TEMA DE REDAÇÃO: ABORTO, tema tabu.
Um problema de moral religiosa ou saúde pública?
A FAVOR OU CONTRA O ABORTO? A pergunta precisa ser reformulada:
A favor ou contra
a Descriminalização e Legalização do aborto?
O aborto está situado entre os vários tabus que podem povoar
uma sociedade. Diante da gama variada de aspectos que envolvem não somente
questões de natureza ética, política e religiosa, por um lado, mas também
sócio-econômicas, psicológicas e, sobretudo, de saúde pública, por outro, é que
o aborto coloca-se como problema cuja existência concreta não pode ser ignorada
na atualidade exigindo uma ampla discussão pela sociedade brasileira.
Mas, alguém pode ser a favor do aborto? Impossível. Esta é
uma situação de sofrimento e dor para as pessoas envolvidas e ninguém pode
desejar que ela ocorra ou criar medidas que a favoreçam. No entanto, é cínico
assumir que se mantivermos a proibição atual estamos combatendo o aborto e
podemos, assim, ir dormir tranquilos porque as jovens brasileiras estão a salvo
desta prática criminosa.
O aborto é amplamente praticado no país por meios
inadequados, apesar de proibido por lei — a prática é crime, permitida apenas
em caso de violência sexual (estupro) ou risco à vida da mulher, segundo o
Artigo 128, incisos I e II do Código Penal. As consequências são quase sempre
danos à saúde ou mesmo a morte da mulher. Uma mulher morre a cada 2 dias por aborto inseguro, diz
Ministério da Saúde. A criminalização não impede que 1 milhão de abortos
induzidos ocorram todos os anos no Brasil. O dado foi compartilhado pelo Ministério da Saúde.
LER MAIS: De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) 2016, quase 1 em cada 5 brasileiras, aos 40 anos já realizou, pelo menos, um abortamento.
LER MAIS: Aborto: conservadorismo trava avanços no debate sobre descriminalização no Brasil
Discutir o Aborto para além da simplória defesa do contra ou à favor é considerá-lo como uma chaga social que deve ser enfrentada. No Brasil, abortar sem que o ato esteja previsto dentro da legalidade é crime! Mesmo assim, na clandestinidade muitas mulheres de todas as classes sociais praticam o ato. As mulheres que abortam pagam impostos e por isso, não podem ser abandonadas pelo Estado. Por isso, a simples criminalização precisa ser questionada. Os fundamentos teóricos da lei que criminaliza precisam ser questionados.
No Brasil, o aborto é tratado como crime e tanto a mulher
que o praticar, como quem de qualquer forma auxiliá-la, poderão ser presos. Os
rigores da legislação brasileira, porém, não impedem que os abortos sejam
realizados clandestinamente.
OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS QUE SUSTENTAM A CRIMINALIZAÇÃO SÃO RELIGIOSOS: O argumento central de quem é contrário à legalização do
aborto é que a vida humana surge no momento da concepção e que, a partir de
então, este seria um direito a se garantir ao embrião. Claro que esta é uma
concepção de cunho exclusivamente religioso.
Cientificamente, não é possível se determinar ao certo
quando começa a vida humana. Nas 12 primeiras semanas de gestação (período em
que o aborto é permitido, na maioria dos países onde é legalizado), o feto
ainda não desenvolveu seu sistema nervoso e para considerá-lo vivo neste
estágio, seria preciso rever o próprio conceito jurídico de morte. Isso porque
a lei 9.434/97 permite o transplante de órgãos desde que haja morte cerebral,
ainda que, eventualmente, o coração continue a bater. E, se é a morte cerebral
que indica o fim da vida, é razoável entender que o início da vida humana surge
com a “vida cerebral”, o que seria impossível nas primeiras 12 semanas, antes
da formação do sistema nervoso do feto.
ENTÃO, o debate sobre o aborto no Brasil não se faz com base
em constatações científicas ou jurídicas. O aborto é discutido no Brasil com
base em dogmas religiosos. É preciso entender, porém, que o Brasil é uma
república laica e, portanto, não se pode admitir que qualquer religião imponha
seus dogmas aos demais, muito menos por meio de criminalizações.
