TEETETO (ou sobre o conhecimento) de Platão. O Teeteto (em
grego, Θεαίτητος) é um diálogo platônico sobre a natureza do conhecimento.
Platão (428/427-348/347)
A obra de Platão é uma preciosidade da literatura de todos
os tempos e um monumento filosófico de valor incomensurável. As questões
postas, dizendo respeito á conduta ética e política dos atenienses, ao seu
comportamento como indivíduos e em sociedade, gozam da maior pertinência vinte
e quatro séculos depois. A sua finalidade é sempre a busca da verdade por meio
da dialética.
Dialética era, na Grécia antiga, arte do diálogo. Aos
poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma
argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na
discussão.
Aristóteles considerava Zênon o fundador da dialética.
Outros consideram Sócrates, pois em uma discussão sobre a função da filosofia
(que estava sendo caracterizada como a uma atividade inútil), Sócrates desafiou
os generais Lachés e Nícias a definir o que era bravura e o político Caliclés a
definir o que era a política e a justiça. Isso com o intuito de demonstrar a
eles que só a filosofia (por meio da dialética) podia lhes proporcionar
instrumentos indispensáveis para entenderem a essência daquilo que faziam, das
atividades profissionais a que se dedicavam.
Na acepção moderna, entretanto, dialética significa outra
coisa: é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de
compreendemos a realidade como essencialmente contraditórias em permanente
transformação.
No sentido moderno da palavra, o pensador dialético mais
radical da Grécia antiga foi, sem dúvida, Heráclito de Efeso (aproximadamente
540-480 a.C). Para ele, tudo está em constante mudança, o conflito é o pai e o
rei de todas as coisas. Lê-se também que a vida ou morte, sono ou vigília, que
juventude ou velhice são realidades que se transformam em umas nas outras. Seu
fragmento número 91, em especial, tornou-se famoso: nele se lê: Üm homem não
toma banho duas vezes no mesmo rio". Isto porque da segunda vez, não será
o mesmo homem e nem estará no mesmo rio (ambos terão mudado).
Os gregos acharam essa concepção muito abstrata, muito
unilateral chamaram o filósofo de "o Obscuro". Os gregos preferiram a
resposta que de outro pensador da época: Parmênides. Parmênides ensinava que a
essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento (a mudança) era
um fenômeno de superfície. Essa linha de pensamento - que podemos chamar de
metafísica - acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito.
A concepção metafísica prevaleceu, ao longo da história,
porque correspondia nas sociedades divididas em classes, aos interesses das
classes dominantes, sempre preocupadas em organizar duradouramente o que já
está funcionando, sempre interessadas em amarrar bem tanto os valores e
conceitos como as instituições existentes.
A concepção dialética foi reprimida historicamente: foi
empurrada para posições secundárias e condenada a exercer uma influência
limitada. Apesar disso, a dialética não desapareceu. Para sobreviver, precisou
renunciar às suas expressões mais drásticas, precisou conciliar-se com a
metafísica. Aristóteles, por exemplo, introduziu princípios dialéticos em
explicações dominadas pelo modo de pensar metafísico. Embora menos radical, ele
observou que nós damos o mesmo nome de movimento a processos muito diferentes,
que vão desde o mero deslocamento mecânico de um curto espaço, ao mero aumento
quantitativo de alguma coisa, até a modificação qualitativa de um ser ou o
nascimento de um ser novo.
Segundo Aristóteles, todas as coisas possuem determinadas
potencialidades; os movimentos das coisas são potencialidades que estão se
atualizando, isto é, são possibilidades que estão se transformando em realidade
efetiva. Com seus conceitos de ato e potência, ele conseguiu impedir que o
movimento fosse considerado apenas uma ilusão desprezível, um aspecto
superficial da realidade. Graças a Aristóteles, os filósofos não abandonaram
completamente estudo do lado dinâmico e imutável do real.
A dialética ficou sufocada até o Renascimento. Seu caráter
instável, dinâmico e contraditório da condição humana foi corajosamente
reconhecido por um pensador místico e conservador como Pascal (1623 - 1654).
