumiu tudo o que é próprio de nossa condição humana e isto é muito consolador. Ele deve ser nosso Mestre nessa vida marcada por tantos sinais cotidianos de mortes. 

É verdade que a religião cristã centrou-se historicamente no "pecado" condenado no sexto mandamento  que faz uma deserotização da vida,  e isso possibilita a dominação das pessoas pelo controle do poder dos instintos humanos. Levando as pessoas a culpabilizarem-se por algo que é natural ao ser humano. Não que não devamos controlar nossos instintos, devemos porque eles possuem algo de irracional. Porém, ao centrarmos nossas forças para controlá-los no mesmo nível do afeto, gastamos energia em algo que por fim acaba em moralismo barato e intolerância com aqueles que como nós não vencem nunca os instintos. Então o sujeito cai na depressão, cai no eterno conflito, cai na solidão e na tristeza.

O pecado maior fica de lado, o pecado das desigualdades sociais sempre ficou de lado, silenciado. As instituições cristãs constroem discursos subservientes diante dos poderosos e pregam uma caridade forjada com esmolas, buscando uma harmonização das condições humanas degradantes com a concentração de riquezas nas mãos de poucos. 

Podemos interpretar essa "esmola" não apenas como parte de nossos bens materiais, mas também culturais. 

"Nunca afastes de algum pobre a tua face e Deus não afastará de ti a sua face". 

Temos que tomar o cuidado de extrair a essência dos livros da Bíblia. Não é uma tarefa fácil porque essa essência encontra-se em meio a muitos acidentes ali adicionados por aqueles que escreveram os textos.   Essa essência porém é vivenciada por muitos membros anônimos ou um e outro que tornou-se conhecido do publico, de fato assumindo a cruz e seguindo Jesus na denúncia da pobreza e de suas causas. 

Pena que as instituições religiosas não seguem nem o exemplo de Jesus profeta e muito menos desses seus filhos, verdadeiros santos (as).

Enfrentar a pobreza pressupõe um grande amor ao próximo, incluindo aí nossos inimigos. 

Deus não tolera a pobreza porque esta representa a marginalização e a eliminação da identidade humana, e negar o humano é negar Jesus que plenamente foi homem. 

A pobreza aniquila qualquer possibilidade de humanização. 

Onde há pobreza é sinal de que Deus se faz ali. Está ali entre os pobres para com eles compartilhar da dor e iluminá-los a encontrar saídas. Está ali para junto com os pobres e suas lutas amolecer os corações petrificados daqueles que estão cegos pela ganância "capitalista". 

A pobreza não é só econômica ou material, ela é complexa. Ela tem muitas manifestações nefastas, ela é política, ela é social, ela é cultural. Os pobres são percebidos por aqueles que acham-se fora dessa categoria classificatória como pessoas insignificantes por muitos motivos: os sem instrução, os habitantes das periferias, ou seja, razões culturais; os negros, os indígenas, as mulheres, os LGBT`s, os estrangeiros. 

Ser pobre é o mesmo que ser nada. 

E aí é que está a revolução proporcionada por Jesus, ele nasce como um pobre, um nada. 

Há uma passagem no livro de Galeano, lá pela página 10, que diz o seguinte: "O sistema (excludente) é muito racional do ponto de vista de seus donos estrangeiros e de nossa burguesia comissionista, que vendeu a alma ao Diabo por um preço que deixaria Fausto envergonhado" (penso que ele está se referindo ao mito de Fausto que firmou-se como um mito moderno, nele o homem estaria disposto a perder-se para saber, para dominar a natureza e conhecer os segredos do universo. Ele representa o anseio humano pelo poder e pelo saber e também que saber é poder. Porém esta versão é fruto de uma longa jornada. Nos primeiros movimentos, quando do surgimento do mito, Fausto buscava só uma vida melhor, facilidades e riquezas, é a literatura que o vai espiritualizando, fazendo com que busque mais a ciência dos que os prazeres terrenos"). Continua Galeano "Mas o sistema é tão irracional para todos os outros que, quanto mais se desenvolve, mais aguça seus desequilíbrios e tensões, suas candentes contradições. Até a industrialização, dependente e tardia, que comodamente coexiste com o latifúndio e as estruturas da desigualdade, contribui para semear o desemprego, em vez de ajudar a resolvê-lo; alastra-se a pobreza e se concentra a riqueza nesta região de imensas legiões de braços cruzados que se multiplicam sem parar". 

