Só mesmo o senso comum para achar que alguém poderia sobreviver o resto da vida com esse benefício. Os valores dos benefícios pagos pelo Bolsa Família variam de R$ 32 a R$ 306. Isso é de acordo com a renda mensal da família por pessoa, com o número de crianças e adolescentes de até 17 anos e número de gestantes e nutrizes componentes da família. O Programa tem quatro tipos de benefícios: o básico, o variável, o variável vinculado ao adolescente e o variável de caráter extraordinário. O Benefício Básico, de R$ 70, é pago às famílias consideradas extremamente pobres, com renda mensal de até R$ 70 por pessoa, mesmo que elas não tenham crianças, adolescentes ou jovens.
O Benefício Variável, de R$ 32, é pago às famílias pobres, com renda mensal de até R$ 140 por pessoa, desde que tenham crianças e adolescentes de até 15 anos, gestantes e/ou nutrizes. Cada família pode receber até cinco benefícios variáveis, ou seja, até R$ 160.
O Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ), de R$ 38, é pago a todas as famílias do Programa que tenham adolescentes de 16 e 17 anos frequentando a escola. Cada família pode receber até dois benefícios variáveis vinculados ao adolescente, ou seja, até R$ 76.
O Benefício Variável de Caráter Extraordinário (BVCE) é pago às famílias nos casos em que a migração dos Programas Auxílio-Gás, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação para o Bolsa Família cause perdas financeiras. O valor do benefício varia de caso a caso.
SOBRE O BOLSA FAMÍLIA
Na visão da professora socióloga Walquíria Leão Rego, os ataques ao programa federal criado pelo governo Lula são feitas por setores específicos da sociedade e com base em conceitos preconceituosos. “Existe uma ignorância de algumas pessoas sobre a realidade do seu próprio país. Não sabem a geografia do seu país, que dirá a geografia econômica ou informações sociológicas”
Sul21 – O Bolsa Família completa 10 anos em 2013, alcançando perto de 5,4 milhões de pessoas e é reconhecido internacionalmente como o maior programa de combate à pobreza. Qual é o impacto real deste programa no desenvolvimento do país, porque ao mesmo tempo, ele segue sendo alvo de críticas?
Walquíria Leão Rego – Criticado por quem? Temos que nos perguntar a quem interessa falar mal deste programa. O principal impacto é perceptível. Uma parte significativa da população da chamada ‘extrema pobreza’ deixou de estar nesta condição. Isto não é pouco. É algo muito importante. Estas pessoas saíram da miséria absoluta, os índices de mortalidade infantil ficaram mais baixos e isto tem impacto fundamental para um país que se diz minimamente democrático. Conviver com a miséria como o Brasil conviveu por tantos séculos, mesmo depois do fim do regime militar isto fez parte do país por muitos anos, deveria ser um processo que mexe com todos os brasileiros. A imprensa, a academia e a sociedade em geral deveriam ser tocadas com isso. O impacto é muito grande para as pessoas que passaram a ter um rendimento regular, apesar de pequeno. É um dinheiro que eles podem contar todos os meses. Eles aprendem a conviver com esse recurso e buscam querer viver melhor. Este programa é o começo de uma reparação por parte do estado brasileiro.
Sul21– Os usuários conseguem administrar a liberdade de ter uma fonte fixa de renda, o que para muitos deve ser algo inédito?
Walquíria Leão Rego - Administram muito bem. Este argumento de que eles não saberiam administrar é preconceito com os pobres. Quem está endividada é a classe média e os ricos, não os pobres. Quando falo em pobres, me refiro aos cadastrados no Bolsa Família, porque existem pobres que estão na categoria de pobres e não estão vivendo na extrema pobreza. Eles administram muito bem os recursos e em dez anos aprenderam a gerir as finanças como qualquer outra pessoa aprende. A qualidade de vida destas pessoas melhorou e elas não estão mais adoecendo. Esta afirmação é algo constatado não só na minha pesquisa, que não é quantitativa, mas pelo IPEA (Instituto de Pequisa Econômica e Aplicada), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ONU (Organização das Nações Unidas), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), todos constatam a mesma coisa. Isto deveria estar nas manchetes dos jornais do país. Demonstrar que este programa, mesmo oferecendo um auxílio pequeno, está tornando as pessoas cidadãos de fato. Este programa garante o direito mais elementar: a vida.
Estudam no ensino público, fazem intercâmbio no exterior com auxílio público e voltam para abrir um consultório na Avenida Paulista e cobrar até R$ 1,5 mil por uma consulta. Isto é o horizonte típico da classe média brasileira que faz medicina.
Sul21 – Dados oficiais revelam que 70% dos beneficiários adultos são trabalhadores e os estudantes que participam do programa possuem média de aprovação quase 5% maior que a média nacional. Além de ter um índice menor de abandono dos estudos.
