Os períodos da Filosofia grega
A Filosofia terá, no correr dos séculos, um conjunto de preocupações, indagações
e interesses que lhe vieram de seu nascimento na Grécia.
Assim, antes de vermos que campos são esses, examinemos brevemente os
conteúdos que a Filosofia possuía na Grécia. Para isso, de vemos, primeiro,
conhecer os períodos principais da Filosofia grega, pois tais períodos definiram
os campos da investigação filosófica na Antiguidade.
A história da Grécia costuma ser dividida pelos historiadores em quatro grandes
fases ou épocas:
1. a da Grécia homérica, correspondente aos 400 anos narrados pelo poeta
Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisseia;
2. a da Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V antes de
Cristo, quando os gregos criam cidades como Atenas, Esparta, Tebas, Megara,
Samos, etc., e predomina a economia urbana, baseada no artesanato e no
comércio;
3. a da Grécia clássica, nos séculos V e IV antes de Cristo, quando a democracia
se desenvolve, a vida intelectual e artística entra no apogeu e Atenas domina a
Grécia com seu império comercial e militar;
4. e, finalmente, a época helenística, a partir do final do século IV antes de
Cristo, quando a Grécia passa para o poderio do império de Alexandre da
Macedônia, e, depois, para as mãos do Império Romano, terminando a história de
sua existência independente.
Os períodos da Filosofia não correspondem exatamente a essas épocas, já que ela
não existe na Grécia homérica e só aparece nos meados da Grécia arcaica.
Entretanto, o apogeu da Filosofia acontece durante o apogeu da cultura e da
sociedade gregas; portanto, durante a Grécia clássica.
Os quatro grandes períodos da Filosofia grega, nos quais seu conteúdo muda e se
enriquece, são:
1. Período pré-socrático ou cosmológico, do final do século VII ao final do
século V a.C., quando a Filosofia se ocupa fundamentalmente com a origem do
mundo e as causas das transformações na Natureza.
2. Período socrático ou antropológico, do final do século V e todo o século IV
a.C., quando a Filosofia investiga as questões humanas, isto é, a ética, a política e
as técnicas (em grego, ântropos quer dizer homem; por isso o período recebeu o
nome de antropológico).
3. Período sistemático, do final do século IV ao final do século III a.C., quando a
Filosofia busca reunir e sistematizar tudo quanto foi pensado sobre a cosmologia
e a antropologia, interessando-se sobretudo em mostrar que tudo pode ser objeto
do conhecimento filosófico, desde que as leis do pensamento e de suas
demonstrações estejam firmemente estabelecidas para oferecer os critérios da
verdade e da ciência.
4. Período helenístico ou greco-romano, do final do século III a.C. até o século
VI depois de Cristo. Nesse longo período, que já alcança Roma e o pensamento
dos primeiros Padres da Igreja, a Filosofia se ocupa sobretudo com as questões
da ética, do conhecimento humano e das relações entre o homem e a Natureza e
de ambos com Deus.
Filosofia Grega
Pode-se perceber que os dois primeiros períodos da Filosofia grega têm como
referência o filósofo Sócrates de Atenas, donde a divisão em Filosofia pré-socrática
e socrática.
Período pré-socrático ou cosmológico
Os principais filósofos pré-socráticos foram:
► filósofos da Escola Jônica: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto,
Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso;
► filósofos da Escola Itálica: Pitágoras de Samos, Filolau de Crotona e Árquitas
de Tarento;
► filósofos da Escola Eleata: Parmênides de Eleia e Zenão de Eleia;
► filósofos da Escola da Pluralidade: Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de
Clazômena, Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera.
As principais características da cosmologia são:
► É uma explicação racional e sistemática sobre a origem, ordem e
transformação da Natureza, da qual os seres humanos fazem parte, de modo que,
ao explicar a Natureza, a Filosofia também explica a origem e as mudanças dos
seres humanos.
► Afirma que não existe criação do mundo, isto é, nega que o mundo tenha
surgido do nada (como é o caso, por exemplo, na religião judaico-cristã, na qual
Deus cria o mundo do nada). Por isso diz: “Nada vem do nada e nada volta ao
nada”. Isto significa: a) que o mundo, ou a Natureza, é eterno; b) que no mundo,
ou na Natureza, tudo se transforma em outra coisa sem jamais desaparecer, embora a forma particular que uma coisa possua desapareça com ela, mas não
sua matéria.
