Nunca haverei de esquecer,
em vida, daquele domingo,
por volta dos meus 15 anos,
quando tendo encontrando uma
senhora muito simpática
de meu bairro, chamada Dona Sebastiana,
fui tomado de
meu primeiro profundo filosofar.
Ela vinha da missa e,
estava muito feliz porque
teria sido o Bispo
a presidir o ofício religioso,
o que era raro.
Perguntei, então, a ela,
o que o Bispo tinha lhe ensinado
que teria lhe provocado
tão grande felicidade?
Ela respondeu que não saberia dizer, na verdade,
o que o Bispo havia ensinado durante a homília.
Mas que ele teria
falado muito bonito,
'ah isso ele falou em',
reforçou ela!
Aquela experiência
foi a causa
do meu primeiro espanto
genuinamente filosófico.
Há muitas pessoas que
não tendo perdido tanto tempo
nas carteiras de uma escola ou universidade,
são capazes do mais autêntico
exercício filosófico e cumplicidade política
com as lutas sociais
por mais justiça e equidade.
Por outro lado,
há muitos que colecionam títulos
acadêmicos, como o de doutor - por exemplo -,
e jamais serão capazes de abandonar
os limites do mais pobre
Senso Comum
frente aos problemas do mundo,
mergulhados na vida
mais mesquinha à qual
a Cultura capitalista os relegaram.
De ambos os casos,
eu tive muitos
exemplares ao longo da vida.
Convite ao Filosofar, por Lucio Lopes
A Filosofia não é apenas uma disciplina dentre as demais na
Educação Básica e/ou no Ensino Superior. Aliás, enquanto apenas disciplina
escolar/acadêmica ela irá tão somente responder aos objetivos propostos no
processo ensino e aprendizagem, do qual participam todas as disciplinas.
É verdade também que ainda que alguém possa dizer que o
valor da Filosofia, enquanto disciplina nesse conjunto de disciplinas, não tem
importância como tem as demais; é importante lembrar que a Filosofia está
colocada no mesmo nível das responsabilidades compartilhadas com todas as
demais.
De início quero pontuar que a Filosofia para ser mais do que uma disciplina a ser ensina nos sistemas educacionais, necessita obviamente das contribuições de todas as demais disciplinas. Afinal de contas não há ciência que não tenha sido gerada pela mãe Filosofia. Há um cordão umbilical inquebrantável entre a Filosofia e todas as ciências. E é justamente da Filosofia o papel de impedir que as ciências deixem de serem ciências para converterem-se em sistemas doutrinários religiosos, perigo real que nos legaram os positivistas do século XIX.
De início quero pontuar que a Filosofia para ser mais do que uma disciplina a ser ensina nos sistemas educacionais, necessita obviamente das contribuições de todas as demais disciplinas. Afinal de contas não há ciência que não tenha sido gerada pela mãe Filosofia. Há um cordão umbilical inquebrantável entre a Filosofia e todas as ciências. E é justamente da Filosofia o papel de impedir que as ciências deixem de serem ciências para converterem-se em sistemas doutrinários religiosos, perigo real que nos legaram os positivistas do século XIX.
Ora, no geral, os estudantes passam pelas instituições
escolares no intuito de conseguirem um diploma que os permitam dar sequência
aos estudos ou almejar uma vaga no difícil mercado de trabalho. As escolas e universidades particulares talvez sejam os retratos mais reveladores desses objetivos marcados pela manutenção e/ou busca por um Status Social de maior destaque. É óbvio que as humanas não tenham nesses espaços acadêmicos o prestígio que merecem. Afinal de contas, isso é o que menos importa. Mesmo quando a instituição tenha toda uma carta de apresentação tendo como objetivo a 'formação integral do homem'. Isto não vai para além de um bonito ideal que geralmente não passa daquilo que é, um mero ideal.
Não é de se estranhar que a Filosofia em meio a esses objetivos utilitaristas torne-se uma
estranha dentre as disciplinas. No Brasil esteve por décadas fora do curriculum escolar. A Estado Ditatorial iniciado em 1964 ocupou-se de banir por completo a existência dessa disciplina. A disciplina retornou de modo acanhado em 2008, pelas mãos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E desde então o que não falta são saudosistas do Regime autoritário incomodados com ela.
Especialmente quando tivermos governos menos Democráticos e mais pragmáticos, essa ameaça sempre será uma realidade a ser considerada e vencida.
Aliás, dessa depreciação não apenas a Filosofia sofre. Todas
as demais disciplinas das áreas de humanas são alvos dessa depreciação. As
disciplinas de humanas estão mais centradas no Ser que no Fazer. E nesse
dilema, sabemos que o Fazer sempre se sobressairá. E assim, tanto a Filosofia
quanto as demais disciplinas de humanas necessitarão sempre estarem atentas aos
movimentos que são feitos no sentido de expulsá-las desse conjunto de
disciplinas dos sistemas educacionais.