Outro filósofo, o italiano Giambattista Vico (1680 - 1744), também ajudou a
dialética a se fortalecer. Ele achava que o homem não podia conhecer a
natureza, que tinha sido feita por Deus e só como Deus podia ser efetivamente
conhecida; mais sustentava que o homem podia conhecer a sua própria história,
já que a realidade histórica é obra humana, é criada por nós. Esta formulação
constituiu um poderoso estímulo a um método adequado e correto da compreensão
da realidade histórica, ou seja, a elaboração de um método dialético.
Fonte: O que é Dialética, de Leandro Konder
LISTA DAS OBRAS
Período em torno da morte de Sócrates (399-390)
1. Hípias Menor - o falso
2. Laques - A coragem
3. Eutifron - A piedade
4. Ion - Sobre a Ilíada, a inspiração
5. Protágoras - Os sofistas, a educação, a virtude
6. Côrmides - A sabedoria prática
PERÍODO DA FUNDAÇÃO DA ACADEMIA(398-385)
7. Apologia -
8. Críton - O dever
9. Lísis - A amizade
10. Górgias - A retórica
11. Menexeno - A oração fúnebre
12. Eutídemo - A erística
13 - Mênon - A virtude, a teoria da reminiscência
14 - Crátilo - A justeza dos nomes, a linguagem
PERÍODO DA MATURIDADE (385-370)
15. Fédon - A imortalidade da alma
16. Banquete - O Amor, O Belo
17. A República - A justiça na alma e na cidade, o Bem
18. Fedro - o amor, a alma, a retórica, a dialética
PERÍODO DE VELHICE (370-348)
19. Teeteto - O Conhecimento
20. Parmênides - o uno e o múltiplo, as formas inteligíveis
21. Sofista - o sofista, o ser, o falso, o outro, a
dialética
22 -Fílebo - o prazer, a vida boa
23. Político - a arte de governar
24. Crítias - Atlândida
25. Timeu - A cosmologia
26. Leis - O sistema político, a Legislação
Estrutura geral da obra Teeteto de Platão
1.Sobre o diálogo e o jovem Teeteto.
2.Sócrates procura um interlocutor: preocupação de Sócrates
com a educação dos jovens atenienses.
3. Sócrates questiona/investiga Teeteto sobre o que é
conhecimento.
4. A primeira definição do conhecimento como percepção e a
sua alegada equivalência à tese relativista de Protágoras.
5. Argumentos platônicos contra o relativismo de Protágoras.
Análise e discussão do "argumento da auto-refutação".
6.A crítica à teoria do fluxo de Heráclito - por tornar
impossível qualquer asserção. A crítica direta à primeira definição: as noções
comuns e a asserção ao plano do juízo. A segunda definição do conhecimento como
opinião verdadeira. O problema da possibilidade da opinião falsa: rejeição de
cinco explicações possíveis (incluindo o tábua de cera e o aviário). Crítica
direta à segunda definição: o contra-exemplo do júri.
7.A terceira definição do conhecimento como opinião
verdadeira acompanhada de um lógos. O "Sonho de Sócrates" (teoria
acerca dos simples e dos compostos, e da respectiva (in)cognoscibilidade) e a
sua crítica. Três sentidos de lógos e correspondentes maneiras de entender a
definição. A crítica socrático-platônica e a aporia final. Interpretação do
sentido geral do diálogo.
Teeteto
Método socrático → Crítica aos sofistas → Epistemologia
O método socrático consiste numa dialética, em que a
discussão geralmente se desenvolve nas seguintes etapas: o protréptico e o
élenkhos, o método propriamente dito, utilizando-se da ironia e a maiêutica.
Método socrático
Lógica socrática → raciocínio indutivo e síntese (ideia).
Conhecer → passar do acidental para o essencial; da opinião
à verdade; da aparência à ideia.
“A ciência não pode ser ensinada, apenas despertada ou
relembrada”. (Chaui, p.200)
Élenkhos → Indagação que estimula um avançar junto com o
interlocutor; a importância da boa pergunta para o diálogo (Laques e Mênon)
Teeteto — Pelos deuses, Sócrates, causa-me grande admiração
o que tudo isso possa ser, e só de considerá-lo, chego a ter vertigens.