► O fundo eterno, perene, imortal, de onde tudo nasce e para onde tudo volta é
invisível para os olhos do corpo e visível somente para o olho do espírito, isto é,
para o pensamento.
► O fundo eterno, perene, imortal e imperecível de onde tudo brota e para onde
tudo retorna é o elemento primordial da Natureza e chama-se physis (em grego,
physis vem de um verbo que significa fazer surgir, fazer brotar, fazer nascer,
produzir). A physis é a Natureza eterna e em perene transformação.
► Afirma que, embora a physis (o elemento primordial eterno) seja imperecível,
ela dá origem a todos os seres infinitamente variados e diferentes do mundo,
seres que, ao contrário do princípio gerador, são perecíveis ou mortais.
► Afirma que todos os seres, além de serem gerados e de serem mortais, são
seres em contínua transformação, mudando de qualidade (por exemplo, o branco
amarelece, acinzenta, enegrece; o negro acinzenta, embranquece; o novo
envelhece; o quente esfria; o frio esquenta; o seco fica úmido; o úmido seca; o
dia se torna noite; a noite se torna dia; a primavera cede lugar ao verão, que cede
lugar ao outono, que cede lugar ao inverno; o saudável adoece; o doente se cura;
a criança cresce; a árvore vem da semente e produz sementes, etc.) e mudando de
quantidade (o pequeno cresce e fica grande; o grande diminui e fica pequeno; o
longe fica perto se eu for até ele, ou se as coisas distantes chegarem até mim, um
rio aumenta de volume na cheia e diminui na seca, etc.). Portanto o mundo está
em mudança contínua, sem por isso perder sua forma, sua ordem e sua
estabilidade.
A mudança - nascer, morrer, mudar de qualidade ou de quantidade - chama-se
movimento e o mundo está em movimento permanente.
O movimento do mundo chama-se devir e o devir segue leis rigorosas que o
pensamento conhece. Essas leis são as que mostram que toda mudança é
passagem de um estado ao seu contrário: dia-noite, claro-escuro, quente-frio,
seco-úmido, novo-velho, pequeno-grande, bom-mau, cheio-vazio, um-muitos,
etc., e também no sentido inverso, noite-dia, escuro-claro, frio-quente, muitos-um,
etc. O devir é, portanto, a passagem contínua de uma coisa ao seu estado
contrário e essa passagem não é caótica, mas obedece a leis determinadas pela
physis ou pelo princípio fundamental do mundo.
Os diferentes filósofos escolheram diferentes physis, isto é, cada filósofo
encontrou motivos e razões para dizer qual era o princípio eterno e imutável que
está na origem da Natureza e de suas transformações. Assim, Tales dizia que o
princípio era a água ou o úmido; Anaximandro considerava que era o ilimitado
sem qualidades definidas; Anaxímenes, que era o ar ou o frio; Heráclito afirmou que era o fogo; Leucipo e Demócrito disseram que eram os átomos. E assim por
diante.
Período socrático ou antropológico
Com o desenvolvimento das cidades, do comércio, do artesanato e das artes
militares, Atenas tornou-se o centro da vida social, política e cultural da Grécia,
vivendo seu período de esplendor, conhecido como o Século de Péricles.
É a época de maior florescimento da democracia. A democracia grega possuía,
entre outras, duas características de grande importância para o futuro da
Filosofia.
Em primeiro lugar, a democracia afirmava a igualdade de todos os homens
adultos perante as leis e o direito de todos de participar diretamente do governo
da cidade, da polis.
Em segundo lugar, e como conseqüência, a democracia, sendo direta e não por
eleição de representantes, garantia a todos a participação no governo, e os que
dele participavam tinham o direito de exprimir, discutir e defender em público
suas opiniões sobre as decisões que a cidade deveria tomar. Surgia, assim, a
figura política do cidadão. (Nota: Devemos observar que estavam excluídos da
cidadania o que os gregos chamavam de dependentes: mulheres, escravos,
crianças e velhos. Também estavam excluídos os estrangeiros.)
Ora, para conseguir que a sua opinião fosse aceita nas assembleias, o cidadão
precisava saber falar e ser capaz de persuadir. Com isso, uma mudança profunda
vai ocorrer na educação grega.
