“Somos todos impostores que
nos suportamos uns aos outros.
Quem não aceitasse mentir
veria a terra fugir sob seus pés:
estamos
biologicamente
obrigados ao falso.”
E. Cioran foi um dos autores mais corrosivos e polêmicos do século XX, colocando em xeque as pretensões racionalistas e tecnicistas da civilização ocidental, assim como os dogmatismos religiosos.
Seus livros são escritos com fúria e beleza, muitas vezes resvalando pela linguagem poética, através de aforismos. Cioran nasceu em Rasinari, Romênia, em 1911, mas desde jovem radicou-se em Paris. Considerado um filósofo niilista radical, enfrentou com insistência, em seus textos, os temas do desespero, da solidão e do vazio que ronda o homem contemporâneo. Normalmente é colocado ao lado de pensadores como Pascal, Kierkegaard e Nietzsche.
“Impossível chegar à verdade
através de opiniões,
pois toda
opinião
não passa de um ponto
de vista louco, sobre a realidade.”
Émile Michel Cioran, também conhecido como Emil Cioran (8 de
abril de 1911, Răşinari, Sibiu, Austria-Hungary (hoje Romênia) - 20 de junho de
1995), filósofo romeno-francês.
A maior parte de suas obras estão publicadas em
francês.
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- Nos Cumes do Desespero – Emil Cioran
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- Nos Cumes do Desespero – Emil Cioran
Após estudar Ciências Humanas no colégio Gheorghe Lazăr em Sibiu,
Cioran começou a estudar Pedagogia na Universidade de Bucareste aos 17 anos. Ao
ingressar na Universidade, aproximou-se de Eugène Ionesco e Mircea Eliade, os
três permaneceriam amigos por muitos anos. Fez amizade com os futuros filósofos
romenos Constantin Noica e Petre Ţuţea durante o período em que receberam
ensinamentos de Tudor Vianu e Nae Ionescu. Cioran, Eliade e Ţuţea tornaram-se
adeptos das ideias de seu mestre Nae Ionescu – ou seja, uma corrente denominada
Trăirism, que mesclava o Existencialismo com ideias comuns às várias formas do
Fascismo.
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- Breviário de Decomposição – Emil Cioran
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- Breviário de Decomposição – Emil Cioran
Absorvendo influências Germânicas, seus primeiros estudos
centralizaram-se em Emmanuel Kant, Arthur Schopenhauer, e principalmente
Friedrich Nietzsche. Tornou-se um agnóstico, tomando por axioma "a
inconveniência da existência".
BAIXE AQUI EM PDF UM GRITO DE DESESPERO: DIÁLOGOS PARA UMA FILOSOFIA DA MORTE EM IVAN JUNQUEIRA E EMIL CIORAN
Durante seus estudos na Universidade, Cioran
também foi influenciado pelas obras de Georg Simmel, Max Stiner, Ludwig Klages
e Martin Heidegger, e também pelo filósofo russo Lev Shestov, que aliou a
crença na arbitrariedade da vida à base de seu pensamento.
Cioran graduou-se
com uma tese sobre Henri Bergson; mais tarde, porém, renegaria Bergson,
alegando que este não compreendera a tragédia da vida.
“Deus é um desespero
que começa onde
todos os outros
acabam.”
“Feliz é burro porque
não tem consciência da realidade .”
“Todos os seres são infelizes;
mas quantos o sabem?”
Pouco antes de morrer em Paris, em junho de 1995, o filósofo
romeno Emile Michel Cioran deu esta entrevista ao escritor alemão Heinz-Norbert
Jocks, publicada no nº 5 da revista "Kulturchronik", editada em Bonn
pela InterNationes. A tradução do espanhol é de, Reynaldo Damazio.
Confira os
trechos mais importantes desta conversa em que o autor de “Silogismos da
Amargura”, “Breviário da Decomposição” e “História e Utopia”, entre outros,
fala da morte, do tédio, de sua juventude, do escritor Samuel Beckett e do início
de sua ligação com a filosofia.
Qual o significado de sua vida na Romênia, de sua infância?
A Romênia foi um paraíso terrestre, isolado de tudo e
cercado de escravos. Só ia para casa para comer e dormir, senão passava o tempo
todo fora, ao ar livre, muito simples. A metade do povoado vivia nas montanhas,
nos Cárpados. Eu tinha amizade com os pastores e gostava muito deles. Era um
outro mundo, além da civilização. Talvez porque viviam em um país de ninguém,
sempre de bom humor, como se todos os dias fossem dias de festa. O começo da
Humanidade não deve ter sido tão ruim, segundo eles.
Quando isso acabou?