Sócrates — Estou vendo, amigo, que Teodoro não ajuizou
erradamente tua natureza, pois a admiração é a verdadeira característica do
filósofo. Não tem outra origem a filosofia. Ao que parece, não foi mau
genealogista quem disse que Íris era filha de Taumante. Porém já começaste a
perceber a relação entre tudo isso e a proposição que atribuímos a Protágoras?
Ou não? (Platão, 155d)
Sócrates — Pois então, amigo Teeteto, chegou a hora de te
exibires e eu de examinar-te. Convém saberes que Teodoro já me fez o elogio de
muita gente, assim estrangeiros como Atenienses, porém nunca em termos tão
calorosos como agora mesmo a teu respeito. → Exortação; convida o interlocutor
a filosofar. Sócrates utiliza a ironia como recurso de argumentação com a
finalidade de expor o interlocutor à sua própria ignorância. Com ela, Sócrates
deixa seu aluno mais à vontade, livre para falar, orgulhoso das suas
convicções, que Sócrates irá rebater.
Ironia = refutação; problematização das crenças.
Teeteto — Realmente, Sócrates, exortando-me como o fazes,
fora vergonhoso não esforçar-me para dizer com franqueza o que penso.
Parece-me, pois, que quem sabe alguma coisa sente o que sabe. Assim, o que se
me afigura neste momento é que conhecimento não é mais do que sensação.
Sócrates — Bela e corajosa resposta, menino. É assim que
devemos externar o pensamento. Porém examinemos juntos se se trata, realmente,
de um feto viável ou de simples aparência. Conhecimento, disseste, é sensação?
(Platão, 151e)
Ironia não deve ser confundido com deboche, sarcasmo ou
desrespeito, sentidos negativos da palavra. Ironia, em grego (do gr. eironeia),
significa dissimulação, mas devemos ver em seu uso uma estratégia de
desarmamento das convicções dos interlocutores.
Em outro trecho do diálogo, insatisfeito com a falta de
empenho de Teeteto e querendo dar novo rumo ao debate, ele provoca:
Sócrates — Então, em nome das Graças, não teria Protágoras,
esse poço de sabedoria, falado por enigmas para a multidão sem número, na qual
nos incluímos, porém dito em segredo a verdade para seus discípulos?
Teeteto — Que queres dizer com isso, Sócrates? (Platão,
152d)
Maiêutica → realizar o parto de uma ideia
No Teeteto, encontramos Sócrates definindo o seu método
filosófico, comparando-se à arte de uma parteira, profissão da sua mãe. A
palavra maiêutica significa, em grego, a arte do parto (do gr. maieutiké).
Segundo Sócrates, ao invés de dar à luz crianças, ele ajudaria no parto das
ideias.
Teeteto — Convém saberes, Sócrates, que já por várias vezes
procurei resolver essa questão, por ter ouvido falar no que costumas perguntar
sobre isso. Porém não posso convencer-me de que cheguei a uma conclusão
satisfatória, como nunca ouvi de ninguém uma explicação como desejas. Apesar de
tudo, não consigo afastar da ideia essa questão.
Sócrates — São dores de parto, meu caro Teeteto. Não estás vazio; algo em tua alma deseja vir à luz.
Sócrates — São dores de parto, meu caro Teeteto. Não estás vazio; algo em tua alma deseja vir à luz.
Teeteto — Isso não sei, Sócrates; só disse o que sinto.