Alguém pode compreender com maior facilidade a utilidade de se estudar Biologia, Química ou Física. Mas compreender para que estudar com a mesma dedicação Literatura, história ou Filosofia, parece requerer um enorme esforço.
A depreciação em questão pode ser averiguada empiricamente pela observação dos gastos do governo com as ciências da Natureza comparando-os com os gastos voltados para as áreas de humanas. Não será difícil perceber que a compreensão geral política e tecnocrata não vê muita vantagem em gastar dinheiro público para financiamento de pesquisas nas áreas de humanas. Na mentalidade atrasada desses sujeitos, não haveria um retorno financeiro compensatório para aquilo que chamariam facilmente de 'gastos desnecessários'. Afinal de contas para que servem as humanas se não têm a finalidade de possibilitarem um retorno econômico imediato? Explicar para essa gente que as humanas podem inclusive melhorar o aspecto econômico, seria muito para a mentalidade deles.
Se as Ciências da Natureza e as exatas, com as tecnológicas, nos possibilitam bens materiais que facilitam nossas vidas e que na obtenção dos mesmos, geram gordos lucros aos donos dos capitais; grande verdade é que são as humanas a poderem dizer o quanto estamos agredindo o meio ambiente para satisfazer nossas necessidades por bens materiais e como é que, poderíamos encontrar um caminho racional para recuperar os danos já causados e evitar futuros. E ainda, como consumir com responsabilidade ambiental os bens materiais - que para fabricá-los, da natureza retiramos.
Mas então porque iniciei com a assertiva “A Filosofia não é
apenas uma disciplina dentre as demais na Educação Básica e/ou no Ensino
Superior”?
A assertiva em questão é justamente a minha tentativa de
demonstrar que o valor da Filosofia está para além do sistema educacional. A
Filosofia está para além dos muros das escolas e universidades. A filosofia não
é um amontoado de informações a partir de teorias construídas ao longo do
tempo.
Ou seja, o que eu quero dizer é que a Filosofia está imbricada
em uma relação única com o/a filósofo/a e com o filosofar. O que ainda quero
dizer é que a Filosofia é um exercício que se faz subjetivamente a todo tempo
em um emaranhado de relações intersubjetivas que se renovam a cada momento.
Talvez o que melhor defina essa palavra Filosofia, que em
suas origens significa amor à sabedoria, é que a Filosofia nada mais é do que
um exercício.
Sim, a Filosofia é um exercício humano. Um exercício
exclusivamente do sujeito. E aqui talvez tenhamos a maior dificuldade para convencer
as pessoas a fazerem bom uso desse instrumento do pensar. Fazer exercício não é
uma atividade que agrade à maioria. E não estamos falando de um exercício fácil
de ser feito. Talvez nenhum dos tantos exercícios que possamos fazer em uma
academia de modelagem do corpo, possa ser comparado ao exercício filosófico.
A Razão é uma faculdade espetacular. É ela que marca a
singularidade do Homem em meio ao Reino animal. Mas é verdade que a Razão
enquanto instrumento do pensar, assim como a Filosofia, não funciona de maneira
involuntária. O homem necessita ter um querer e esse querer é o que o levará a
assumir o exercício filosófico.
Sabemos que o ser crítico está em um patamar diferente
daquele do ser alienado. Especialmente Karl Marx nos ajudou muito a
decifrar esse enigma, em uma vasta teoria. Por exemplo, é possível termos
alguém que tendo passado pela educação básica e educação superior, persista no
mais profundo Senso Comum e completamente alienado, sem qualquer empatia em
relação aos problemas do Homem atual, dos demais animais e/ou do meio ambiente.
Em contraposição à Filosofia, obviamente é muito mais fácil
alguém apaixonar-se pelo Senso Comum. Este saber não requer um árduo exercício.
Ele se faz a partir de tentativas, de testagens experimentais. Por exemplo, se
tenho uma garrafa de café, mas não sabendo para que lado rolar a tampa faço
isto em uma tentativa de acerto e erro. Quando acertar, meu problema estará
solucionado. Abrir minha garrafa a partir de então será um ato automático a se
repetir sem a imposição de problemas de nenhuma outra natureza, que não seja o da
prática.
O padre, o pastor, o político, apesar de estarem em funções
sociais diferentes, fazem narrativas com o objetivo de agradar aos públicos que
os escutam. No geral esses públicos não são muito exigentes. Tirar vantagens
deles é uma arte que não requer muito esforço. Basta dizer o que eles desejam ouvir.