Quando não havia democracia, mas dominavam as famílias aristocráticas,
senhoras das terras, o poder lhes pertencia. Essas famílias, valendo-se dos dois
grandes poetas gregos, Homero e Hesíodo, criaram um padrão de educação,
próprio dos aristocratas. Esse padrão afirmava que o homem ideal ou perfeito era
o guerreiro belo e bom. Belo: seu corpo era formado pela ginástica, pela dança e
pelos jogos de guerra, imitando os heróis da guerra de Troia (Aquiles, Heitor,
Ájax, Ulisses). Bom: seu espírito era formado escutando Homero e Hesíodo,
aprendendo as virtudes admiradas pelos deuses e praticadas pelos heróis, a
principal delas sendo a coragem diante da morte, na guerra. A virtude era a Arete
(excelência e superioridade), própria dos melhores, os aristoi.
Quando, porém, a democracia se instala e o poder vai sendo retirado dos
aristocratas, esse ideal educativo ou pedagógico também vai sendo substituído
por outro. O ideal da educação do Século de Péricles é a formação do cidadão. A
Arete é a virtude cívica.
Ora, qual é o momento em que o cidadão mais aparece e mais exerce sua
cidadania? Quando opina, discute, delibera e vota nas assembleias. Assim, a nova
educação estabelece como padrão ideal a formação do bom orador, isto é, aquele
que saiba falar em público e persuadir os outros na política.
Para dar aos jovens essa educação, substituindo a educação antiga dos poetas,
surgiram, na Grécia, os sofistas, que são os primeiros filósofos do período
socrático. Os sofistas mais importantes foram: Protágoras de Abdera, Górgias de
Leontini e Isócrates de Atenas.
Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos dos filósofos
cosmologistas estavam repletos de erros e contradições e que não tinham
utilidade para a vida da polis. Apresentavam-se como mestres de oratória ou de
retórica, afirmando ser possível ensinar aos jovens tal arte para que fossem bons
cidadãos.
Que arte era esta? A arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de
persuasão para os jovens, que aprendiam a defender a posição ou opinião A,
depois a posição ou opinião contrária, não-A, de modo que, numa assembléia,
soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a
discussão.
O filósofo Sócrates, considerado o patrono da Filosofia, rebelou-se contra os
sofistas, dizendo que não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria
nem respeito pela verdade, defendendo qualquer ideia, se isso fosse vantajoso.
Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto
quanto a verdade.
Como homem de seu tempo, Sócrates concordava com os sofistas em um ponto:
por um lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às
exigências da sociedade grega, e, por outro lado, os filósofos cosmologistas
defendiam idéias tão contrárias entre si que também não eram uma fonte segura
para o conhecimento verdadeiro. (Nota: Historicamente, há dificuldade para
conhecer o pensamento dos grandes sofistas porque não possuímos seus textos.
Restaram fragmentos apenas. Por isso, nós os conhecemos pelo que deles
disseram seus adversários - Platão, Xenofonte, Aristóteles - e não temos como
saber se estes foram justos com aqueles. Os historiadores mais recentes
consideram os sofistas verdadeiros representantes do espírito democrático, isto é,
da pluralidade conflituosa de opiniões e interesses, enquanto seus adversários
seriam partidários de uma política aristocrática, na qual somente algumas
opiniões e interesses teriam o direito para valer para o restante da sociedade.)
Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que
propunha Sócrates?
Propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os
outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A
expressão “conhece-te a ti mesmo” que estava gravada no pórtico do templo de
Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates.
Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si
mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que se diz que o período socrático é antropológico, isto é, voltado
para o conhecimento do homem, particularmente de seu espírito e de sua capacidade
para conhecer a verdade.
O retrato que a história da Filosofia possui de Sócrates foi
traçado por seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo ateniense Platão.
Que retrato Platão nos deixa de seu mestre, Sócrates?
O de um homem que andava pelas ruas e praças de Atenas, pelo
mercado e pela assembleia indagando a cada um: “Você sabe o que é isso que
você está dizendo?”, “Você sabe o que é isso em que você acredita?”,
“Você acha que está conhecendo realmente aquilo em que acredita, aquilo em que
está pensando, aquilo que está dizendo?”, “Você diz”, falava Sócrates, “que a coragem é
importante, mas: o que é a coragem? Você acredita que a justiça é importante,
mas: o que é a justiça? Você diz que ama as coisas e as pessoas belas, mas o que
é a beleza? Você crê que seus amigos são a melhor coisa que você tem, mas: o
que é a amizade?”
Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os valores nos quais os gregos
acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores
embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre “o
que é?”, descobriam, surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham
pensado em suas crenças, seus valores e suas idéias.
Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates
respondesse por elas ou para elas, que soubesse as respostas às perguntas, como
os sofistas pareciam saber, mas Sócrates, para desconcerto geral, dizia: “Eu
também não sei, por isso estou perguntando ”. Donde a famosa expressão
atribuída a ele: “Sei que nada sei”.
A consciência da própria ignorância é o começo da Filosofia. O que procurava
Sócrates? Procurava a definição daquilo que uma coisa, uma ideia, um valor é
verdadeiramente. Procurava a essência verdadeira da coisa, da ideia, do valor.
Procurava o conceito e não a mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas,
das idéias e dos valores.
Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A opinião varia de pessoa
para pessoa, de lugar para lugar, de época para época. É instável, mutável,
depende de cada um, de seus gostos e preferências. O conceito, ao contrário, é
uma verdade intemporal, universal e necessária que o pensamento descobre,
mostrando que é a essência universal, intemporal e necessária de alguma coisa.
Por isso, Sócrates não perguntava se tal ou qual coisa era bela - pois nossa
opinião sobre ela pode variar - e sim: O que é a beleza? Qual é a essência ou o
conceito do belo? Do justo? Do amor? Da amizade?
Sócrates perguntava: Que razões rigorosas você possui para dizer o que diz e
para pensar o que pensa? Qual é o fundamento racional daquilo que você fala e
pensa?
Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a idéias, valores, práticas e
comportamentos que os atenienses julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e
por si mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os fazia
pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a polis. Aquilo que parecia
evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto.
Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte
se ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor,
como nos dizem e nos fazem acreditar que elas são. Para os poderosos de Atenas,
Sócrates tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o
acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado
perante a assembléia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um
veneno - a cicuta - e obrigado a suicidar-se.
Por que Sócrates não se defendeu? “Porque ”, dizia ele, “se eu me defender,
estarei aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os
juízes vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter
que renunciar à Filosofia”.
O julgamento e a morte de Sócrates são narrados por Platão numa obra intitulada
Apologia de Sócrates, isto é, a defesa de Sócrates, feita por seus discípulos,
contra Atenas.
Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seus pensamentos encontra-se nas
obras de seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles. Se
reunirmos o que esse filósofo escreveu sobre os sofistas e sobre Sócrates, além
da exposição de suas próprias idéias, poderemos apresentar como características
gerais do período socrático:
► A Filosofia se volta para as questões humanas no plano da ação, dos
comportamentos, das idéias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa
com as questões morais e políticas.
► O ponto de partida da Filosofia é a confiança no pensamento ou no homem
como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de
reflexão. Reflexão é a volta que o pensamento faz sobre si mesmo para conhecer-se;
é a consciência conhecendo-se a si mesma como capacidade para conhecer as
coisas, alcançando o conceito ou a essência delas.
► Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a
preocupação se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que
encontramos a verdade, isto é, o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos
próprios, critérios próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e
como alcançá-lo em tudo o que investiguemos.
► A Filosofia está voltada para a definição das virtudes morais e das virtudes
políticas, tendo como objeto central de suas investigações a moral e a política,
isto é, as idéias e práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos
tanto como indivíduos quanto como cidadãos.
► Cabe à Filosofia, portanto, encontrar a definição, o conceito ou a essência
dessas virtudes, para além da variedade das opiniões, para além da multiplicidade
das opiniões contrárias e diferentes. As perguntas filosóficas se referem, assim, a
valores como a justiça, a coragem, a amizade, a piedade, o amor, a beleza, a
temperança, a prudência, etc., que constituem os ideais do sábio e do verdadeiro
cidadão.
► É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado a opinião e
as imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos,
pelas tradições, pelos interesses, e, de outro lado, as idéias. As idéias se referem
à essência íntima, invisível, verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas pelo
pensamento puro, que afasta os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os
preconceitos, as opiniões.
► A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação
intelectual, que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível,
imutável, universal e necessária.