Sócrates — E nunca ouviste falar, meu gracejador, que eu sou
filho de uma parteira famosa e imponente, Fenarete? (Platão, 148e)
Maiêutica socrática:
→ " procedimento dialético, de concepção inatista;
→ " parte das opiniões que seu interlocutor emite sobre
algo, procura fazê-lo cairem
contradição ao defender seus pontos de vista;
→ " reconhecer a ignorância acerca daquilo que julgava
saber. A partir do reconhecimento da ignorância, trata-se então de descobrir,
pela razão, a verdade que temos em nós (Marcondes, p.158);
→ " refutação socrática evidencia-se que, segundo
Platão, “os homens produzem as representações das coisas, não como elas são,
mas como elas lhes parecem ser; eles produzem opiniões e discursos falsos que
não são reconhecidos como tais” (Marques, p. 36);
→ " mostrar os limites do lógos, avançando na
refutação, levando em conta o que o interlocutor tem a dizer e desdobrando uma
posição contrária em todas as suas etapas;
→ " questionando sistematicamente através da boa
pergunta, pretendia ele como um obstetra induzir uma consciência crítica, dar à
luz as almas. O filósofo revela-se como um produtor de discursos regulados pelo
inteligível, um imitador do divino, artesão de si mesmo, um ator consciente de
seus limites e possibilidades, possibilidades humanas, mas não demasiadamente
humanas, porque divinamente tais (Marques, p. 364).
Dialética platônica é aporética no Teeteto
Dialética = fazer passar o lógos na discussão entre dois
interlocutores; passar do acidental para o essencial; da opinião à verdade; da
aparência à idéia; instrumento de busca da verdade.
Aporia (do gr. aporia), que significa “caminho inexpugnável,
sem saída”, “dificuldade”. Diálogos platônicos são “aporéticos”, isto é,
inconclusivos, devido à impossibilidade de chegar a um lugar, a uma inferência.
Ao estudo das aporias chama-se aporética.
Dialética = fazer passar o lógos na discussão entre dois
interlocutores; passar do acidental para o essencial; da opinião à verdade; da
aparência à idéia; instrumento de busca da verdade. Uma aporia cria uma tensão
lógico-retórica que impede que o sentido de um texto se possa fixar.
Num diálogo aporético não se chega nunca a uma definição do
tema central – o conhecimento (Teeteto), a coragem (Laques) e a virtude
(Mênon);
- o método socrático vale para uma leitura crítica de um
texto literário, no qual devemos reconhecer que as aporias têm uma função
heurística (levar o interlocutor a descobrir aquilo que se pretende que ele
aprenda);
- no método aporético, Sócrates pressupõe a purificação da
falsa sophia do interlocutor, também o leitor deve “purificar” o texto das suas
dificuldades, deixando sempre abertas as portas da significação.
Crítica aos sofistas
Sócrates - ...Quando houvesses proposto a identidade do
conhecimento e da sensação, ele se lançaria sobre as sensações do ouvido, do
olfato e dos demais sentidos, refutar-te-ia sem misericórdia e não te daria
tréguas enquanto não te deixasse boquiaberto diante de sua invejável sabedoria
e colhido na sua rede. Depois de dominado e de ficares inteiramente preso, só
te soltaria quando lhe houvesses entregue a dinheirama estipulada. Mas talvez
desejes saber o que poderia aduzir Protágoras em defesa de sua doutrina? Valerá
a pena falarmos em seu nome? (Platão, 165e) ...O que afirmo é que se um
indivíduo de má constituição de alma tem opiniões de acordo com essa
disposição, com a mudança apropriada passará a ter opiniões diferentes,
opiniões essas que os inexperientes denominam verdadeiras. No meu modo de
pensar, estas serão melhores do que as primeiras; mais verdadeiras, nunca
(Platão, 167b).
... Aqui a falta de lealdade consiste em entabular o diálogo
sem fazer a necessária distinção entre o que é discussão propriamente dita e
investigação dialética. No primeiro caso, o disputador diverte-se com o
adversário e procura lográ-lo o mais possível; no outro, o dialético procede
com seriedade e esforça-se por levantar o adversário, com mostrar-lhe apenas os
erros em que ele incorrera, ou fosse por conta própria ou por má orientação de
outros diretores. Se assim procederes, teus interlocutores só poderão queixar-se
deles mesmos em suas incertezas e perplexidades, não de ti; seguir-te-ão por
toda a parte e se mostrarão amigos, detestando-se e fugindo deles mesmos, para
se acolherem à filosofia e se mudarem noutros, sem mais continuarem a ser o que
eram antes. Porém se fizeres o contrário disso, a exemplo da maioria, o
contrário, precisamente, se passará contigo, e em vez de filósofos ou amigos da
sabedoria farás de teus acompanhantes inimigos do saber, quando se tornarem
mais idosos ... (Platão,167e-168a,b).
