Filosofia Contemporânea
“A Filosofia aparece a alguns como um meio homogêneo: os
pensamentos nascem nele, morrem nele, os sistemas nele se edificam para nele
desmoronar. Outros consideram-na como certa atitude cuja adoção estaria sempre
ao alcance de nossa liberdade. Outros ainda, como um setor determinado da
cultura. A nosso ver, a Filosofia não existe; sob qualquer forma que a
consideremos, essa sombra da ciência, essa eminência parda da humanidade não
passa de uma abstração hipostasiada.”
O texto acima constitui as linhas iniciais do livro Questão
de Método, escrito, paradoxalmente, por um homem que jamais deixou de fazer de
todos os momentos de sua vida uma permanente reflexão sobre os problemas
fundamentais da existência humana.
Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, no dia 21 de junho de
1905. O pai faleceu dois anos depois e a mãe, Anne-Marie Schweitzer, mudou-se
para Meudon, nos arredores da capital, a fim de viver na casa de Charles
Schweitzer, avô materno de Sartre. Sobre a morte do pai, escreverá mais tarde:
“Foi um mal, um bem? Não sei; mas subscrevo de bom grado o veredicto de um
eminente psicanalista: não tenho Superego”.
Seja como for, talvez a ausência da figura paterna em sua
vida possa explicar por que Sartre se tornou um homem radicalmente livre,
tomada a expressão no sentido que ele lhe dará posteriormente: não existe uma
natureza humana, é o próprio homem, numa escolha livre porém “situada”, quem
determina sua própria existência.
Outro traço marcante na formação de Sartre foi a imaginação
criativa, alimentada pela leitura precoce e intensiva: “...por ter descoberto o
mundo através da linguagem, tomei durante muito tempo a linguagem pelo mundo.
Existir era possuir uma marca registrada, alguma porta nas tábuas infinitas do
Verbo; escrever era gravar nela seres novos foi a minha mais tenaz ilusão ,
colher as coisas vivas nas armadilhas das frases...” Como conseqüência, aos dez
anos de idade quis tornar-se escritor e ganhou uma máquina de escrever. Seria
seu instrumento de trabalho por toda a vida.
Em 1924, aos dezenove anos de idade, Sartre ingressou no
curso de filosofia da Escola Normal Superior, onde não foi aluno brilhante, mas
muito interessado, especialmente pelas aulas de Alain (1868-1951), que dedicava
atenção particular à discussão do problema da liberdade. Na Escola Normal,
Sartre conheceu Simone de Beauvoir (1908 - 1986), “uma moça bem-comportada” que
lhe afirmou : “A parti r de agora, eu tomo conta de você”. Desde então, nunca
mais se separaram.
Terminado o curso de filosofia, em 1928, Sartre teve de prestar
o serviço militar e o fez em Tours, na função de meteorologista Depois disso
obteve uma cadeira de filosofia numa escola secundária do Havre, cidade
portuária. Nessa época escreveu um romance, A Lenda da Verdade, recusado pelos
editores. Em 1933, passou um ano em Berlim, estudando a fenomenologia de Edmund
Husserl (1859-1938), as teorias existencialistas de Heidegger e Karl Jaspers
(1883-1969) e a filosofia de Max Scheller (1874-1928). A partir desses autores,
Sartre foi levado a obras de Kierkegaard (1813-1855). Apoiado nessas
referências principais, Sartre elaborou sua própria versão da filosofia
existencialista.
Na Alemanha, Sartre iniciou a redação de Melancolia, romance
mais tarde concluído e intitulado A Náusea. De volta à França, publicou, em
1936, A Imaginação e A Transcendência do Ego, trabalhos marcados por forte
influência da fenomenologia. Em 1938, foi editada A Náusea. Um ano depois, uma
coletânea de contos, O Muro, e o ensaio Esboço de uma Teoria das Emoções; em
1940, mais um ensaio, O Imaginário, que, como o anterior, utilizava o método
fenomenológico.
O “engajamento” existencialista
Ao estourar a Segunda Guerra Mundial, Sartre foi convocado
para servir como meteorologista na Lorena. Em junho de 1940, caiu prisioneiro e
foi encerrado no campo de concentração de Trier, Alemanha. Cerca de um ano mais
tarde, conseguiu escapar e, na primavera de 1941, encontrou-se, em Paris, com
Simone de Beauvoir.