Walquiria Leão Rego – Isto acontece pela exigência do vínculo das crianças na escola para receber o benefício, o que é muito interessante, porque mostra o quanto estas crianças estavam abandonadas pelo estado. Porém, também é necessário discutir a qualidade da escola brasileira. A escola pública no Brasil precisa de muito investimento ainda. As crianças que eu estudei vivem em cidades do interior, algumas em zona rural e em periferias de grandes cidades. (Recife, Vale do Jequitinhonha, etc ). O benefício também implica o controle da saúde das crianças, mas ainda faltam médicos no Brasil nos postos de saúde destas regiões. O governo federal estuda trazer para o Brasil os médicos cubanos, espanhóis e portugueses, porque os nossos não costumam ir para estes lugares. Isto acontece pela falta de compromisso de certas pessoas com o seu país. Os paulistas, por exemplo, querem fazer medicina na melhor universidade, que é USP (Universidade de São Paulo) ou a Unicamp, para se formar em uma universidade pública. Estudam no ensino público, fazem intercâmbio no exterior com auxílio público e voltam para abrir um consultório na Avenida Paulista e cobrar até R$ 1,5 mil por uma consulta. Isto é o horizonte típico da classe média brasileira que faz medicina. O compromisso com o povo eles não querem saber. Não adianta oferecer o salário e o benefício que for para estas pessoas porque elas não vão para as regiões de periferia e interior. As crianças que são beneficiadas com o Bolsa Família são abandonadas como cidadãos. O estado tenta resolver e a classe média vai para as ruas fazer protesto contra os médicos estrangeiros.
Sul21 – Recentemente foi divulgado que 1,6 milhão de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família deixaram espontaneamente o programa. Isto contraria a tese de que elas se tornam dependentes do programa?
Walquíria Leão Rego – Isto sempre foi uma tese preconceituosa. Toda tese preconceituosa é desmentida em pouco tempo. O preconceito é algo estreito. Isto foi desmentido porque este dado revela que as pessoas querem melhorar de vida e, em algumas regiões não há emprego. Aliás, não há nem o que vestir ou que comer. Quem irá oferecer emprego para alguém que vive no sertão? Existe uma ignorância de algumas pessoas sobre a realidade do seu próprio país. Não sabem a geografia do seu país, que dirá a geografia econômica ou informações sociológicas. Então, há muito preconceito e estereótipo por trás destas teses.
Sul21 – A senhora desenvolveu a pesquisa por conta própria, sem apoio financeiro da Unicamp ou do governo federal. Financiou as viagens do próprio bolso, agendando as excursões em seus períodos de férias. Como alcançou a publicação do livro?
Walquíria Leão Rego – Consegui a publicação por meio da editora Unesp (Universidade Estadual Paulista), que é uma editora universitária. As outras editoras não se interessaram pelo meu material. Percebi que teria que ser pela editora universitária e creio que este é o papel mesmo. As editoras comerciais só estão interessadas em lucro. As publicações são aquelas que irão vender. Mas, mesmo contando com editora universitária não é fácil publicar estudos como este no Brasil. A remuneração proporciona uma liberdade pessoal para as pessoas. Esta é uma das importantes funções do beneficio ser em dinheiro.
Sul21 – Na sua pesquisa, que resultou no livro Vozes do Bolsa Família, foram ouvidas 150 mulheres cadastradas no programa. O que é possível dizer desta experiência de dar autonomia para as mulheres na gestão dos recursos do Bolsa Família?
Walquiria Leão Rego – Nós ouvimos muito mais pessoas, mas selecionamos uma amostragem de 150 mulheres para poder fazer um recorte. O livro é um experimento interpretativo, sociológico e com contribuição para o meio intelectual. Não terá grande reflexo na sociedade que, sinceramente, sei que não irá se interessar em ler meu livro. O que é uma pena, porque pode ser uma oportunidade de a sociedade experimentar conhecimento sobre seu próprio país. O estudo desfaz uma série de estereótipos de que os pobres só querem depender do estado e não querem trabalhar. Quem ler este livro conseguirá aprender alguma coisa. É a minha esperança. Agora, o conceito de autonomia é muito complexo. Tem implicações morais e políticas. O que podemos dizer é que, o fato destas mulheres tão destituídas em suas vidas e em estado de extrema pobreza, passarem a ser titulares de cartões de recursos transferidos pelo estado traz certa autonomia. A remuneração proporciona uma liberdade pessoal para as pessoas. Esta é uma das importantes funções do beneficio ser em dinheiro. É diferente se fosse uma cesta básica, onde já é determinado o que a pessoa irá fazer com o recurso e o que ela irá comer. Fica imposto a quantidade de comida e o tipo de alimento que ela irá comer. O dinheiro dá liberdade de escolha, com isso elas aprendem a administrar os recursos. É um exercício de cidadania muito maior do que as classes mais abastadas pensam sobre a capacidade dos pobres.
Sul21 – Os homens ficaram ou tendem a ficar para trás neste processo de desenvolvimento que foca nas mulheres, a curto, médio ou longo prazo?
