Estritamente falando, o termo "eudemonia" é uma transliteração da
palavra grega para prosperidade, boa fortuna, riqueza ou felicidade. Em
contextos filosóficos a palavra grega "eudaimonia" tem sido
tradicionalmente traduzida simplesmente por "felicidade", mas muitos
estudiosos e tradutores contemporâneos tentaram evitar esta
interpretação por poder sugerir conotações que nada ajudam no espírito
do leitor acrítico. (Por exemplo, não se refere a um estado emotivo, nem
é coextensional com a concepção utilitarista de felicidade, apesar de
ambas as noções poderem, em alguns pensadores, contar como aspectos da
eudemonia.) Dado que a palavra é composta pelo prefixo eu- (bem) e pelo
substantivo "daimon" (espírito), tem-se proposto em alternativa
expressões como "viver bem" ou "florescimento". Mas o consenso aparente é
que "felicidade" é adequado se o termo for apropriadamente compreendido
no contexto filosófico da antiguidade.
Aristóteles escreveu que todos concordam que a eudemonia é o bem
principal para os seres humanos, mas que há diferenças consideráveis de
opinião quanto ao que consiste a eudemonia (Ética a Nicômaco I.2,
1095a15-30). Na imagem de Sócrates apresentada por Platão nos primeiros
diálogos socráticos, o protagonista adota a perspectiva de que a
eudemonia consiste em viver uma vida justa, o que exige conhecimento, na
forma de uma espécie de previdência (especialmente no Górgias). Nas obras posteriores (por exemplo, na República),
Platão continuou a argumentar que a virtude é suficiente para a
felicidade, e que os bens amorais não trazem eudemonia (a chamada tese
da suficiência).
Como é bem sabido, Aristóteles concordava que a virtude é uma
condição necessária para a eudemonia, mas sustentava que não é
suficiente (a chamada tese da necessidade). Do seu ponto de vista, a
"eudemonia" aplica-se mais apropriadamente não a qualquer momento
particular da vida de uma pessoa, mas a uma vida inteira que tenha sido
bem vivida. Apesar de a virtude ser necessária para uma vida dessas,
Aristóteles argumentou que certos bens amorais podem contribuir para a
eudemonia ou impedi-la pela sua ausência. Há alguma controvérsia entre
os estudiosos quanto a saber como acabou Aristóteles por caracterizar a
vida feliz, a vida marcada pela eudemonia. Ao longo dos primeiros nove
livros da Ética a Nicômaco, Aristóteles parece pensar que uma
vida feliz é a que envolve centralmente a atividade cívica. As virtudes
que caracterizam a pessoa feliz são em si definidas como estados da
alma que resultam de certas interações que têm lugar nas relações
sociais. Mas no livro X, o argumento de Aristóteles é aparentemente que
uma vida de contemplação do teórico (theoria) é o gênero mais
feliz de vida, podendo até a vida cívica impedir este gênero de
atividade (apesar de a vida privada de contemplação parecer pressupor a
vida pública, dado que sem a vida pública para produzir bens e
serviços, o filósofo é incapaz de viver em isolamento).
Onde Sócrates, Platão e Aristóteles concordam é na natureza objetiva
da eudemonia, o que os afasta nitidamente da moralidade popular do seu
tempo. Numa famosa passagem do Górgias (468e-467a), Sócrates
choca Pólo argumentando que quem pratica o mal fica na verdade a perder
relativamente a quem ele prejudicou, e que quem pratica o mal está
condenado a ser infeliz até ser punido. A vítima do mal, em contraste,
pode ser feliz ainda que seja vítima do maior sofrimento físico às mãos
de quem pratica o mal. O Górgias conclui com um mito sobre o
destino da alma humana depois da morte que torna claro que só o estado
da alma, e não o estado físico do corpo, determina se alguém é feliz ou
infeliz.
Apesar de Aristóteles não concordar que a felicidade não poderia
diminuir de modo algum em virtude do sofrimento físico, não era por
pensar que os sentires são decisivos para a felicidade. Pelo contrário,
Aristóteles argumentou a favor de um padrão objetivo da felicidade
humana, com base no seu realismo metafísico. Na Ética a Nicômaco
(I.7), Aristóteles argumentou que a excelência humana deve ser
interpretada em termos do que comumente caracteriza a vida humana (o
chamado argumento funcional ou ergon). Este argumento funda-se
claramente na sua doutrina da causalidade, segundo a qual qualquer
membro de uma categoria natural se caracteriza por quatro causas:
formal, material, eficiente e final. A causa final é inseparável da
formal: ser uma certa categoria de coisa é apenas funcionar de um certo
modo, e ter um certo gênero de função é apenas ser uma certa categoria
de coisa. A função humana (ergon) encontra-se na atividade das nossas faculdades racionais, em particular a sabedoria prática (phronesis) e a ilustração (sofia).