Epistemologia, ou Teoria do Conhecimento, é o ramo da
filosofia que investiga a natureza, as fontes e a validade do conhecimento.
Essa questão é tão velha quanto a filosofia e seu primeiro tratamento explícito
é encontrado em Platão, em particular no Teeteto. Os epistemólogos tentam
responder, entre outras questões, à pergunta formulada por Sócrates: o que é o
conhecimento?
Investigação dialógica por meio respostas de → Teeteto.
Dimensões → Ética; Política; Antropológica; Epistemológica.
Respostas de Teeteto → Conhecimentos são muitos;
Conhecimento é percepção; Conhecimento é opinião (problema da opinião falsa);
Conhecimento é opinião verdadeira com lógos.
Primeira resposta:
Teeteto → Conhecimento consiste em coisas como a geometria e
carpintaria (151d-186e).
Sócrates — Mas o que te perguntei, Teeteto, não foi isso: do
que é que há conhecimento, nem quantos conhecimentos particulares pode haver;
minha pergunta não visava a enumerá-los um por um; o que desejo saber é o que
seja o conhecimento em si mesmo. Será que não me exprimo bem?
Teeteto — Ao contrário; exprimes-te com muita precisão.
Sócrates — Considera também o seguinte: se alguém nos
perguntasse a respeito de alguma coisa vulgar e corriqueira, por exemplo: o que
é lama, e lhe respondêssemos que há a lama dos oleiros, a dos construtores de
fornos e a dos tijoleiros, não nos tornaríamos ridículos?
Teeteto — É provável.(Platão, 146e)
Sócrates → corrige Teeteto e esclarece que o que ele quer
saber é o que é comum a todos esses conhecimentos; a essência do conhecimento.
Segunda resposta:
Teeteto → conhecer algo é tomar contato com ela por meio dos
sentidos; conhecimento é percepção (151e).
Sócrates — ... Porém examinemos juntos se se trata,
realmente, de um feto viável ou de simples aparência. Conhecimento, disseste, é
sensação?
Teeteto — Sim.
Sócrates — Talvez tua definição de conhecimento tenha algum
valor; é a definição de Protágoras; por outras palavras ele dizia a mesma
coisa. Afirmava que o homem é a medida de todas as coisas, da existência das
que existem e da não existência das que não existem. Decerto já leste isso?
Teeteto — Sim, mais de uma vez.
Sócrates — Não quererá ele, então, dizer que as coisas são
para mim conforme
me aparecem, como serão para ti segundo te aparecerem? Pois
eu e tu somos
homens (Platão, 151e).
Sócrates → critica o relativismo sensorial de Protágoras e a
idéia de que o homem é a medida de todas as coisas (152a). O conhecimento não
reside nas impressões sensoriais, mas na reflexão que a alma faz sobre elas.
Sócrates reprova este relativismo, dizendo que essa
definição de ciência careceria de valor absoluto e que a proposta de a sensação
se converter em conhecimento é subjetiva. A verdadeira ciência, segundo
Sócrates, une o ser a deus (176a,b), já que as Idéias são conhecidas unicamente
pela alma, que é divina. Há um ideal de transcendência, de virtude e de pureza.
A elevação do mundo das experiências ao mundo da ciência é algo assim como uma
ascensão do mundo relativo ao mundo do absoluto (da verdade).
“Porque o conhecimento é infalível e é daquilo que é, se o
conhecimento é percepção, então a percepção é infalível e daquilo que é. Uma
vez que x pode (por exemplo) parecer quente a A e frio a B, a definição implica
um relativismo protagórico que valida ambas as percepções: o que A percepciona
é para A e o que B percepciona é para B. O objeto não é quente nem frio em si
mesmo: não existe nenhuma realidade objetiva independente das percepções que as
pudesse falsificar” (Heinaman)
Platão: o relativismo refuta-se a si próprio (170d-171c).