Basta responder às suas demandas imediatas vendendo-lhes ilusões e serão
aplaudidos. Basta perceber que nas narrativas dos religiosos, no geral, o Jesus
bíblico é retratado como um ‘milagreiro’ mas jamais como um libertador social.
Na política o importante é pregar o fim da corrupção no governo a ser
empossado e o público fará do político ‘um mito’. O segredo é evitar o
conflito, evitar a necessidade de que os públicos, em questão, ousem pensar. O
foco é trabalhar o afeto e, em uma sociedade capitalista como a nossa, com
tantas demandas materiais e psicológicas, não é difícil vender ilusões.
O alienado tem um mundo bastante limitado. Por exemplo,
diante de um 'panelaço' nacional contra o governo, marcado para as 20 horas de
uma noite definida antecipadamente, ele é capaz de olhar para a rua de seu
bairro nesse dia e hora e, não ouvindo nada que identifique o soar de panelas
logo conclui o evento panelaço foi uma mentira dos opositores ao governo.
Seria o equivalente, em exagero de minha parte é claro, a dizer: Nunca estive na Torre Eiffel,
logo, ela não existe. Lula é ladrão e lulinha, seu filho, o homem mais rico do
mundo com o dinheiro acumulado dos assaltos aos cofres públicos feitos pelo
pai, essa é uma das ‘verdades’, mais disseminadas e propaladas, pelas pessoas que
vivem nos limites dessa alienação.
No ano de 2020, no
Brasil, tínhamos um presidente da República conhecido no mundo todo como um
negacionista frente à Pandemia de um Novo Coronavírus que se abateu sobre o
mundo todo naquele ano. No Negacionismo (do francês négationnisme) a pessoa
escolhe negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável.
Diferente obviamente do Filósofo que ama esse desconforto e utiliza o conflito
dele originado para pensar e criar mecanismos de enfrentamento, de intervenção
para ter o controle da realidade adversa. Interessante foi perceber que os
seguidores desse presidente, de extrema-direita, deram validação aos discursos do
mesmo, gerando muitos problemas em meio à luta empreendida pelas autoridades
políticas e sanitárias do país. Um discurso que obviamente ceifou muitas vidas,
quando na verdade, a Filosofia e a Ciência deveriam ser os instrumentos a serem
utilizados para preservar vidas.
Ora, o negacionismo, em questão, faz parte de um processo de
alienação que visa apagar qualquer possibilidade de autonomia no pensar.
O alienado, no geral, ocupa-se de seus problemas e vive para
solucioná-los, não importando com os problemas dos outros. Por exemplo, se ele
tem comida no prato entende que essa conversa de fome no mundo é uma farsa. Se
não é um problema dele, o problema não existe.
Não é de se estranhar que as elites do Capitalismo, que
sucederam a burguesia mercantil, continuem a utilizar com muito sucesso os
instrumentos de alienação tão bem explicitados nas teorias marxistas. Esses
instrumentos permitem que alguém que não tenha bens materiais pense igualmente
a alguém que tenha muitos bens materiais. Assim, manter as absurdas
desigualdades sociais não é uma tarefa tão difícil para as elites.
Portanto, diante dessas considerações podemos compreender
que aqui temos uma aporia. Importante lembrar que a aporia é uma dificuldade ou
dúvida racional decorrente da impossibilidade objetiva de obter resposta ou
conclusão para uma determinada indagação filosófica. Essa aporia decorre do
fato de que a Filosofia é um exercício difícil de ser feito e que assim sendo
não encontrará muitos adeptos. Por outro lado, a alienação atinge a maioria dos
homens e das mulheres, pois é uma condição para a sobrevivência do próprio
Sistema Econômico e satisfação das necessidades mais básicas do ser humano.
Ora, não desejo aqui solucionar essa aporia. O meu objetivo
aqui é demonstrar que a Filosofia é muito mais do que uma simples disciplina a
ser ensinada no sistema educacional.
Ao exercício filosófico chamaremos de filosofar. Como já foi
demonstrado anteriormente é um exercício que depende exclusivamente do querer
do sujeito implicado. Filosofar é um exercício libertador e, sem dúvidas, o
caminho para a felicidade. É um remédio eficaz para a solução de problemas e
mais que isso, para a prevenção de futuros problemas.
O filosofar tem um potencial humanizador simplesmente
revolucionário. Mas como explicar o que é esse filosofar? Muitos filósofos já
se ocuparam dessa tarefa. E eu aqui desejo apenas deixar minha contribuição em
forma de um ensaio.