Dado que a atividade destas duas faculdades não é regulada por
considerações subjetivas mas pelas restrições formais da própria razão,
a excelência humana está determinada objetivamente: viver bem é viver
uma vida caracterizada pelo uso excelente das nossas faculdades
racionais, e esta excelência caracteriza-se pela aplicação bem-sucedida
de regras gerais da vida virtuosa a situações particulares que exigem
deliberação moral.
Aristóteles rejeitou perspectivas alternativas da felicidade por não estarem à altura do seu ideal (Ética a Nicômaco
I.5, 1095b14-1096a10). A vida de honra política, por exemplo, reduz a
felicidade ao grau de estima que os outros têm por nós, desligando assim
a felicidade da operação da nossa própria função apropriada. Uma
perspectiva mais popular equacionava a felicidade com o prazer, uma
perspectiva que Aristóteles excluiu rapidamente por não distinguir a
categoria natural dos seres humanos de outros animais que também sentem
prazer e que nele se baseiam como força motivadora na sua luta diária
pela sobrevivência. Para Aristóteles, como antes para Platão, a
perspectiva hedonista negligencia a função essencial da racionalidade
humana: regular e controlar os apetites e desejos humanos,
canalizando-os para atividades que, a longo prazo, melhor assegurem o
florescimento humano. Na verdade, é precisamente esta regulação e
controle que distinguem a sociedade humana de todas as outras formas de
vida, de modo que há uma conexão íntima entre a excelência humana e a
vida política. Esta conexão está sujeita a uma certa tensão, contudo,
dado que tanto Platão, na República, como Aristóteles, na sua
vida de contemplação teórica, tornam a ordem social uma condição
necessária da excelência humana ao mesmo tempo que argumentam que a
felicidade pessoal envolve num certo sentido que nos desliguemos da
comunidade em geral.
Os estóicos concordavam que a felicidade é o nosso fim último, pelo
qual fazemos tudo o resto, e definiam-na como uma vida consistentemente
vivida de acordo com a natureza. Não queriam dizer apenas com isto a
natureza humana, mas a natureza do universo inteiro, do qual somos
parte, e a ordem racional que ambos exibem. A razão prática exige assim
uma compreensão do mundo e do nosso lugar nele, juntamente com a nossa
aceitação resoluta desse papel. Seguir a natureza desta maneira é uma
vida de virtude e tem como resultado um "bom fluir da vida", com paz e
tranquilidade.
Os epicuristas também tomavam a eudemonia como o fim para os seres
humanos, mas definiam-na em termos de prazer. Contudo, muitas das coisas
que nos dão prazer têm consequências desagradáveis, que no cômputo
geral perturbam a nossa vida, não nos fornecendo portanto a libertação
das preocupações (ataraxia) nem a ausência de dor física (aponia)
que caracterizam a verdadeira felicidade. Estes traços, pensavam, têm
de ser assegurados pelo exercício da moderação, prudência e outras
virtudes, que contudo não são valorizadas por si, mas apenas como meios
instrumentais para uma vida de prazer e felicidade.
Esta forma de eudemonismo hedonista contrasta com o hedonismo dos
cirenaicos, a principal exceção à afirmação de Aristóteles de que todos
concordam que o mais elevado bem é a eudemonia. Versões incompletas do
Aristipo tardio sugerem que o seu hedonismo envolvia dar livre vazão aos
desejos sensuais (Xenofonte, Memorabilia 11.1.1-34), de modo a
ser sempre capaz de desfrutar do momento, deitando mão ao que estava à
mão (Diógenes Laércio 11.66). Mais tarde, os cirenaicos aperfeiçoaram
esta posição de modo a procurar desfrutar por completo do prazer sensual
sem sacrificar a autonomia nem a racionalidade. A sua concepção de
prazer salientava os prazeres corporais, entendidos como um tipo de
movimento (kinesis) ou o estado sobreveniente da alma (pathos).
Por encararem tais estados transitórios como o mais elevado bem, os
cirenaicos recusavam a perspectiva de que a eudemonia, um tipo de
realização alargado e de longa duração, fosse o fim que devesse reger
todas as nossas escolhas.
Texto de Scott Carson
Tradução de Desidério Murcho
Publicado em Encyclopedia of Philosophy, 2.ª ed., org. Donald M. Borchert (Macmillan Library Reference, 2005)
Publicado em Encyclopedia of Philosophy, 2.ª ed., org. Donald M. Borchert (Macmillan Library Reference, 2005)
Filoparanavai 2015
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