PARA CONTEXTUALIZAR
A reflexão filosófica nasceu na Grécia no século VI a.C, com os filósofos que antecederam a Sócrates.
A passagem da consciência mítica e religiosa para a consciência racional e filosófica não foi feita de um salto. Esses dois tipos de consciência coexistiram na sociedade grega, assim como, dentro de certos limites, coexistem na nossa.
O processo de urbanização e a organização política da Grécia ao redor das cidades exigiram a regulamentação das atividades dos indivíduos, levando os homens à procura de uma maior racionalidade da ação e do pensamento.
A teogonia opôs-se à cosmologia, isto é, a crença na origem divina e mítica do mundo foi substituída pela busca da arché, do princípio não só material, mas também regulador da ordem do mundo. Esta busca da arché, do princípio ou fundamento das coisas, transformou-se na questão central para os pré-socráticos. As respostas foram múltiplas e divergentes: para alguns era a água, para outros, o ar, para outros, ainda, o fogo ou os quatro elementos. E, com esta diversidade de respostas, rompe-se a atitude mítica, monolítica e dogmática, embora o conteúdo da reflexão filosófica permaneça muito semelhante ao do mito, pois a estrutura de entendimento do mundo é semelhante.
Hesíodo, no século VIII a.C, faz o relato do mito da origem do mundo, segundo o qual Gaia (Terra) surge do Caos inicial e, depois, pelo processo de separação, gera Urano (Céu) e Pontos (Mar). Une-se, então, a Urano e dá início às gerações divinas. Como se vê, no mito esses seres primitivos não são apenas seres da natureza, mas divindades.
Alguns filósofos gregos, por sua vez, explicam que, a partir de um estado inicial de indefinição, ocorre a separação dos contrários (quente e frio, seco e úmido etc.), que vai gerar os seres naturais, como o céu de fogo, o ar frio, a terra seca e o mar úmido. Para eles, a ordem do mundo deriva de forças opostas que se equilibram reciprocamente, e a união desses opostos explica os fenômenos meteóricos, as estações do ano, o nascimento e morte de tudo o que vive.
Portanto, os conteúdos dos dois relatos, o mítico e o filosófico, apresentam semelhanças, embora a atitude filosófica rejeite as interferências de deuses; do sobrenatural, buscando coerência interna, definição dos conceitos, o debate e a discussão.
Voltando sua atenção para o problema do homem, Sócrates faz
uma análise detalhada das qualidades individuais e das virtudes humanas,
determinando e definindo essas qualidades como sendo a bondade, a justiça, a
temperança, a coragem etc. Sócrates, entretanto, não define o próprio ser
humano. Por quê? Porque o homem, ao contrário da natureza, não pode ser
definido em termos de propriedades objetivas, só em termos da sua consciência.
E para alcançarmos uma visão clara do caráter do homem, para compreendê-lo,
precisamos encará-lo face a face, através do diálogo.
O método socrático envolve duas fases.
A primeira, chamada ironia, consiste em fazer perguntas ao interlocutor que o obriguem a justificar, sempre com maior profundidade, seu ponto de vista, até que ele perceba que seus argumentos não se sustentam. Esta é a fase destrutiva, pois leva as pessoas a admitir a própria ignorância a respeito do assunto. São destruídas as opiniões do senso comum e o conhecimento espontâneo, muitas vezes baseados em estereótipos e preconceitos. A segunda parte, chamada maiêutica (parto), é a construção de novos conceitos baseados em argumentação racional. Assim, Sócrates, com suas perguntas, demole o saber constituído para, depois, ainda através de perguntas e da contraposição de ideias, reconstruí-lo a partir de uma base mais sólida e de um raciocínio coerente e rigoroso.