LOGO, FAZER ESSA DISCUSSÃO EXIGE ESFORÇOS RACIONAIS PARA COMPREENDER SUAS COMPLEXIDADES: A legalização do aborto é uma questão de saúde pública que
atinge quase que exclusivamente as mulheres pobres, que não têm condições
financeiras de arcar com o alto custo de um aborto em alguma das maternidades
de luxo que realizam a cirurgia ilegalmente.
Para uma mulher rica que tenha uma
gravidez indesejável, a solução – ainda que ilícita – é recorrer a uma boa
maternidade onde conversando com a pessoa certa e pagando o preço necessário
poderá abortar com toda a infraestrutura e higiene de um bom hospital. Ainda que não optem pelo procedimento cirúrgico, as mulheres
de melhor condição socioeconômica têm um acesso muito mais amplo a informações
sobre como realizar o auto-aborto de forma relativamente segura.
Tanto as mulheres ricas como as pobres abortam, mas esse segundo grupo corre mais riscos. São procedimentos bastante arriscados para a vida e saúde
delas e muitas acabam sendo socorridas nos hospitais do SUS, após abortos mal
sucedidos. As complicações não raras vezes levam à morte, sendo o aborto a
quarta causa de morte materna no Brasil. LEIA MAIS: “Aborto é a quarta causa de morte materna no Brasil”, afirma pesquisadora
A criminalização do aborto não evita o aborto, mas
tão-somente obriga a mulher a realizá-lo na clandestinidade. As ricas pagando
um alto preço pelo sigilo e segurança do procedimento e as pobres relegadas à
própria sorte, em um oceano de desinformação e preconceito.
O debate sobre a descriminalização do aborto não é sobre o
direito ou não de a gestante abortar, mas sobre o direito ou não de a gestante
ter auxílio médico para abortar. A Constituição brasileira garante em seu
artigo 226, §7º, que “o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas”.
O que se vê, porém, no Brasil é uma completa interferência
do Estado no direito da mulher de decidir ter ou não um filho, amparado em uma
interpretação religiosa do direito constitucional à vida. O axioma católico de
que a vida inicia na concepção é apresentado como fundamento “jurídico” contra
a legalização do aborto, no Estado laico brasileiro. É este dogma religioso o
grande responsável pelo cerceamento do direito constitucional ao livre
planejamento familiar.
Cabe ao Estado legalizar a prática e evitar os males maiores
que são consequências dos abortos realizados sem assistência médica: os danos à
saúde ou mesmo a morte da mulher. Talvez esta mudança na lei não faça muita
diferença para os homens ou para as mulheres ricas que não sentem na pele as
consequências de sua criminalização; mas para as mulheres pobres esta seria a
única lei que, de fato, poderia ser chamada de pró-vida.
Esta é a principal conclusão da pesquisa Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais?, publicada nesta sexta-feira (21/02) nos Cadernos de Saúde Pública, revista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)..LEIA MAIS SOBRE A PESQUISA DANDO CLIQUE AQUI
O ABORTO: UM RESGATE HISTÓRICO E OUTROS DADOS.
Néia Schor.
Augusta T. de Alvarenga.
(Disponível em: http://www.revistas.usp.br/jhgd/article/view/38134)
Ainda que no Brasil, o aborto, essa prática clandestina por
excelência, carregue a marca da reprovação, certamente não terá sido assim no
decorrer da história da humanidade. Sabe-se que desde os povos da antiguidade
este era difundido entre a maioria das culturas pesquisadas. O imperador chinês
Shen Nung cita em texto médico escrito entre 2737 e 2696 a.C. a receita de um
abortífero oral, provavelmente contendo mercúrio.
Na antiga Grécia, o aborto era preconizado por Aristóteles
como método eficaz para limitar os nascimentos e manter estáveis as populações
das cidades gregas. Por sua vez, Platão opinava que o aborto deveria ser
obrigatório, por motivos eugênicos, para as mulheres com mais de 40 anos e para
preservar a pureza da raça dos guerreiros. Sócrates aconselhava às parteiras,
por sinal profissão de sua mãe, que facilitassem o aborto às mulheres que assim
o desejassem. Já Hipócrates, em seu juramento, assumiu o compromisso de não
aplicar pressário em mulheres para provocar aborto.