► A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas,
mentirosas, mutáveis, inconsistentes, contraditórias, devendo ser abandonadas
para que o pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro.
► A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada
pelo fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções
sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão,
enquanto Sócrates e Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou
imagens das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas
do conhecimento que nunca alcançam a verdade plena da realidade.
Período sistemático
Este período tem como principal nome o filósofo Aristóteles de Estagira,
discípulo de Platão.
Passados quase quatro séculos de Filosofia, Aristóteles apresenta, nesse período,
uma verdadeira enciclopédia de todo o saber que foi produzido e acumulado
pelos gregos em todos os ramos do pensamento e da prática considerando essa
totalidade de saberes como sendo a Filosofia. Esta, portanto, não é um saber
específico sobre algum assunto, mas uma forma de conhecer todas as coisas,
possuindo procedimentos diferentes para cada campo de coisas que conhece.
Além de a Filosofia ser o conhecimento da totalidade dos conhecimentos e
práticas humanas, ela também estabelece uma diferença entre esses
conhecimentos, distribuindo-os numa escala que vai dos mais simples e
inferiores aos mais complexos e superiores. Essa classificação e distribuição dos
conhecimentos fixou, para o pensamento ocidental, os campos de investigação da
Filosofia como totalidade do saber humano.
Cada saber, no campo que lhe é próprio, possui seu objeto específico,
procedimentos específicos para sua aquisição e exposição, formas próprias de
demonstração e prova. Cada campo do conhecimento é uma ciência (ciência, em
grego, é episteme).
Aristóteles afirma que, antes de um conhecimento constituir seu objeto e seu
campo próprios, seus procedimentos próprios de aquisição e exposição, de
demonstração e de prova, deve, primeiro, conhecer as leis gerais que governam o
pensamento, independentemente do conteúdo que possa vir a ter.
O estudo das formas gerais do pensamento, sem preocupação com seu conteúdo,
chama-se lógica, e Aristóteles foi o criador da lógica como instrumento do
conhecimento em qualquer campo do saber.
A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a ciência e, por isso, na
classificação das ciências feita por Aristóteles, a lógica não aparece, embora ela
seja indispensável para a Filosofia e, mais tarde, tenha se tornado um dos ramos
específicos dela.
Os campos do conhecimento filosófico
Vejamos, pois, a classificação aristotélica:
► Ciências produtivas: ciências que estudam as práticas produtivas ou as
técnicas, isto é, as ações humanas cuja finalidade está para além da própria ação,
pois a finalidade é a produção de um objeto, de uma obra. São elas: arquitetura
(cujo fim é a edificação de alguma coisa), economia (cujo fim é a produção
agrícola, o artesanato e o comércio, isto é, produtos para a sobrevivência e para o
acúmulo de riquezas), medicina (cujo fim é produzir a saúde ou a cura), pintura,
escultura, poesia, teatro, oratória, arte da guerra, da caça, da navegação, etc. Em suma, todas as atividades humanas técnicas e artísticas que resultam num produto
ou numa obra.
► Ciências práticas: ciências que estudam as práticas humanas enquanto ações
que têm nelas mesmas seu próprio fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela
mesma, é o próprio ato realizado. São elas: ética, em que a ação é realizada pela
vontade guiada pela razão para alcançar o bem do indivíduo, sendo este bem as
virtudes morais (coragem, generosidade, fidelidade, lealdade, clemência,
prudência, amizade, justiça, modéstia, honradez, temperança, etc.); e política, em
que a ação é realizada pela vontade guiada pela razão para ter como fim o bem da
comunidade ou o bem comum.
Para Aristóteles, como para todo grego da época clássica, a política é superior à
ética, pois a verdadeira liberdade, sem a qual não pode haver vida virtuosa, só é
conseguida na polis. Por isso, a finalidade da política é a vida justa, a vida boa e
bela, a vida livre.
► Ciências teoréticas, contemplativas ou teóricas: são aquelas que estudam
coisas que existem independentemente dos homens e de suas ações e que, não
tendo sido feitas pelos homens, só podem ser contempladas por eles. Theoria, em
grego, significa contemplação da verdade. O que são as coisas que existem por si
mesmas e em si mesmas, independentes de nossa ação fabricadora (técnica) e de
nossa ação moral e política? São as coisas da Natureza e as coisas divinas.