A primeira, chamada ironia, consiste em fazer perguntas ao interlocutor que o obriguem a justificar, sempre com maior profundidade, seu ponto de vista, até que ele perceba que seus argumentos não se sustentam. Esta é a fase destrutiva, pois leva as pessoas a admitir a própria ignorância a respeito do assunto. São destruídas as opiniões do senso comum e o conhecimento espontâneo, muitas vezes baseados em estereótipos e preconceitos. A segunda parte, chamada maiêutica (parto), é a construção de novos conceitos baseados em argumentação racional. Assim, Sócrates, com suas perguntas, demole o saber constituído para, depois, ainda através de perguntas e da contraposição de ideias, reconstruí-lo a partir de uma base mais sólida e de um raciocínio coerente e rigoroso.
Com o trabalho destes pensadores nasce a filosofia, que
continua a se desenvolver através dos séculos como reflexão crítica e radical
sobre a totalidade da vida humana.
Sócrates - (470-399 a.C) São consideradas três fontes primárias acerca da biografia de Sócrates: os autores Xenofonte (Ditos e feitos memoráveis de Sócrates e Apologia de Sócrates), Aristófanes (As Nuvens) e Platão, em seus Diálogos. Não deixou nada escrito, e o retrato de sua pessoa diverge consideravelmente nos três autores. Na comédia de Aristóteles, Sócrates aparece sem nenhum glamour de circuspecto filósofo. Já em Platão ele é eleito o pai da doutrina da Academia, tornando-se seu porta-voz e muitas vezes se afastando do Sócrates histórico. Os primeiros diálogos de Platão, ditos aporéticos, são considerados os documentos mais próximos do Sócrates histórico.
Era Ateniense, filho de uma parteira chamada Fenarete e de um escultor, chamado Sofronisco. Recebeu uma educação tradicional, estudando a obra de Homero (A Ilíada e A Odisséia, que contam, como vocês sabem, a história da guerra de Tróia entre gregos contra os troianos, e o retorno do herói Ulisses para sua terra natal. São de caráter épico. Muitos chegaram a duvidar da existência de Homero, ou disseram que ele seria só um coletor de contos do folclore popular, e não o legítimo autor).
Desde a juventude Sócrates interessou-se pela filosofia, e conhecia o pensamento anterior e contemporâneo dos filósofos gregos. É lendário seu interesse pela conversa em locais públicos, fazia muitas andanças conversando nas praças, mercados e ginásios de sua cidade. Participou do movimento de renovação da cultura e foi um educador popular, já que não cobrava por suas preleções, como os sofistas. Nunca trabalhou e só pensava no presente. Muitas vezes, só comia quando seus discípulos o convidavam para suas mesas.
Sócrates é famoso por ter tido um soberbo auto-controle, não se deixando nem mesmo embriagar pelo vinho, como é contado no Banquete de Platão. Foi casado com Xantipa, de quem teve três filhos, mas na velhice não parava em casa. Quando jovem, participou, como soldado, de incursões militares como as de Potidéia, Delos e Anfipólis.
Recebeu reconhecimento por alguns feitos de bravura, como quando salvou Xenofonte (ou segundo outras fontes Alcíbiades), tombado, com seu próprio corpo.
De ínicio, interessava-se pelos ensinamentos dos filosófos da natureza, como Anaxágoras, mas depois revoltou-se contra eles, pois eles haviam sido filósofos físicos, que procuravam respostas nas causas exteriores e gerais da natureza.
Achava que existe algo mais digno para se estudar, a psyche, ou a mente do homem. Por isso sondou a alma humana, em questões como a da facilidade e da justiça dos atenienses. Esses lidavam com tanta facilidade com a vida e a morte, honra, patriotismo, moralidade. E em que se baseavam? E o que entendem de si próprios? Chegou assim numa reflexão sobre a alma, considerada superior ao corpo, imortal.
Embora alguns autores o tenham associado aos sofistas, a imagem tradicional é a de ter sido seu notório adversário, por achar que a verdade é apenas uma, e condenar o relativismo e parte da retórica.
Os sofistas foram mestres das artes da retórica e da oratória, que vendiam para os cidadãos suas habilidades com o discurso, fundamental para a política.