Vejamos o raciocínio de Platão: muita gente rejeita a tese
de Protágoras, ao considerarem que há percepções erradas (casos em que A vê
amarelo onde ele não existe); de acordo com a tese de Protágoras, estas pessoas
estão certas: o que lhes parece é para elas; então, a tese de Protágoras é
falsa para elas; logo, a tese de Protágoras não é verdadeira, em absoluto. Reconstrução
do argumento socrático-platônico segundo o qual a tese de Protágoras se refuta
a ela própria:
(1) Se A acredita que p, então p é verdadeira para A. (tese
do relativismo)
(2) Protágoras acredita em (1). (fato)
(3) Muitas pessoas têm a opinião contrária à de Protágoras.
(fato)
(4) Muitas pessoas acreditam na negação de (1).
(conseqüência de 2 e 3)
(5) Todas as crenças são verdadeiras. (conseqüência de 1)
(6) A negação de (1) é verdadeira. (conseqüência de 4 e 5)
(7) (1) é falsa. (conseqüência de 6)
Avaliação crítica do argumento:
O passo (5) do argumento é o mais problemático. Pois (5) não
é uma conseqüência
de (1). O que se segue de (1) é antes: (8) Todas as crenças
são verdadeiras para aqueles que as têm. Depois, de (4) e (8) segue-se: (9) A
negação de (1) é verdadeira para muitas pessoas. E, a partir de (9), pode
finalmente concluir-se:
(10) (1) é falsa para muitas pessoas. Mas (10) não afirma a
falsidade absoluta do relativismo. Apenas afirma a sua falsidade relativa, a
qual é compatível com a sua verdade também relativa. O erro do argumento
platônico encontra-se na seguinte passagem: Sócrates – [...] ao concordar que
dizem a verdade todos quantos opinam coisas que são, [Protágoras] concede ser
verdade a opinião dos que têm a opinião contrária à dele, pela qual pensam que
ele está errado (171a). Ela deveria ser corrigida para: “... ao concordar que
dizem a verdade para eles todos quantos opinam coisas que são, [Protágoras]
concede ser verdade para eles a opinião dos que têm a opinião contrária à dele,
pela qual pensam que ele está errado”.
Para a relevância atual do argumento, aponte-se para
diversas tendências relativistas contemporâneas: relativismo epistemológico
presente em Kuhn, o relativismo ontológico presente em Quine, o relativismo
ético em autores como Harman e Bernard Williams. É possível “emendar” o
argumento platônico, de modo a transformá-lo num argumento válido que, partindo
da tese relativista, conclui que essa mesma tese é falsa (ou, pelo menos, não é
verdadeira)? ... com base na idéia de que, quando Protágoras afirma (1), ele
fá-lo significando, não que (1) é verdadeiro para Protágoras, mas que (1) é
verdadeiro, ponto final. É por isso que a afirmação de (1) nos diz respeito,
nos interpela. Então, a afirmação de (1) é uma afirmação que tem como conteúdo
que toda a verdade é relativa, mas que é feita com a intenção de ser aceite
como uma verdade absoluta. Nesse sentido, tratar-se-ia de uma afirmação que se
“derrota” a si própria, em sentido pragmático; ou uma “contradição
performativa” (Burnyeat 1990: 30; Bostock: 90)
Terceira resposta:
Teeteto → conhecimento é opinião verdadeira
Sócrates — Pois tens razão, amigo, em pensar dessa maneira.
Retoma o assunto desde o começo, depois de apagar quanto ficou dito, e
considera se não vês melhor do ponto em que chegaste. E agora dize mais uma vez
que é conhecimento?
Teeteto — Dizer que tudo é opinião, Sócrates, não é
possível, visto haver opinião falsa. Mas pode bem dar-se que conhecimento seja
a opinião verdadeira, o que formulo à guisa de resposta. Mas, se com o avançar
da discussão não nos parecer aceitável, como agora, espero encontrar outra.