Em Paris, Sartre fundou o grupo Socialismo e Liberdade, a
fim de colaborar com a Resistência, produzindo panfletos clandestinos contra a
ocupação alemã e contra os colaboracionistas franceses.
Em março de 1943,
encenou sua primeira peça teatral, intitulada As Moscas, uma lenda grega,
segundo o programa. Na verdade, todos os elementos da peça funcionavam
simbolicamente: o reino de Agamenão era a França ocupada; Egisto, o comando
alemão que depusera ás autoridades francesas; Clitemnestra, os
colaboracionistas; a praga das moscas, o medo de setores cada vez mais amplos
da população; o gesto final de Orestes, eliminando a praga das moscas, uma
exortação à luta contra os alemães.
No mesmo ano, Sartre publicou um volumoso ensaio filosófico,
iniciado em 1939: O Ser e o Nada, obra fundamental da teoria existencialista.
Em 1945, uma nova peça teatral, Entre Quatro Paredes, põe em cena personagens
que vivem os dramas existenciais abordados por Sartre nas obras teóricas. Os
romances que escreveu na mesma época fazem o mesmo: A idade da Razão, Sursis,
Com a Morte na Alma.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, Sartre
dissolveu o movimento Socialismo e Liberdade, por corresponder apenas a uma
necessidade da Resistência, e fundou a revista Os Tempos Modernos, juntamente
com Merleau-Ponty (1908-1961), Raymond Aron (1905-1983) e outros intelectuais.
Na revista apareceram os trabalhos mais diversos, colocando e analisando os
principais problemas da época, sem qualquer espírito sectário.
Em 1946, diante das críticas à sua filosofia
existencialista, exposta em O Ser e o Nada, Sartre publica O Existencialismo é
um Humanismo, onde mostra o significado ético do existencialismo.
No mesmo ano,
publica também duas peças, Mortos sem Sepultura e A Prostituta Respeitosa e o
ensaio Reflexões Sobre a Questão Judaica, onde defende a tese de que a
emancipação dos judeus só será possível numa sociedade sem classes.
Em 1948,
encena As Mãos Sujas e, três anos depois, O Diabo e o Bom Deus. No plano da
ação política, política essa época marca a aproximação de Sartre do Partido
Comunista, ao qual acaba por filiar-se, em 1952.
A intervenção soviética na
Hungria, em 1956, leva-o, porém, a romper com o Partido e escrever um artigo, O
Fantasma de Stálin, no qual explica sua posição, em face dos desvios do
espírito do marxismo por parte das autoridades soviéticas.
Nos anos seguintes, Sartre continuaria sendo, ao mesmo
tempo, um homem de ação e de pensamento. Em 1960, publica um extenso trabalho,
ho, a Crítica da Razão Dialética, precedido ido pelo ensaio Questão de Método,
nos quais se encontram reflexões no sentido de unir o existencialismo e o
marxismo.
A obra literária também não cessa e no mesmo ano é estreada a peça
Seqüestrados de Altona, cujo tema é o problema do colonialismo francês na
Argélia, embora a ação transcorra na Alemanha nazista.
O interesse pelo
problema argelino liga-se, em Sartre, aos problemas mais gerais do Terceiro
Mundo. Viaja para Cuba e para o Brasil (1961) e vê no conflito vietnamita um
alargamento “do campo do possível” por parte dos revolucionários vietcongs.
Em 1964, surpreende seus admiradores com As Palavras,
análise do significado psicológico e existencial de sua infância. No mesmo ano
é-lhe atribuído o Prêmio Nobel de Literatura, mas ele o recusa. Receber a
honraria significaria reconhecer a autoridade dos juízes, o que considera
inadmissível concessão.
A carreira Literária de Sartre parecia a muitos ter-se
encerrado com As Palavras. Em 1971, porém, Sartre surpreende de novo seu
público, com a primeira parte de um extenso estudo sobre Flaubert, L'Idiot de
Famille.