Assim, defendiam a opinião de quem lhes pagasse bem. Acreditavam que a verdade vêm do consenso entre os homens. Os principais foram Górgias, Protágoras e Hipías. Para eles a realidade sensível não é inteligível, a linguagem é arbitrária, as palavras traem os pensamentos. Como afirma a frase de Protágoras de Abdera, "o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são ". Por exemplo, o frio "real" não existe, o frio é frio apenas para quem o sente. E também não existiriam um sentimento natural de pudor. Os sofistas destruíram a fé que a juventude tinha nos deuses do Olimpo e no código moral que se baseava no medo da divindade.
JÁ PELA maiêutica, Sócrates forçava o interlocutor a desenvolver seu pensamento sobre uma questão que ele pensa conhecer, e e evidenciar a contradição.
A atividade maiêutica é comparada por Sócrates à profissão de sua mãe, mas ao invés de trazer à luz rebentos ele trazia à luz ideias que já existiam em seus interlocutores.
O personagem Sócrates de Platão faz uma brilhante defesa da filosofia no diálogo Górgias. A palavra filosofia significa amizade ao saber. As etapas do saber seriam: ignorar sua ignorância, conhecer sua ignorância, ignorar seu saber e conhecer seu saber. As opiniões (doxa) não são verdades pois não resistem ao diálogo crítico. Conversar com Sócrates podia levar alguém a expor-se ao ridículo, e ser apanhado numa complexa linha de pensamento exposta através de palavras, ficar totalmente envolvido ou perplexo. É no diálogo TEETETO de Platão que Sócrates compara sua atividade à de uma parteira (como sua mãe), que embora não desse a luz à um bebê, ajudava no parto. Ele diz que ajudava as pessoas a parirem suas próprias ideias. Diz que Atenas era uma égua preguiçosa, e ele um pequeno mosquito que lhe mordia os flancos para provar que estava viva. Achava que a principal tarefa da existência humana era aperfeiçoar seu espírito.
Acreditava ouvir uma voz interior, de natureza divina (um daimon), que lhe apontava a verdade e como agir. Sócrates foi convidado para o Senado dos quinhentos, e manifestou sua convicção de liberdade combatendo as medidas que considerava injustas.
A democracia estava se implantando em Atenas, e Sócrates respondia qual era o melhor Estado, como poderia se salvá-lo. Os homens mais sábios deviam governá-lo (isso nos lembra a Teoria Política de Platão do Rei_Filósofo - porque este, tendo contemplado a verdade (ἀλήθεια – alétheia, no grego), possuiria, por isso, a capacidade de melhor conduzir a cidade), pois eles podem controlar melhor seus impulsos violentos e anti-sociais.
Assim, nos afastaríamos do comportamento de um animal.
O Estado não confiava na habilidade e reverenciava mais o número do que o conhecimento. Portanto, Sócrates era aristocrático, pois há inteligência que baste para se resolver os assuntos do Estado.
A reação do partido democrático de Atenas não poderia ser outra. Em um juri de cinquenta pessoas, foi acusado, condenado por negar os deuses do Estado e por “perverter a juventude de Atenas”. Muitos jovens seguiam Sócrates, e tornavam-se seus discípulos. Anito, um líder democrático, tinha um filho que se tornou discípulo de Sócrates, ria dos deuses do pai, voltava-se contra eles. Sócrates foi considerado, aos setenta anos, líder espiritual do partido revoltoso.
A verdadeira causa da morte de Sócrates é política, ele ameaçava o partido democrático dominante. Foi condenado à morte, e teve de ingerir cicuta (uma planta venenosa).