Aristóteles, aqui, classifica também por graus de superioridade as ciências
teóricas, indo da mais inferior à superior:
1. ciência das coisas naturais submetidas à mudança ou ao devir: física, biologia,
meteorologia, psicologia (pois a alma, que em grego se diz psychê, é um ser
natural, existindo de formas variadas em todos os seres vivos, plantas, animais e
homens);
2. ciência das coisas naturais que não estão submetidas à mudança ou ao devir: as
matemáticas e a astronomia (os gregos julgavam que os astros eram eternos e
imutáveis);
3. ciência da realidade pura, que não é nem natural mutável, nem natural
imutável, nem resultado da ação humana, nem resultado da fabricação humana.
Trata-se daquilo que deve haver em toda e qualquer realidade, seja ela natural,
matemática, ética, política ou técnica, para ser realidade. É o que Aristóteles
chama de ser ou substância de tudo o que existe. A ciência teórica que estuda o
puro ser chama-se metafísica;
4. ciência teórica das coisas divinas que são a causa e a finalidade de tudo o que
existe na Natureza e no homem. Vimos que as coisas divinas são chamadas de
theion e, por isso, esta última ciência chama-se teologia.
A Filosofia, para Aristóteles, encontra seu ponto mais alto na metafísica e na
teologia, de onde derivam todos os outros conhecimentos.
A partir da classificação aristotélica, definiu-se, no correr dos séculos, o grande
campo da investigação filosófica, campo que só seria desfeito no século XIX da
nossa era, quando as ciências particulares se foram separando do tronco geral da
Filosofia. Assim, podemos dizer que os campos da investigação filosófica são
três:
1. O do conhecimento da realidade última de todos os seres, ou da essência de
toda a realidade. Como, em grego, ser se diz on e os seres se diz ta onta, este
campo é chamado de ontologia (que, na linguagem de Aristóteles, se formava
com a metafísica e a teologia).
2. O do conhecimento das ações humanas ou dos valores e das finalidades da
ação humana: das ações que têm em si mesmas sua finalidade, a ética e a política,
ou a vida moral (valores morais) e a vida política (valores políticos); e das ações
que têm sua finalidade num produto ou numa obra: as técnicas e as artes e seus
valores (utilidade, beleza, etc.).
3. O do conhecimento da capacidade humana de conhecer, isto é, o
conhecimento do próprio pensamento em exercício. Aqui, distinguem-se: a
lógica, que oferece as leis gerais do pensamento; a teoria do conhecimento, que
oferece os procedimentos pelos quais conhecemos; as ciências propriamente ditas
e o conhecimento do conhecimento científico, isto é, a epistemologia.
Ser ou realidade, prática ou ação segundo valores, conhecimento do pensamento
em suas leis gerais e em suas leis específicas em cada ciência: eis os campos da
atividade ou investigação filosófica.
Período helenístico
Trata-se do último período da Filosofia antiga, quando a polis grega desapareceu
como centro político, deixando de ser referência principal dos filósofos, uma vez
que a Grécia encontra-se sob o poderio do Império Romano. Os filósofos dizem,
agora, que o mundo é sua cidade e que são cidadãos do mundo. Em grego,
mundo se diz cosmos e esse período é chamado o da Filosofia cosmopolita.
Essa época da Filosofia é constituída por grandes sistemas ou doutrinas, isto é,
explicações totalizantes sobre a Natureza, o homem, as relações entre ambos e
deles com a divindade (esta, em geral, pensada como Providência divina que
instaura e conserva a ordem universal). Predominam preocupações com a ética -
pois os filósofos já não podem ocupar-se diretamente com a política -, a física, a
teologia e a religião.
Datam desse período quatro grandes sistemas cuja influência será sentida pelo
pensamento cristão, que começa a formar-se nessa época: estoicismo,
epicurismo, ceticismo e neoplatonismo.
A amplidão do Império Romano, a presença crescente de religiões orientais no
Império, os contatos comerciais e culturais entre ocidente e oriente fizeram
aumentar os contatos dos filósofos helenistas com a sabedoria oriental . Podemos falar numa orientalização da Filosofia, sobretudo nos aspectos místicos e
religiosos.
Referência:
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 6.ed. São Paulo,
Ática,1997. P. 34-43
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