Itinerário do pensamento sartreano
Do ponto de vista estritamente filosófico, o itinerário do
pensamento de Sartre inicia-se com A Transcendência do Ego, A Imaginação,
Esboço de uma Teoria das Emoções e O Imaginário, publicados entre 1936 e 1940.
Neles encontram-se aplicações do método fenomenológico formulado por Husserl,
ao mesmo tempo que o autor se afasta do mestre e chega a criticar algumas de
suas posições. Mas a obra na qual se encontra a filosofia existencialista que
celebrizou Sartre é O Ser e o Nada.
O Ser e o Nada subintitula-se ensaio de ontologia
fenomenológica, o que desde o início define a perspectiva metodológica adotada
pelo autor.
A abordagem proposta pretende não confundir o objetivo do livro com
as metafísicas tradicionais.
Estas sempre contrastaram ser a aparência,
essências subjacentes à realidade e fenômenos, o que estaria atrás das coisas e
as próprias coisas como suas manifestações.
A ontologia fenomenológica
superaria essa dual idade pela descrição do ser como aquilo que se dá
imediatamente, ou seja, não propondo explicar a experiência humana por
referência a uma realidade extrafenomenal.
Nesse sentido, a ontologia
fenomenológica seria idêntica a outras espécies de descrições fenomenológicas,
como as que o próprio Sartre realizou com relação às emoções e ao imaginário.
Para Sartre, o dualismo de ser e parecer não tem mais “direito de cidadania na
filosofia”.
O ser de um existente qualquer seria precisamente aquilo que parece
e não existiria outra real idade fora do fenômeno: “O fenômeno pode ser
estudado e descrito enquanto tal, pois ele é absolutamente indicativo de si
mesmo”. Isso não quer dizer que o fenômeno não seja verdadeiramente um ser.
Para Sartre, o ser do fenômeno é posto pela própria consciência e esta tem como
caráter essencial a intencionalidade. Em outros termos, a consciência visa a um
objeto transcendente, implicando, portanto, a existência de um ser
não-consciente. Poder-se-ia então concluir que existem dois tipos de ser: o
ser-para-si (consciência) e o ser-em-si (fenômeno).
Do ser-em-si somente se pode dizer que ele “é aquilo que é”.
Isso significa que o “ser-em-si é opaco para si mesmo”, nem ativo nem passivo,
sem qualquer relação fora de si, não derivado de nada, nem de outro ser: o
ser-em-si simplesmente é. Daí o caráter de absurdo que o ser-em-si carrega como
sua determinação fundamental. A densidade opaca, o absurdo do ser-em-si
provocaria no homem o mal-estar, que Sartre denomina náusea.
Para Sartre, o ser-para-si, a consciência, é radicalmente diferente,
definindo-se “como sendo aquilo que não é e não sendo aquilo que ele é”.
Enquanto o ser-em-si é inteiramente preenchido por si mesmo e sem nenhum vazio,
a consciência é constituída por uma descompressão do ser.
A consciência é
presença para si mesma, o que supõe que uma fissura se instala dentro do ser.
Essa fissura, ou descolamento, é a marca do nada no interior da consciência.
O
nada é um “buraco” mediante o qual se constitui o ser-para-si, e o fundamento
do nada é o próprio homem: “mediante o homem é que o nada irrompe no mundo”.
O ser-para-si conteria, portanto, uma abertura e seria
precisamente essa abertura a responsável pela faculdade do para-si no sentido
de sempre poder ultrapassar seus próprios limites.
Enquanto o ser-em-si
permaneceria fechado dentro de suas próprias fronteiras, o ser-para-si
ultrapassar-se-ia perpetuamente, e esse poder de transcendência seria expresso
através das formas do tempo. Em outros termos, o ser-para-si seria um ser para
o futuro, seria espontaneidade criadora.
Segundo Sartre, o tempo é também expressão de mistura entre
o em-si e o para-si e essa mistura constitui a existência humana. Dentro dessa
perspectiva, o passado não existe, a não ser enquanto ligado ao presente; todo
indivíduo pode afirmar: eu sou meu passado e no momento de minha morte não
serei mais do que o meu passado que, agora, é meu presente.