Em 1920, aos dez anos de idade, quando tive que abandonar
meu povoado e mudar-me para Hermannstadt, para estudar na escola média. Jamais
esqueci essa catástrofe, essa tragédia, meu desespero naquele dia. Parecia o
meu fim. Na época não havia carros, de modo que um camponês levou meu pai e eu
a cavalo. O primitivo, que vivi ali, parecia-me a única vida possível. O que
conta é a pré-história, isto é, o tempo anterior à entrada na consciência, na
história, a vida inconsciente. A Humanidade deve seguir sendo o que é (risos),
porque a História é apenas um equívoco; a consciência, um pecado; e o ser
humano, uma aventura sem igual.
Uma reflexão religiosa?
Eu não sou ateu, ainda que não creia em Deus e não reze. Mas
há em mim uma dimensão religiosa indefinível, para além de toda fé. O crente se
identifica com Deus, o que posso compreender, mas eu mesmo me sinto distante de
tudo isso. Eu me movo na linha divisória. A grande ideia do pecado original do
ser humano é compartilhada por mim, mas não no modo como se pensa oficialmente
sobre o assunto. Tanto a História como também o homem são, queiramos ou não,
produtos de uma catástrofe. A ideia do desvio do ser humano é imprescindível
para se entender o desenvolvimento da História. Segundo essa ideia, o ser
humano é culpado, não no sentido moral, mas por ter se envolvido nessa
aventura. Quando abandonei minha aldeia, deixei de ser primitivo. Antes, havia
pertencido à Criação, como os animais, com aqueles que tinham uma relação
pessoal comigo; agora me encontrava fora, à distância.
Você discorreu sobre os santos, sobre a “Criação fracassada”, e viu-se metido em dificuldades?
Você discorreu sobre os santos, sobre a “Criação fracassada”, e viu-se metido em dificuldades?
Sim. Minha mãe era presidenta da Igreja Ortodoxa em
Hermannstadt e meu pai — bom sacerdote, além de sincero, mas de modo algum um
homem de profunda religiosidade — queria na verdade ser advogado. Ficou muito
triste quando leu o texto Sobre lágrimas e Santos, no final de 1937, pouco
antes de minha mudança para Paris. Quando enviei o manuscrito ao meu editor
romeno, este me telefonou um mês depois para dizer-me que não poderia
imprimi-lo. Ele mesmo não havia lido, mas sim um de seus linotipistas, e disse
que devia seu patrimônio à ajuda de Deus e que não poderia publicar um livro
assim por nada nesse mundo. De minha parte, em plenos preparativos de viagem à
França, perguntei-me desesperado o que fazer. Na ocasião, encontrei-me com um
romeno que havia colaborado com a Revolução Russa e tinha conhecido Lênin.
Perguntou-me o que acontecia, contei-lhe a história e ele era dono de uma
gráfica. Assim, meu livro foi lançado sem um selo editorial, pouco depois de
ter-me mudado para Paris. Alguns meses depois, recebi uma carta de minha mãe,
na qual falava sobre a desgraça que meu livro havia provocado. Ainda que não
fosse em verdade uma religiosa, sentia-se sob fortes pressões e rogou-me que
retirasse o livro de circulação. Respondi que era a única obra religiosa
escrita nos Bálcãs, porque era uma confrontação balcânica com Deus. Quase todos
meus amigos reagiram mal, sobretudo Mircea Eliade, que escreveu uma crítica
extraordinariamente dura, enquanto que uma garota que eu conhecia me disse que
era o livro mais triste que havia lido. Evidente que se tratava de uma
experiência religiosa equivocada. Eu havia mergulhado de tal modo na vida dos
santos que, na verdade, deveria ter rezado. Mas para isso me faltavam os dotes
necessários, ainda que me sentisse atraído pelos grandes místicos. Porém, a fé
religiosa não é nunca resultado da reflexão, mas algo muito complicado. A
religiosidade pode ser tola, mas tem raízes muito profundas (risos).
Em sua obra transparece um elogio da vida primitiva.
Nesse povoado romeno em que vivia, tínhamos uma horta ao
lado do cemitério e, por essa razão, desde pequeno fiquei muito amigo de um
coveiro de cinquenta anos. Era um homem que agia alegremente quando tinha que
cavar uma tumba e jogava futebol com as caveiras. Tenho me perguntado sempre
como podia sentir-se tão feliz dia após dia. Eu mesmo não era como Hamlet, não
era suficientemente trágico. Mais tarde, nossa estreita amizade sofreu uma
mudança e se converteu num problema. Eu me pergunto por que razão temos que
experimentar tudo isso na vida. Somente para acabar como um cadáver? Essas
impressões ficaram gravadas indelevelmente. Aquele homem — enfrentando a morte
diariamente — se comportava como se nunca tivesse visto um morto. Gostava muito
dele. Estava sempre sorrindo.