Walquíria Leão Rego – Homens também são pobres, analfabetos ou com mínima escolaridade. O desemprego é geral, não está relacionado com o gênero em determinadas regiões do país. Por séculos o estado abandonou parte do país. É preciso ter esta consciência. Agora, com o Bolsa Família, é que se começou a fazer alguma coisa pelo abandono desta parte da população. O estado decretou há muitos anos a morte civil destas pessoas. Elas não têm voz, a sociedade não as escuta. As pessoas não querem pensar sobre isso ou mesmo esquecem de pensar porque isso as incomoda muito e passa a crescer o preconceito. Os brasileiros conviveram por várias gerações sabendo da existência da pobreza e defendem que a culpa é dos próprios pobres que “não querem trabalhar” ou “são vagabundos”. Se não tivesse existido um programa como o Bolsa Família, pessoas seguiriam morrendo no Brasil, África e em tantas outras nações onde ele foi criado. No que se refere ao programa Bolsa Família, por exemplo, creio que seja necessário aumentar o valor do benefício. É preciso ter mais oportunidade de acesso ao ensino. A imprensa precisa ser melhor. É uma imprensa muito controlada pelos seus patrões.
Sul21 – Como garantir o desenvolvimento do país após o desligamento do Bolsa Família?
Walquíria Leão Rego – Tem que se avançar muito mais no país em termos de desenvolvimento. No que se refere ao programa Bolsa Família, por exemplo, creio que seja necessário aumentar o valor do benefício. É preciso ter mais oportunidade de acesso ao ensino. A imprensa precisa ser melhor. É necessário que aconteça um conjunto de políticas públicas, inclusive específicas para a realidade destas regiões mais pobres. A educação é feita na escola, com a alfabetização, mas outras formas de formação para estes cidadãos são necessárias. Uma pessoa do sertão aprende a ler, mas segue vendo apenas televisão. Isto não resolve muito. Nós temos que discutir o que é educar. Não é só escola. É ter uma mídia democrática que produza conteúdos que elevem as pessoas. A televisão hoje indignifica as pessoas. Estamos ainda iniciando um novo processo de formação e transformação no Brasil. Eu citei apenas alguns exemplos aqui, mas temos muito que avançar.O que foi feito no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso não tinha a mesma dimensão distributiva e a amplitude do Bolsa Família criado no governo Lula.
Sul21 – Por ser um dos poucos estudos acadêmicos sobre um dos programas mais importantes para a gestão do PT, e do próprio PSDB, que alega a paternidade do embrião do programa, a senhora imagina que seu livro terá uso político?
Walquíria Leão Rego – Não temo. Este recente episódio do boato que o programa iria acabar e que levou centenas de pessoas aos bancos em poucas horas, mostra bem para os críticos o tamanho da necessidade do Bolsa Família. Eu creio que essa reação das pessoas mostrou a importância que o programa tem na vida delas. Isso mostra o significado dessa bolsa para a população. Por isso, acho pouco provável que alguém queira brincar com isso. Além do que, o programa de fato tomou a dimensão que tomou e se tornou o maior programa do mundo não foi com o PSDB. O programa deles (PSDB) era outra coisa. O que foi feito no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso não tinha a mesma dimensão distributiva e a amplitude do Bolsa Família criado no governo Lula. A transformação social do país por meio deste programa começou, sem dúvida, no governo Lula e agora tem continuidade com o governo Dilma, isso não tem como negar. Se um jornalista quiser fazer investigação sobre isso, é só perguntar para as pessoas nas ruas do Brasil. Isso é um dado de realidade, não tem como mentir ou falsificar a história.
Sul21 – A senhora acredita que a imprensa tem interesse em dar voz aos críticos deste programa de forma sistemática?
Walquíria Leão Rego – De fato, isto é algo recorrente. A desqualificação do governo, das pessoas, do programa, e ao mesmo tempo a não-informação sobre o êxito desta iniciativa. Isso é o que mais me assusta, como eles (a mídia) se sentem no direito de não informar o país sobre o que está acontecendo no país? Você não vê isso em outros lugares do mundo. É uma imprensa muito controlada pelos seus patrões, talvez uma das mais controladas do mundo.
Sul21 – A senhora vê com esperança o avanço da democratização da mídia no país?
Walquíria Leão Rego - A própria imprensa hegemônica não quer discutir a democratização, e colocou na cabeça de seus jornalistas — e de alguns intelectuais que ela já produziu — que eles devem escrever que discutir e regulamentar a imprensa é abdicar da liberdade de expressão. Então eles usam essa questão para não discutir que quem não pratica essa liberdade de expressão são eles. Eles recusam o debate e usurpam o direito democrático à informação. As pessoas, de modo geral, não sabem o que está acontecendo. Alguma vez a grande imprensa fez alguma matéria séria sobre o Bolsa Família? Nunca. Pelo contrário, ela difama, mente e distorce. Isso não é jornalismo.
FONTE: http://www.sul21.com.br/
filoparanavaí 2013
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