O passado, pensa
Sartre, é a marca do em-si. Enquanto o homem é consciente de si mesmo, no
presente, ele vive segundo o modo do para-si; contudo, o seu passado tem todas
as características do em-si.
Da mesma forma como o corpo humano das sereias
termina em cauda de peixe, a existência humana constitui-se, sobretudo, pela
espontaneidade da consciência, mas encontra atrás de si um ser que tem toda a
fixidez de uma coisa qualquer do mundo.
Apesar disso, afirma Sartre, não é possível ver na
consciência algo distinto do corpo: Este não é uma coisa que se liga
exteriormente à consciência; pelo contrário, é constitutivo da própria
consciência.
A consciência é, estruturalmente, intencional e, portanto, relação
com o mundo; o corpo exprime a imersão no mundo, característica da existência
humana.
O corpo é um centro, em relação ao qual se ordenam as coisas do mundo
e, por isso, constitui uma estrutura permanente que torna possível a
consciência. Sartre vai mais longe em sua interpretação, dizendo que o corpo é
a própria condição da liberdade.
Não existe liberdade sem escolha e o corpo é
precisamente a necessidade de que haja escolha, isto é, de que o homem não seja
imediatamente a total idade do ser. O corpo é, por conseguinte, tanto a
condição da consciência como consciência do mundo, quanto fundamento da
consciência enquanto liberdade.
Dramas da liberdade
A teoria sartreana do ser-para-si conduz a uma teoria da liberdade.
O ser-para-si define-se como ação e a primeira condição da ação é a liberdade.
O que está na base da existência humana é a livre escolha que cada homem faz de
si mesmo e de sua maneira de ser. O em-si, sendo simplesmente aquilo que é, não
pode ser livre. A liberdade provém do nada que obriga o homem a fazer-se, em
lugar de apenas ser.
Desse princípio decorre a doutrina de Sartre, segundo a
qual o homem é inteiramente responsável por aquilo que é; não tem sentido as
pessoas quererem atribuir suas falhas a fatores externos, como a
hereditariedade ou a ação do meio ambiente ou a influência de outras pessoas.
Por outro lado, a autonomia da liberdade, enquanto determinação fundamental e
radical do ser-para-si, vale dizer do homem, faz da doutrina existencialista
uma filosofia que prescinde inteiramente da idéia de Deus. Sartre tira todas as
conseqüências desse ateísmo, eliminando qualquer fundamento sobrenatural para
os valores: é o homem que os cria.
A vida não tem sentido algum antes e
independentemente do fato de o homem viver; o valor da vida é o sentido que
cada homem escolhe para si mesmo. Em síntese, o existencialismo sartreano é uma
radical forma de humanismo, suprimindo a necessidade de Deus e colocando o
próprio homem como criador de todos os valores.
Ao lado das análises volumosas e rigorosamente técnicas de O
Ser e a Nada, nas quais se encontra exposta a filosofia existencialista, Sartre
expressou seu pensamento através de várias obras I literárias,
que o colocam como um dos maiores escritores do século XX.
Nelas encontram-se todos os temas fundamentais de sua concepção do homem, real
realizados no plano concreto das personagens, suas ações e suas situações
existenciais.
Antoine Roquentin, personagem principal de A Náusea (1938),
vive sozinho, sem amigos, sem amante, nada lhe importando, nem os outros
homens, nem ele mesmo; o mundo para ele não tem nenhuma razão de ser e é
absurdo porque composto de seres em-si: a cidade, o jardim, as árvores.
Pablo Ibietta, republicano espanhol, personagem central de O
Muro, vive uma das “situações-limite” descritas por Sartre: momentos de
intensificação de conflitos sociais e individuais, quando o homem é obrigado a
fazer uma escolha e afirmar sua liberdade radical. Pablo Ibietta, preso e
torturado pelos fascistas de Franco, vê postas à prova as virtudes da coragem,
fidelidade e sangue-frio.
O próprio Sartre viveu uma dessas
“'situações-limite”, quando preso num campo de concentração nazista, em 1940,
do qual conseguiu fugir, fazendo sua escolha: participar da resistência ao
invasor alemão.