A morte é um tema ao qual você tem sido fiel.
Desde cedo. É uma postura com que se vincula outro tipo de
intensidade. Tenho convivido com a morte, desde muito jovem. Ainda que agora
tenha mais motivos para pensar nela, não associo com a morte nenhuma ideia
compulsiva. Em minha juventude, a ideia que tinha da morte era uma obsessão que
se apoderava de mim de manhã até a noite. Como núcleo da realidade, possuía uma
presença opressora, muito distante de todas as influências literárias. Tudo
girava em torno dela, para além da repugnância e do medo, ainda que de forma
patológica. Isto, naturalmente, era também consequência de que não dormi bem
durante sete anos de minha juventude, de que estava extenuado. Naquele tempo,
escrevi No cume do desespero. Essa insônia persistente transformou minha
perspectiva do mundo e minha atitude diante dele. O momento pior desta situação
aconteceu em Hermannstadt, quando vivia com meus pais. Caminhava sem destino, pela
cidade, à noite. Minha mãe chorava de desespero, e eu mesmo, que acabara de
completar 21 anos, estava a ponto de me suicidar. Até hoje não sei porque não o
fiz. É possível que tenha aplacado a vontade de suicídio por força de escrever.
Eu não tinha a menor ideia concreta do que era minha vida.
Você mudou sua ideia da morte?
Não é possível mudar a opinião que se tem sobre a morte.
Constitui de per si um problema, o problema da existência. Em comparação com
ele, todo o restante se evidencia como carente de importância. Curiosamente, há
muitas pessoas que não conhecem o sentimento da morte, não querem ou não podem
pensar nela. Os que compreendem o que significa a morte são minoria. Aos demais
falta valor e mesmo os filósofos evitam o problema. Mas se filosofa sobre a
morte. Claro que a morte é um tema na história da filosofia
(risos), mas não como vivência íntima. Em Baudelaire existe a morte, em Sartre
não. Os filósofos têm se esquivado da morte fazendo dela uma questão, ao invés
de experimentá-la como algo existente. Não a consideram como algo absoluto, mas
entre os poetas é diferente. Eles adentram profundamente o fenômeno,
rastreando-o. Um poeta sem sentimento de morte não é um grande poeta. Parece
exagerado, mas é assim.
Numa série de ensaios sobre amigos, você escreveu sobre
Samuel Beckett. O que o agrada na obra dele?
O fato de não necessitar de heróis, de ter criado um tipo
humano incomum e, com ele, ter apresentado outro gênero de humanidade. Sua
obra, assim, não está vinculada a um tempo determinado. É a obra singular de um
sujeito singular.
Não os aproxima também a fascinação pelo fenômeno do tédio?
Não os aproxima também a fascinação pelo fenômeno do tédio?
A experiência do tédio, não do vulgar, por falta de
companhia, mas o absoluto, é muito importante. Quando alguém se sente
abandonado pelos amigos, não é nada. O tédio em si advém sem motivo, sem causas
externas. Com ele vem a sensação de tempo vazio, algo assim como a vacuidade,
coisa que conheço desde sempre. Posso recordar muito bem da primeira vez,
quando tinha cinco anos. Vivia, então, na Romênia, com toda minha família.
Então, tive de repente a consciência clara do que era o aborrecimento, o tédio.
Foi por volta das três da tarde, quando fui tomado pela sensação do nada, da
absoluta carência de substância. Foi como se, de súbito, tudo tivesse
desaparecido, tudo mergulhasse na nulidade e fosse o começo de minha reflexão
filosófica. Esse estado intenso de solidão me afetou de maneira tão profunda
que me perguntei o que significava realmente. Não poder defender-se, nem poder
se livrar dele com a reflexão, assim como o pressentimento de que voltaria
outras vezes, me desconcertou tanto que o aceitei como ponto de orientação. No
auge do tédio se experimenta o sentido do Nada, e neste sentido não se trata de
uma situação deprimente, já que para uma pessoa não crente representa a
possibilidade de experimentar o absoluto, algo como o instante derradeiro.
“No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria
na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos!”
A trajetória intelectual e biográfica do filósofo romeno
Emil Cioran (1911-1995) é o tema deste documentário francês dirigido por
Patrice Bollon e Bernard Jourdain. Intelectual lúcido, cético, e contundente;
considerado o maior dos prosadores da língua francesa, por Saint-John Perse, o
pensamento de Cioran vai denunciar implacavelmente as ilusões que garantem o
sono da maioria: a felicidade, as utopias, o progresso da humanidade, a
história redentora, etc.
Filoparanavai 2020
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