Podia ter fugido da prisão, ou pedido clemência, ou ter saído de Atenas, mas não quis. Quis cumprir as leis da cidade. Assim, se tornou o primeiro mártir da filosofia. Não deixou nenhuma obra escrita. Sua morte nos é contada por Platão, que foi um de seus discípulos, eis aqui um resumo: “(…) Ele se levantou e se dirigiu ao banheiro com Críton, que nos pediu que esperássemos, e esperamos, conversando e pensando (…) na grandeza de nossa dor. Ele era como um pai do qual estávamos sendo privados, e estamos prestes a passar o resto da vida orfãos. (…) A hora do pôr do sol estava próxima, pois ele tinha passado um longo tempo no banheiro .(…) Pouco depois, o carcereiro entrou e se postou perto dele, dizendo: -A ti, Sócrates, que reconheço ser o mais nobre, o mais delicado e o melhor de todos os que já vieram para cá, não irei atribuir sentimentos de raiva de outros homens(…) de fato, estou certo de que não ficarás zangado comigo, porque como sabes, são os outros , e não eu o culpado disso. E assim, eu te saúdo, e peço que suportes sem amargura aquilo que precisa ser feito, sabes qual é a minha missão - e caindo em prantos, voltou-se e retirou-se. Sócrates olhou para ele e disse: - Retribuo tua saudação, e farei como pedes.- E então, voltando-se para nós disse:- Como é fascinante esse homem; desde que fui preso, ele tem vindo sempre me ver,e agora vede a generosidade com que lamenta a minha sorte. Mas devemos fazer o que ele diz; Críton, que tragam a taça, se o veneno estiver preparado.(…) Críton, ao ouvir isso fez um sinal para o criado, o criado foi até lá dentro, onde se demorou algum tempo; depois voltou com o carceireiro trazendo a taça de veneno. Sócrates disse: -Tu, meu bom amigo, que tem expêriencias nesses assuntos, irá me dizer como devo fazer. O homem repondeu: - Basta caminhar de um lado para outro, até que tuas pernas fiquem pesadas., depois deita-te e o veneno agirá.-Ao mesmo tempo estendeu a taça a Sócrates, (..) que segurou-a (…) E então levando a taça aos lábios, bebeu rápida e decididamente o veneno. Até aquele instante a maioria de nós conseguira segurar a dor; mas agora, vendo-o beber e vendo, também que ele tomara toda a bebida, não pudemos mais nos conter; apesar de meus esforços, lágrimas corriam aos borbotões. (…) Apolodoro, que estivera soluçando o tempo todo, irorrompeu num choro alto que transformou-nos a todos em covardes. (…) E então, o próprio Sócrates apalpou as pernas e disse: -Quando chegar ao coração, será o fim.- (…) e disse aquelas que seriam as suas últimas palavras: - Críton, eu devo um galo a Esculápio, vais lembrar de pagar a dívida? -A dívida será paga - disse Críton. (…) Foi esse o fim de nosso amigo, a quem posso chamar sinceramente de o mais sábio, mais justo e melhor de todos que conheci. ”
Fonte:
Era Ateniense, filho de uma parteira chamada Fenarete e de um escultor, chamado Sofronisco. Recebeu uma educação tradicional, estudando a obra de Homero (A Ilíada e A Odisséia, que contam, como vocês sabem, a história da guerra de Tróia entre gregos contra os troianos, e o retorno do herói Ulisses para sua terra natal. São de caráter épico. Muitos chegaram a duvidar da existência de Homero, ou disseram que ele seria só um coletor de contos do folclore popular, e não o legítimo autor).
Desde a juventude Sócrates interessou-se pela filosofia, e conhecia o pensamento anterior e contemporâneo dos filósofos gregos. É lendário seu interesse pela conversa em locais públicos, fazia muitas andanças conversando nas praças, mercados e ginásios de sua cidade. Participou do movimento de renovação da cultura e foi um educador popular, já que não cobrava por suas preleções, como os sofistas. Nunca trabalhou e só pensava no presente. Muitas vezes, só comia quando seus discípulos o convidavam para suas mesas.
Sócrates é famoso por ter tido um soberbo auto-controle, não se deixando nem mesmo embriagar pelo vinho, como é contado no Banquete de Platão. Foi casado com Xantipa, de quem teve três filhos, mas na velhice não parava em casa. Quando jovem, participou, como soldado, de incursões militares como as de Potidéia, Delos e Anfipólis.