Entendo que o Filosofar em primeiro lugar depende de um
encantamento. Depende de um apaixonar-se pela coisa. Filosofar implica para
além do querer, a necessidade também de ser tomado por uma grande paixão pela
verdade e pela felicidade. É essa paixão que fará do sujeito um bom filósofo, uma boa filósofa.
O Filósofo é aquele que diante das verdades do mundo
apresenta dúvidas, diante das respostas apresenta perguntas. O Filósofo é um
experto em observar o seu entorno. Ele é capaz de perder tempo no final de um
dia contemplando o pôr do Sol. Ele é capaz de flagrar o canto de um pássaro em
meio ao barulho rotineiro de um grande centro. O filósofo é capaz de
espantar-se diante das perguntas sobre o mundo e diante do próprio mundo, como
tão bem explicou Aristóteles em sua Metafísica. O Filósofo ainda é capaz de
saber a diferença que separa a opinião do argumento. É capaz de exercer a arte
do bem argumentar.
Além desses qualificantes, o Filosofar exige que o sujeito
que se dispõe ao exercício domine a distinção entre os variados conjuntos de
saberes que o Homem construiu ao longo do tempo. É necessário que ele consiga
fazer a distinção entre uma Saber Mítico e um Saber Filosófico, ou entre um
Saber Científico e um Saber Popular. Fazer essas distinções é uma condição
necessária para o exercício. Eu diria que metaforicamente seria o mesmo que
alguém querendo ser um bom ciclista necessitasse, de imediato, de uma bicicleta e
que ele conhecesse bem as diferenças entre as variadas bicicletas. a fim de obter a mais adequada, para que durante
os exercícios não venha a ter surpresas que os prejudiquem.
Diante disso, podemos já fazer mais outra conclusão. O
Filosofar é um exercício exclusivamente do sujeito e é o próprio Filósofo que
deve decidir avançar mais ou o quanto avançar mais. Não sei se tem receita para
isso. Talvez não. Dependerá muito da presença dos elementos que descrevi.
O Filosofar faz com que o filósofo tenha algumas
características muito específicas. Ele está sempre metido em conflitos. Muitos evitam o filósofo porque sabem que ficariam desarmados diante dos argumentos e perguntas
de seu interlocutor. O Filósofo consegue ver coisas para além daquelas que são
compreendidas pelo Senso Comum. Os conflitos, portanto, são normais, pois o
Filósofo está sempre em um outro patamar, que não direi ser superior pois isto
mataria a proposta de Filosofia da qual estamos tratando, mas em um outro patamar no sentido
de que estando em exercício filosófico é capaz de elaborar uma cosmovisão
(maneira subjetiva de ver e entender o mundo) muito mais abrangente e completa
do que aqueles que não fazem o exercício.
Em suma, o Filosofar é o próprio exercício crítico frente aos problemas da vida e do mundo. Nada escapa ao filosofar. O filosofar segue um método de raciocínio rigoroso que se adquire no próprio exercício. Quanto mais dinâmica é dada ao exercício mais longe viajam as especulações filosóficas.
Em suma, o Filosofar é o próprio exercício crítico frente aos problemas da vida e do mundo. Nada escapa ao filosofar. O filosofar segue um método de raciocínio rigoroso que se adquire no próprio exercício. Quanto mais dinâmica é dada ao exercício mais longe viajam as especulações filosóficas.
Poderíamos perguntar ainda, qual é a vantagem do Filósofo ter
essa cosmovisão diferenciada? Por exemplo, o filósofo diante das angústias
decorrentes da vida em sociedade frente a todos os seus problemas, sofre menos?
Eu repondo que não! Respondo ainda que o Filósofo que filosofa sofre tanto
quanto quem não se aventura nesse exercício. A diferença está no fato que
aquele que não filosofa sofre sem saber os motivos de seu sofrimento e, assim,
não sabe como agir para ter menos prejuízos. Por outro lado, o filósofo que
filosofa sofre sabendo os motivos de seu sofrimento e, portanto, saberá o que
fazer para diminuir os prejuízos. E talvez, esse seja o maior segredo da
Filosofia, o filosofar é libertador, o filosofar é a própria felicidade. É libertador porque o homem que aventura-se a filosofar encontra sua essência mais primitiva que é a de ser um animal dotado de Razão, a faculdade que lhe dá a condição de co-criador do Universo e da vida enquanto natureza, criador de seu próprio mundo interior. O Filosofar é libertador porque possibilita ao homem um conhecimento profundo de si mesmo e do mundo que o rodeia. E ter consciência da existência dessa essência aliada ao bom e devido uso que se deve dela fazer, para que a vida em todas as suas dimensões possa ser preservada e celebrada, é o motivo pelo qual pode esse homem ao filosofar, ser plenamente feliz.
FILOPARANAVAÍ © ²º20