E saber que Galeano está se referindo a observações que ele fazia ainda na década de 1970 e que pouca coisa mudou desde então até aqui.

Por isso, fiz uma rápida busca no Google e olha o que encontrei confirmando Galeano. A burguesia atrasada e gananciosa, desumanizada, continua a aprofundar a pobreza no Brasil e no mundo: 

Os aumentos de casos de fome foram registrados principalmente na África e na América do Sul. No Brasil, os números apontam que mais de 5,2 milhões de pessoas (2,5% da população) passaram um dia ou mais sem consumir alimentos em 2017.(LEIA MAIS AQUI); 

O número de brasileiros em situação de extrema pobreza cresceu em 2017, frente ao observado em 2016, segundo dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número de famílias pobres também teve alta: entre aquelas que vivem com menos de R$ 406,00 por mês, o contingente subiu em 2 milhões de pessoas entre 2016 e 2017, chegando a um total de 54,8 milhões de brasileiros nessa situação. (LEIA MAIS AQUI); 

Os 0,9% mais ricos do País detêm entre 59,90% e 68,49% da riqueza dos brasileiros, sendo as principais fontes de acumulação de riqueza os fluxos de renda e heranças recebidas. (LEIA MAIS AQUI).

Já lá pelas últimas das mais de 250 riquíssimas páginas do livro "Veias abertas da América Latina", Galeano faz menção a uma mulher que tornou-se mundialmente conhecida. Sobre a negra e favelada, descendente de ex-escravos, escreve o escritor uruguaio falecido aos 74 anos em 2015: "Cinderela do Brasil, produto de consumo mundial, Maria Carolina de Jesus saiu da favela, correu o mundo, foi entrevistada e fotografada, premiada por críticos, homenageada por cavalheiros e recebida por presidentes. E passaram os anos. No início de 1977, numa madrugada de domingo, Maria Carolina de Jesus morreu no meio do lixo e dos urubus. Já ninguém se lembrava da mulher que escrevera: “A fome é a dinamite do corpo humano”. 

A expressão "os pobres são um nada" encarna-se perfeitamente em Carolina de Jesus, que na vanguarda da arte literária fez aquilo que mais tarde faria a arte Hip Hop, ao denunciar as condições das populações periféricas na tentativa de construir uma consciência política e de resistência aos  sinais de morte do capitalismo. 

E Jesus continua com a vida ameaçada no Brasil e na América Latina. 

Agora os donos do capital usam a política não apenas para atacar os pobres no âmbito do aspecto material e econômico. Os fenômenos da ascensão da extrema-direita, fascista, seja com Trump ou Bolsonaro, e o avanço da direita neoliberal no mundo é uma ameaça eminente às vidas dos mais pobres. Jesus sofre na humanidade reduzida à pobreza. 

"Herodes" continua vivo e ameaça vidas.

O que Galeano escreveu na década de 1970 sobre essa problemática parece ter sido escrito hoje mesmo, pois nada mudou a não ser os mecanismos perversos, agora velados, que se impõe a um povo desprovido de cultura, de criticidade, ou seja, de autodefesa racional. 

Escreve Galeano: "Nossas burguesias não foram capazes de um desenvolvimento econômico independente, e suas tentativas de criação de uma indústria nacional não passaram de um voo de galinha, curto e baixo. Ao longo de nosso processo histórico, os donos do poder deram também sobradas provas de sua falta de imaginação política e de sua esterilidade cultural. Em troca, souberam montar um gigantesco maquinário do medo e fizeram alguns acréscimos próprios à técnica do extermínio das pessoas e das ideias." 

Fazer a leitura do nascimento de Jesus em meio a essa realidade é o mesmo que constatar que,  Jesus renasce a cada ano em meio à mesma situação na qual encarnou-se há mais de 2000 anos atrás. 