Recebeu reconhecimento por alguns feitos de bravura, como quando salvou Xenofonte (ou segundo outras fontes Alcíbiades), tombado, com seu próprio corpo.
De ínicio, interessava-se pelos ensinamentos dos filosófos da natureza, como Anaxágoras, mas depois revoltou-se contra eles, pois eles haviam sido filósofos físicos, que procuravam respostas nas causas exteriores e gerais da natureza.
Achava que existe algo mais digno para se estudar, a psyche, ou a mente do homem. Por isso sondou a alma humana, em questões como a da facilidade e da justiça dos atenienses. Esses lidavam com tanta facilidade com a vida e a morte, honra, patriotismo, moralidade. E em que se baseavam? E o que entendem de si próprios? Chegou assim numa reflexão sobre a alma, considerada superior ao corpo, imortal.
Embora alguns autores o tenham associado aos sofistas, a imagem tradicional é a de ter sido seu notório adversário, por achar que a verdade é apenas uma, e condenar o relativismo e parte da retórica.
Os sofistas foram mestres das artes da retórica e da oratória, que vendiam para os cidadãos suas habilidades com o discurso, fundamental para a política.
A arte de falar bem, conhecida pelos gregos antigos como
retórica (rhêtorikê), advém do conjunto de técnicas antigas que compunham a
atividade política, filosófica e cultural da pólis. Arte, nesse sentido, é
entendida como técnica e é sinônimo do modo de operar, modo de fazer, ou como
fazer. Portanto, a retórica é o estudo e o ensinamento de um modo de falar bem,
com eloquência, articulando as palavras de modo a convencer o interlocutor.
Retórica e oratória - Os dois termos semelhantes não são, nos dias de hoje,
idênticos. Enquanto retórica consiste na pura e simples arte de falar bem,
oratória é a fala em público, para o público. Portanto, a oratória, enquanto
tentativa de informar e convencer o público, tem relação íntima com a retórica. A relação entre os dois termos foi, na Antiguidade, muito
mais próxima, pois a palavra grega rhêtorikê foi traduzida para o latim pelo
termo oratore. Nos dias atuais, os dois termos ganharam derivações que os
diferenciam semanticamente.
Assim, defendiam a opinião de quem lhes pagasse bem. Acreditavam que a verdade vêm do consenso entre os homens. Os principais foram Górgias, Protágoras e Hipías. Para eles a realidade sensível não é inteligível, a linguagem é arbitrária, as palavras traem os pensamentos. Como afirma a frase de Protágoras de Abdera, "o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são ". Por exemplo, o frio "real" não existe, o frio é frio apenas para quem o sente. E também não existiriam um sentimento natural de pudor. Os sofistas destruíram a fé que a juventude tinha nos deuses do Olimpo e no código moral que se baseava no medo da divindade.
Os sofistas utilizavam-se amplamente da retórica para vencer
os debates políticos na Grécia Antiga e ganhavam fama e dinheiro ao ensinar a
sua arte aos jovens cidadãos atenienses. Porém, para os sofistas, o importante
era o convencimento de um fato, mesmo que o fato não fosse verídico. Isso
deixaria de lado a verdade e as essências das coisas, o que incomodou Sócrates
e seu mais importante discípulo, Platão.
Como Sócrates passou a praticar filosofia? Em sua Apologia de Sócrates, Platão relata como um dos amigos de Sócrates, Querofonte,
perguntou ao Oráculo de Delfos se havia alguém mais sábio que Sócrates, e o
Oráculo respondeu que ninguém é mais sábio que Sócrates. Sócrates então querendo entender o que o Oráculo quis dizer, iniciou uma longa
investigação com aqueles que, segundo a tradição grega, têm sabedoria
(estadistas, poetas, artesãos), para descobrir alguém. mais sábio que ele. Ele
então percebe que todas essas pessoas pensam que sabem tudo enquanto nada
sabem. Ele conclui que se ele é o mais sábio, é porque ele, pelo menos, sabe
que não sabe nada. "Tudo o que sei", disse Sócrates, "é que nada
sei."