Entre os Gauleses, o aborto era considerado um direito
natural do pai, que era o chefe incontestável da família, com livre arbítrio
sobre a vida ou a morte de seus filhos, nascidos ou não nascidos. O mesmo
ocorria em Roma, onde o aborto era uma prática comum, embora interpretada sob
diferentes ópticas, dependendo da época. Quando a natalidade era alta, como nos
primeiros tempos da República, ela era bem tolerada. Com o declínio da taxa de
natalidade a partir do Império, a legislação se tornou extremamente severa,
caracterizando o aborto provocado como delito contra a segurança do Estado.
O livro do Êxodo cita que, dentre os povos hebreus, era
multado aquele homem que ferisse mulher grávida, fazendo-a abortar. Esse ato de
violência obrigava aquele que ferisse a mulher a pagar uma multa ao marido
desta, diante dos juízes; se, porém, a mulher viesse a morrer em consequência
dos ferimentos recebidos aplicava-se ao culpado a pena de morte.
Ainda que a regra geral se voltasse para a severidade legal,
que punia a mulher com o exílio ou com castigos corporais extremados, na
prática imperava quase sempre a impunidade. Com o advento do Cristianismo,
entretanto, o aborto passou a ser definitivamente condenado, com base no
mandamento "Não Matarás". Essa posição é mantida até hoje pela Igreja
Católica mas, ao contrário do que se possa pensar, ela não foi tão uniforme ao
longo dos anos. Interesses políticos e econômicos contribuíram para que isso
acontecesse.
São Tomás de Aquino, com sua tese da animação tardia do
feto, contribuiu para que a posição da Igreja com relação à questão fosse mais
benévola do que nos dias de hoje.
No Século XIX, o aborto expandiu-se consideravelmente entre
as classes mais populares, em função do êxodo crescente do campo para a cidade
e da deterioração de seu nível de vida. Isso certamente constituía uma ameaça
para a classe dominante já que representava um decréscimo na oferta de
mão-de-obra barata, tão necessária para a expansão das indústrias. Na classe
alta o controle da natalidade era obtida através de uma forte repressão sexual
sobre seus próprios membros e a prática do aborto, embora comum, era
severamente condenada.
Hoje em dia torna-se mais e mais comum que o número de
defensores da prática livre do aborto venha crescendo respaldados em razões de
ordem econômica, política, social e demográfica muito embora, em função de
contextos históricos, a questão possa apresentar-se controvérsa e ambígüa.
Alguns acontecimentos históricos, no início deste século,
ocasionaram certas modificações importantes nas legislações que regiam a
questão do aborto e são explicitadoras dessas diferentes ordens de motivos que
fundamentam concepções e políticas a respeito.
Com a Resolução de 1917, na União Soviética, o aborto deixou
de ser considerado um crime naquele país, tornando-se um direito da mulher a
partir de decreto de 1920. Processo inverso aconteceu em alguns países da
Europa Ocidental, sobretudo aqueles que sofreram grandes baixas durante a
Primeira Guerra Mundial, que optaram por uma política natalista, com o
endurecimento na legislação do aborto. Como exemplo, podemos citar a França,
que introduziu uma lei particularmente severa no que diz respeito não só à
questão do aborto, mas também quanto aos métodos anticoncepcionais10,21.
Com a ascensão do nazifacismo, as leis antiabortivas
tornaram-se severíssimas nos países em que ele se instalou, com o lema de se
criarem "filhos para a pátria". O aborto passou a ser punido com a
pena de morte, tornando-se crime contra a nação, a exemplo do que ocorreu em
certo momento no Império Romano.
Após a Segunda Guerra Mundial, as leis continuaram bastante
restritivas até a década de 60, com exceção dos países socialistas, dos países
escandinavos e do Japão (país que apresenta lei favorável ao aborto desde 1948,
ainda na época da ocupação americana)10,21,26.