(Platão, 187b)
Sócrates → há juízos falsos e verdadeiros; não é fácil
explicar o que é o juízo falso: como posso eu produzir o juízo de que A = B se
não souber o que é A nem o que é B? Mas, nesse caso, como é possível que me
engane no juízo que fiz? A possibilidade dos juízos falsos (erros de percepção)
parece ameaçar-nos com a necessidade de admitirmos que alguém pode saber e não
saber a mesma coisa ao mesmo tempo.
Quarta resposta:
Teeteto → conhecimento é opinião verdadeira articulada pelo
lógos.
Teeteto — Sobre isso, Sócrates, esquecera-me o que vi alguém
dizer; porém agora volto a recordar-me. Disse essa pessoa que conhecimento é
opinião verdadeira acompanhada da explicação racional, e que sem esta deixava
de ser conhecimento. As coisas que não encontram explicações não podem ser
conhecidas — era como ele se expressava — sendo, ao revés disso, objeto do
conhecimento todas as que podem ser explicadas (Platão, 201d).
Sócrates → A partir daqui, a refutação socrática deixa
entrever que o importante é procurar um caminho que nos oriente sobre o que a
ciência não é. Esse caminho procura salvar Teeteto do círculo vicioso em que se
encontra, do verbalismo retórico comum aos jovens atenienses e busca reconhecer
a limitação humana frente à soberania do pensamento racional. Fica
inquestionável, no Teeteto, que o antropologismo pragmático de Protágoras, ou
seja, o conhecimento do homem centrado em tudo aquilo que pode ampliar sua habilidade,
marca a distância entre o sofista e o filósofo: o sofista, no seu relativismo,
faz mudar o sentido das coisas para resolver problemas imediatos; o filósofo
caminha, com uma força interior, apoiado no mais puro amor à verdade.
Conclusão
Em resumo, o Teeteto não dirá sobre a realidade da ciência
(episteme), no entanto, oferecerá um passo definitivo na crítica ao verbalismo
sofístico. Também posiciona o lado dialético de Sócrates: a do lógos e do ser,
das essências. É uma forte crítica à teoria do fluxo de Heráclito, vinculada ao
relativismo sensorial de Protágoras e dos sofistas. O conhecimento sensorial é
imediato, naquele instante, e isso tem impedido a ascensão do gênero humano. O
engano de Heráclito está em confundir o sensível com o inteligível ou entre o
visível e o invisível. Essa distinção é a base da teoria platônica do
conhecimento e da dialética como método e instrumento para passarmos da
pluralidade contraditória de opiniões à unidade da ideia. A partir do Teeteto,
deve-se ultrapassar os dados da percepção e da opinião, além de aprofundar a
reflexão epistemológica para a compreensão do lógos, na prática da contradição
(antilogía), do impasse (aporía) e da refutação (élenkhos). No final do livro,
é dito que Protágoras não queria saber dos deuses, entidades dotadas de
ciência, e são estes que instigaram a Sócrates a divina arte da maiêutica, que
é o caminho perfeito para as supremas realidades: a ciência, o ser e o bem
absoluto.
Fontes
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos
pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, volume I, 2002.
GOLDSCHMIDT, Victor. Os diálogos de Platão: estrutura e
método dialético. Tradução de Dion Davi Macedo. São Paulo: Edições Loyola,
2002.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 6a edição, 2001.
MARQUES, Marcelo Pimenta. Platão, pensador da diferença. Uma
leitura do Sofista. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
PLASTINO, Caetano Ernesto. Notas sobre o relativismo
cognitivo. Philósophos, Goiânia, 9 (2): 167-178, jul./dez. 2004.
PLATÃO. Obras completas. Tradução de José Antônio Miguez,
Maria Araújo e outros. Madrid: Editora Aguilar, 1981.
PLATÃO. Teeteto-Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes.
Belém: Ed. UFPA, 1988.
PLATÃO. Teeteto. (Tradução portuguesa de Adriana M. Nogueira
e M. Boeri, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.)
BURNYEAT, “Protagoras and Self-Refutation in Plato’s
Theaetetus”, Philosophical Review 85 (1976), 172-195.
BOSTOCK. Plato’s Theaetetus. p. 90-91, 1988.
http://www.unimasterpre-vestibular.com.br/
Pesquisa de Fôlego. Parabens.
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