Se Sócrates diz que nada sabe, é porque ele distingue
conhecimento (episteme) da opinião ou crença (doxa). Ao contrário da opinião, o
conhecimento é uma crença que pode ser justificada por razões, não uma crença
simplesmente aceita. Essa distinção é tão fundamental que vemos nela o
nascimento da racionalidade e da filosofia propriamente ditas.
Tendo tomado consciência disso, Sócrates passará seu tempo
questionando seus concidadãos para conscientizá-los de sua ignorância. E aqui inicia-se o seu MÉTODO através da aplicação da IRONIA: Ele
adota uma atitude falsamente ingênua: questiona seus interlocutores, fingindo
querer aprender com eles.
É verdade que a maioria das investidas não leva a nenhuma
verdade. Muitos dos diálogos de Sócrates não alcançam a verdade e terminam em
uma aporia (dificuldade ou dúvida racional decorrente da impossibilidade
objetiva de obter resposta ou conclusão para uma determinada indagação
filosófica), isto é, em um beco sem saída.
Mas tomar consciência de nossa
ignorância é o primeiro passo essencial no caminho para o conhecimento. Sócrates demonstrava para aquele que pensava saber tudo que na verdade nada sabia e que era preciso buscar o saber. Aliás, esta deve ser a atitude de todas as pessoas de bom senso. Ninguém pode saber tudo, sempre devemos buscar mais e mais conhecimento. O tempo todo!
Nem o
cientista nem o ignorante buscam conhecimento: o cientista porque ele já o
possui, o ignorante porque ele não sabe do que precisa. O filósofo no sentido
etimológico (o amigo da sabedoria) deve, portanto, ser instruído e ignorante:
ele ignora, mas sabe que ignora, e a consciência dessa falta desencadeia o
desejo de preenchê-la.
JÁ PELA maiêutica, Sócrates forçava o interlocutor a desenvolver seu pensamento sobre uma questão que ele pensa conhecer, e e evidenciar a contradição.
A atividade maiêutica é comparada por Sócrates à profissão de sua mãe, mas ao invés de trazer à luz rebentos ele trazia à luz ideias que já existiam em seus interlocutores.
O personagem Sócrates de Platão faz uma brilhante defesa da filosofia no diálogo Górgias. A palavra filosofia significa amizade ao saber. As etapas do saber seriam: ignorar sua ignorância, conhecer sua ignorância, ignorar seu saber e conhecer seu saber. As opiniões (doxa) não são verdades pois não resistem ao diálogo crítico. Conversar com Sócrates podia levar alguém a expor-se ao ridículo, e ser apanhado numa complexa linha de pensamento exposta através de palavras, ficar totalmente envolvido ou perplexo. É no diálogo TEETETO de Platão que Sócrates compara sua atividade à de uma parteira (como sua mãe), que embora não desse a luz à um bebê, ajudava no parto. Ele diz que ajudava as pessoas a parirem suas próprias ideias. Diz que Atenas era uma égua preguiçosa, e ele um pequeno mosquito que lhe mordia os flancos para provar que estava viva. Achava que a principal tarefa da existência humana era aperfeiçoar seu espírito.
Acreditava ouvir uma voz interior, de natureza divina (um daimon), que lhe apontava a verdade e como agir. Sócrates foi convidado para o Senado dos quinhentos, e manifestou sua convicção de liberdade combatendo as medidas que considerava injustas.
A democracia estava se implantando em Atenas, e Sócrates respondia qual era o melhor Estado, como poderia se salvá-lo. Os homens mais sábios deviam governá-lo (isso nos lembra a Teoria Política de Platão do Rei_Filósofo - porque este, tendo contemplado a verdade (ἀλήθεια – alétheia, no grego), possuiria, por isso, a capacidade de melhor conduzir a cidade), pois eles podem controlar melhor seus impulsos violentos e anti-sociais.
Assim, nos afastaríamos do comportamento de um animal.