Pouca coisa mudou! O Império continua subjugando os países mais pobres, os ricos continuam explorando os mais pobres, a pobreza cultural continua excluindo os mais "pobres" dentre os "pobres". 

Mas se isso tudo não mudou, a utopia cristã também deveria não mudar. Mas já são pouco aqueles que por essa utopia se encantam alimentando-se dela na luta por justiça e igualdade. 

Nosso compromisso cristão tem que ser fiel com a missão de Jesus, pois "Não há maior prova de amor que dar a vida pelo irmão". 

Ora, mais como dar a vida pelo irmão? 

Existem variadas possibilidades, mas elas devem ser vistas no todo. Quando possibilitamos ao outro a capacidade de pensar por si mesmo, por exemplo.

Quando falo de possibilitar ao outro uma educação que lhe refine a cultura, humanizando-o, lembro-me de Dom Helder Câmara (1909-1999), que foi um líder religioso, um homem que viveu na simplicidade entre os pobres, sem ostentar poder a não ser o poder de sua condição física e de humildade, sendo voz dos pobres frente aos poderosos deste mundo. Tinha um corpo diminuto, magérrimo, porém poucos o superavam em oratória. 

Ele dizia que: "A maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar." 

Do profeta Câmara também é a frase: "O verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus."

Ele está nos esclarecendo que a pobreza não é coisa de Deus, e a riqueza só é de Deus se todos dela participam.

Logo, a concentração de riquezas nas mãos de poucos e as desigualdades sociais que empobrecem muitos, é um escândalo vergonhoso dos cristãos no Ocidente, que nega Jesus Cristo. A pobreza é racional, é uma construção histórico social orientada pelos 'donos do capital'.

É de Dom Helder Câmara outra oportuna citação: ‘se falo dos famintos, todos me chamam de cristão; se falo das causas da fome, me chamam de comunista’. 

Dom Helder demonstra que viver como Jesus viveu e ser cúmplice de sua missão não é fácil. Esta luta pressupõe riscos à própria vida.

Mas a morte só é vencida pela vida. É no enfrentamento orientado pelo amor desmedido pelo próximo na construção de uma sociedade cheia da presença de Deus: Justiça e Equidade! 

Celebrar o nascimento de Jesus é ter consciência de que não trata-se de uma simples ação por afeto festivo. Celebrar o nascimento de Jesus é uma oportunidade para reconquistarmos a utopia de Jesus na realização de um projeto de vida para todos e todas, sem exclusões.

A luta política é uma das formas mais sublimes de caridade, alguém já disse. E é mesmo! Você aí que lê este texto pode até achar que o fato de milhares ou milhões de pessoas terem ficado sem o  atendimentos dos médicos cubanos, não tem relevância. Mas tem sim e o fato concreto deles terem deixado o país foi consequência da opção que o brasileiros fizeram nas urnas.

Ao votar em um candidato contrário à presença dos médicos cubanos no Brasil, o eleitor, ainda que inconsciente, votou pela "expulsão"dos cubanos, deixando milhares e milhares de crianças sem atendimento médico, entregues à própria sorte. 

Jesus sofre sem atendimento médico. Mas a quem isto pode provocar a mínima preocupação?

Jesus vai nascer simbolicamente de novo entre os homens no dia 25 de Dezembro. Com certeza ele nascerá entre os pobres porque Deus é fiel e seu amor é sem fim. A causa dos pobres pela vida é causa de Deus! 

E se você quiser encontrar Deus lance seus olhos nos seus irmãos que sofrem, desde os mais próximos aos mais distantes. Você não será apenas capaz de encontrar Deus neles, mas de lutar com eles contra as forças das trevas e celebrar verdadeiramente a vida com o Deus que se fez homem e permanece entre nós em seu Reino de Luz e Verdade!

LEIA MAIS 
JESUS CRISTO, UM DEUS INCONVENIENTE PARA OS CRISTÃOS? (Filosofia da Religião) _ Parte 1


JESUS CRISTO, UM DEUS INCONVENIENTE PARA OS CRISTÃOS? (Filosofia da Religião) _ Parte 2

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