O problema da ação e da liberdade constitui o tema da
trilogia de romances Os Caminhos da Liberdade. No primeiro, A Idade da Razão
(1945), as questões individuais predominam, a história e a política são panos
de fundo.
Mathieu Delorme, jovem professor de filosofia, procura a liberdade
pura, sem compromisso de qualquer espécie; Brunet, ao contrário, personifica a
renúncia da liberdade pessoal em favor do engajamento político; Daniel ilustra
a tese gideana da liberdade como ato gratuito, sem qualquer motivo; Jacques
abandona os sonhos juvenis de liberdade para casar-se, ter um trabalho, viver
uma vida “regular”.
No segundo volume da trilogia, Sursis (1945), os
acontecimentos políticos revelam que os projetos de vida individuais são, na
verdade, determinados pelo curso da história, tornando-se ilusória a busca da
liberdade num plano puramente pessoal: a liberdade é sempre vivida "em
situação" e realizada no engajamento de projetos voltados para interesses
humanos comunitários. Apenas um compromisso com a história pode dar sentido à
existência individual.
Em Com a Morte na Alma (1949), último romance da
trilogia, trilogia, Mathieu ilustra a tese do engajamento gratuito; ele arrisca
a própria vida apenas para retardar algumas horas a investida das tropas
alemãs.
Outras obras literárias de Sartre ilustram as teses
existencialistas. Canoris, personagem da peça Mortos sem Sepultura (1946), é um
homem de ação, pronto para enfrentar a morte pela causa da liberdade. Hugo, nas
Mãos Sujas (1948), é um intelectual da classe média, engajado no Partido
Comunista, não “por convicção” mas para satisfazer sua necessidade de ação.
Na
peça O Diabo e o Bom Deus (1951), Goetz é um nobre da Idade Média que abandona
seus privilégios para fazer o bem aos camponeses. Inspirados nesse exemplo, os
camponeses rebelam-se contra todos os senhores feudais e empregam a violência.
Goetz acaba por concluir que, para transformar o mundo, a violência, às vezes,
é necessária; é preciso “ter as mãos sujas”, para combater a opressão; o Bem
abstrato e sobrenatural nada consegue realizar, só o próprio homem é criador de
sua liberdade.
Existencialismo e marxismo
O homem enquanto ser-em-situação, a necessidade de engajamento,
a responsabilidade pessoal por todas as ações e projetos de vida e, sobretudo,
a liberdade como raiz fundamental da pessoa humana são as coordenadas do
pensamento existencialista de Sartre.
As obras puramente teóricas expõem seus
fundamentos filosóficos, e o teatro, o romance e o conto revelam concretamente
essas idéias. Por outro lado, a própria vida do autor, principalmente depois de
1940, quando passou a participar ativamente dos acontecimentos políticos de seu
tempo, também é testemunho de suas teses.
As posições filosóficas iniciais de Sartre sofreram
transformações, à medida que o filósofo buscou inserir o existencialismo numa
concepção mais ampla. Essas transformações derivaram, por um lado, do próprio
existencialismo sartreano, que constitui uma filosofia “aberta”, e, por outro,
do engajamento social e político do filósofo. Do ponto de vista da
fundamentação teórica, essa nova concepção de Sartre encontra-se em Questão de
Método e Crítica da Razão Dialética, publicadas em 1960.
Nessas obras, o problema fundamental colocado pelo autor é
saber se é possível constituir uma antropologia ao mesmo tempo estrutural e
histórica. Em outros termos, o objetivo visado por Sartre é saber se há
possibilidade de se reencontrar uma compreensão unitária do homem, para além
das várias teorias, das várias técnicas, das várias ciências que o investigam.
Sartre, contudo, não pretende inventar esse novo saber do homem. Não se trata
de opor à tradição uma nova filosofia, capaz de fornecer soluções para os
problemas que as antigas doutrinas sobre o homem não conseguiram resolvera Esse
novo saber já existe segundo Sartre e circula anonimamente entre os homens: o
marxismo.
O marxismo, para Sartre, é a filosofia insuperável do século XX, “é o
clima de nossas idéias, o meio no qual estas se nutrem... a totalização do
saber contemporâneo”, porque reflete a práxis que a engendrou.