O Estado não confiava na habilidade e reverenciava mais o número do que o conhecimento. Portanto, Sócrates era aristocrático, pois há inteligência que baste para se resolver os assuntos do Estado.
A reação do partido democrático de Atenas não poderia ser outra. Em um juri de cinquenta pessoas, foi acusado, condenado por negar os deuses do Estado e por “perverter a juventude de Atenas”. Muitos jovens seguiam Sócrates, e tornavam-se seus discípulos. Anito, um líder democrático, tinha um filho que se tornou discípulo de Sócrates, ria dos deuses do pai, voltava-se contra eles. Sócrates foi considerado, aos setenta anos, líder espiritual do partido revoltoso.
A verdadeira causa da morte de Sócrates é política, ele ameaçava o partido democrático dominante. Foi condenado à morte, e teve de ingerir cicuta (uma planta venenosa).
Podia ter fugido da prisão, ou pedido clemência, ou ter saído de Atenas, mas não quis. Quis cumprir as leis da cidade. Assim, se tornou o primeiro mártir da filosofia. Não deixou nenhuma obra escrita. Sua morte nos é contada por Platão, que foi um de seus discípulos, eis aqui um resumo: “(…) Ele se levantou e se dirigiu ao banheiro com Críton, que nos pediu que esperássemos, e esperamos, conversando e pensando (…) na grandeza de nossa dor. Ele era como um pai do qual estávamos sendo privados, e estamos prestes a passar o resto da vida orfãos. (…) A hora do pôr do sol estava próxima, pois ele tinha passado um longo tempo no banheiro .(…) Pouco depois, o carcereiro entrou e se postou perto dele, dizendo: -A ti, Sócrates, que reconheço ser o mais nobre, o mais delicado e o melhor de todos os que já vieram para cá, não irei atribuir sentimentos de raiva de outros homens(…) de fato, estou certo de que não ficarás zangado comigo, porque como sabes, são os outros , e não eu o culpado disso. E assim, eu te saúdo, e peço que suportes sem amargura aquilo que precisa ser feito, sabes qual é a minha missão - e caindo em prantos, voltou-se e retirou-se. Sócrates olhou para ele e disse: - Retribuo tua saudação, e farei como pedes.- E então, voltando-se para nós disse:- Como é fascinante esse homem; desde que fui preso, ele tem vindo sempre me ver,e agora vede a generosidade com que lamenta a minha sorte. Mas devemos fazer o que ele diz; Críton, que tragam a taça, se o veneno estiver preparado.(…) Críton, ao ouvir isso fez um sinal para o criado, o criado foi até lá dentro, onde se demorou algum tempo; depois voltou com o carceireiro trazendo a taça de veneno. Sócrates disse: -Tu, meu bom amigo, que tem expêriencias nesses assuntos, irá me dizer como devo fazer. O homem repondeu: - Basta caminhar de um lado para outro, até que tuas pernas fiquem pesadas., depois deita-te e o veneno agirá.-Ao mesmo tempo estendeu a taça a Sócrates, (..) que segurou-a (…) E então levando a taça aos lábios, bebeu rápida e decididamente o veneno. Até aquele instante a maioria de nós conseguira segurar a dor; mas agora, vendo-o beber e vendo, também que ele tomara toda a bebida, não pudemos mais nos conter; apesar de meus esforços, lágrimas corriam aos borbotões. (…) Apolodoro, que estivera soluçando o tempo todo, irorrompeu num choro alto que transformou-nos a todos em covardes. (…) E então, o próprio Sócrates apalpou as pernas e disse: -Quando chegar ao coração, será o fim.- (…) e disse aquelas que seriam as suas últimas palavras: - Críton, eu devo um galo a Esculápio, vais lembrar de pagar a dívida? -A dívida será paga - disse Críton. (…) Foi esse o fim de nosso amigo, a quem posso chamar sinceramente de o mais sábio, mais justo e melhor de todos que conheci. ”
Fonte:
ARANHA Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires.
Temas de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Moderna, s.d.
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