A partir dos anos 60, em virtude da evolução dos costumes
sexuais, da nova posição da mulher na sociedade moderna e de outros interesses
de ordem político-econômica, a tendência foi para uma crescente liberalização.
Acentuou-se na década de 70 e as estatísticas revelam que, em 1976, 2/3 da
população mundial já viviam em países que apresentaram as leis mais liberais,
mais da metade delas foi aprovada nesta última década.
Mas, há também casos de países que voltaram às leis
anteriores, como aconteceu com a Romênia, Bulgária e Hungria (razões de ordem
demográfica) e com Israel (motivos político-religiosos).
CONCEITO DE ABORTO
Aborto (de ab-ortus) transmite a ideia de privação do nascimento, interrupção voluntária da gravidez, com a morte do produto da concepção. Há uma corrente que defende que o termo correto seria “abortamento” que é a ação cujo resultado é o aborto. Como o termo mais difundido é o segundo, o usaremos no presente estudo. Do ponto de vista médico, aborto é a interrupção da gravidez até 20ª ou 22ª semana, ou quando o feto pese até 500 gramas ou, ainda, segundo alguns, quando o feto mede até 16,5 cm. Para a Igreja Católica “O aborto provocado é a morte deliberada e direta, independente da forma como venha a ser realizado, de um ser humano na fase inicial de sua existência, que vai da concepção ao nascimento” (IGREJA CATÓLICA, 1995, n. 58 - IGREJA CATÓLICA. Papa : (1978- : João Paulo II). Evangelium
Vitae. Evangelium Vitae : aos Presbíteros e Diáconos aos religiosos e
religiosas aos fiéis leigos e a todas as pessoas de boa vontade sobre o valor e
a inviolabilidade da vida Humana. Vaticano, 25 mar. 1995). O penalista Heleno Cláudio Fragoso (FRAGOSO. Heleno Cláudio. Lições de direito penal. 8. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1986) ensina que “o aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto”.
ASPECTOS JURÍDICOS
O Código Penal, que atualmente vigora em nosso país, data de
1940 e é o terceiro existente no Brasil. Os dois primeiros, de 1830 e 1890, eram
bem mais rigorosos que o atual, não prevendo a exceção do aborto para salvar a
vida da mãe ou em caso de gravidez decorrente de estupro, conforme se tem hoje.
Segundo o Código Penal, no Brasil, o aborto só não é qualificado como crime
quando ocorre naturalmente ou quando praticado por médico capacitado em três
situações: em caso de risco de vida para a mulher causado pela gravidez, quando
a gestação é resultante de um estupro ou se o feto for anencefálico; o autoaborto
é punido, teoricamente, da mesma forma que o praticado por terceiros, sendo
menor a pena para o primeiro (detenção de 1 a 3 anos, de acordo com o artigo
124).
Quanto ao aborto provocado por terceiros, as penas diferem
quando há consentimento da gestante, sendo a pena de reclusão de 1 a 4 anos no
primeiro caso e de 3 a 10 anos no segundo. Em caso de haver lesões corporais
graves na gestante, ou mesmo sua morte, as penas podem ser aumentadas de um
terço, ou duplicadas.
ESPÉCIES DE ABORTO
O aborto pode ser natural, acidental,
criminoso, legal ou permitido. O aborto natural não é crime e ocorre quando há
uma interrupção espontânea da gravidez. O acidental, também não é crime, e pode
ter por origem várias causas, como traumatismos, quedas etc. O aborto criminoso
é aquele vedado pelo ordenamento jurídico. O aborto legal ou permitido se
subdivide em: a) terapêutico ou necessário: utilizado para salvar a vida da
gestante ou impedir riscos iminentes à sua saúde em razão de gravidez anormal;
b) eugenésico ou eugênico: é o feito para interromper a gravidez em caso de
vida extra-uterina inviável. O aborto miserável ou econômico social praticado
por motivos de dificuldades financeiras, prole numerosa. O aborto honoris causa
é feito para salvaguardar a honra no caso de uma gravidez adulterina ou outros
motivos morais.
Filoparanavaí 2020
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