Na mesma linha
de idéias, Sartre afirma que, depois da morte do pensamento burguês, o marxismo
é, por si só, “a cultura, pois é o único que permite compreender as obras, os
homens e os acontecimento i mentos”.
Sartre, contudo, não quer se referir ao marxismo oficial,
tampouco pretende revisar ou superar as obras de Marx, pois para ele o marxismo
supera-se a si mesmo, sendo uma filosofia que, por conta própria, se adapta às
transformações sociais.
Por outro lado, também não pretende voltar ao
materialismo dialético puro e simples, pois este – pensa Sartre – não conseguiu
dar conta das ciências, que permanecem ainda no estágio positivista. Também não
se trata do materialismo histórico exclusivamente.
Separar o materialismo
dialético do materialismo histórico constituiria uma divisão artificial dos
domínios do saber e contrariaria o espírito do marxismo, que pretende ser um
projeto de totalização do conhecimento.
Dentro da concepção sartreana de que o marxismo constitui a
“filosofia de nosso tempo”, o existencialismo é concebido como “um território
encravado no própria marxismo” que, ao mesmo tempo, o engendra e o recusa.
O
marxismo de Sartre é, assim, um marxismo existencialista, dentro do qual o
existencialismo seria apenas uma ideologia. Um segundo aspecto de sua doutrina
consistiria no modo pelo qual Sartre procura resolver o problema das relações
materiais de produção, através do projeto existencial.
O que não significa que
se trate de um existencialismo tingido de marxismo, posto que o existencialismo
esteja “encravado” no marxismo. Significa antes que, se o saber é marxista, sua
linguagem pode ser a linguagem do existencialismo.
Ao afirmar que o marxismo “é
a filosofia insuperável de nosso tempo”, Sartre não faz dela uma filosofia
eterna.
A rigor afirma , o marxismo deverá ser superado quando existir “para
todos uma margem de liberdade real além da produção da vida”. Pode-se imaginar,
no futuro, num universo de abundância, uma filosofia que seja apenas uma
filosofia da liberdade; mas a experiência atual não permite sequer imaginá-la.
Cronologia
1905 – Jean-Paul Sartre nasce em Paris, a 21 de junho.
1907 – Morte de seu pai: Muda se para a casa da avó materna,
em Meudon; retorna a Paris quatro anos depois.
1917 – Em novembro, os comunistas conquistam o poder na
Rússia. 1922 – Mussolini, na Itália, instaura o regime fascista.
1924 – Sartre matricula-se na Escola Normal Superior, em
Paris. Conhece Simone de Beauvoir.
1931 – É nomeado professor de filosofia no Havre.
1933 – Hitler instaura o regime nazista na Alemanha.
1936 – Sartre publica A Imaginação e A Transcendência do
Ego.
1938 – Publica A Náusea.
1939 – Eclode a Segunda Guerra Mundial.
1940 – Servindo na guerra, Sartre é feito prisioneiro pelos
alemães e enviado a um campo de concentração.
1941 – Liberto, volta a França e entra para a Resistência.
Funda o movimento Socialismo e Liberdade.
1943 – Publica O Ser e o Nada.
1945 – Fim da Segunda Guerra Mundial. Sartre dissolve
Socialismo e Liberdade e funda, com Merleau-Ponty, a revista Les Temps
Modernes.
1952 – Sartre ingressa no Partido Comunista Francês.
1956 – Rompe com o Partido Comunista. Escreve O Fantasma de
Stálin.
1960 – Sartre publica Crítica da Razão Dialética.
1964 – Publica As Palavras. Recusa o Prêmio Nobel de
Literatura.
1968 – Durante a revolta estudantil na França e em várias
partes do mundo, Sartre põe-se ao lado dos estudantes nas barricadas.
1970 – Sartre assume simbolicamente a direção do jornal
esquerdista La Cause de Peuple, em protesto à prisão de seus diretores.
1971 – Publica O Idiota da Família.
1973 – Colabora na fundação do jornal libertário
Libértacion.
1980 – Morre Jean-Paul Sartre.
Bibliografia:
SARTRE – Os Pensadores – Ed. Abril – Consultoria: Marilena
Chauí.
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