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domingo, 22 de janeiro de 2012
O que é a Filosofia? Na perspectiva do filósofo espanhol SAVATER
Fernando Savater nasceu no dia 21 de Junho de 1947 e é de nacionalidade espanhola. Savater é escritor e filósofo. Atua como catedrático de Ética na Universidade do País Basco. Tem produzido um grande número de obras escritas como notável aceitação não apenas na Espanha mas também em toda a América Latina. Ao longo de vinte anos escreve filosofia com intervenções em vários domínios da vida social e cultural, a narrativa, ou mesmo o teatro.
“A filosofia refere-se à actividade central dos seres humanos enquanto tal e, portanto, nenhuma educação pode evitá-la, nem sequer ensiná-la como uma tarefa empreendida por outros e que pode ser admirada sem a participação do educando.
(...) mas a filosofia não pode provir da mera história, tendo antes que converter-se em biografia de quem se aproxima dela., sob pena de se reduzir a um pedantismo ocioso e artificial. E exactamente esse pedantismo o culpado, em boa medida, da secundarização actual da disciplina de filosofia(...)
(...) Podemos avaliar se a vida vale ou não a pena ? Tem a vida - a tua, a minha - umi valor determinado ou todos os valores são determinados pela vida? Há formas de viver melhores e piores? Porquê? (...)
É à ânsia de perguntarmos coisas assim que chamanos filosofia - São perguntas enormes, radicais absolutas que fazem as crianças antes de serem domesticadas nos colégios(...). São perguntas impossíveis como as que fazemos num enterro de um ser querido ou as que sussuram os apaixonados, olhando-se nos olhos: «Amas-me?» As grandes perguntas da vida e da morte, as interrogações sobre a violência e o amor. Ao longo dos séculos, os filósofos colocaram-nos uma e outra vez oferecendo cada um as suas respostas peculiares e contradizendo-se uns aos outros. (..). Tira-se algo a limpo da filosofia? Pois tira, pelo menos algo muito importante: as próprias perguntas.
Mas para que serve fazermo-nos umas perguntas às quais, pelos vistos ninguém consegue dar uma resposta definitiva.? A esta pergunta que aliás também é filosófica podem dar-se como réplica novas perguntas: porque é que tudo tem de servir para alguma coisa, isto é, é obrigatório que sejamos servos ou criados de algo ou de alguém? Será que somos empregados de nós próprios? Se calhar fazermo-nos as grandes perguntas serve precisamente para isso: para demonstrar que nem sempre estamos de serviço que algumas vezes podemos pensar como se fôssemos amos e senhores. Suponho que era mais ou menos a isso que Sócrates se referia quando disse que « uma vida sem indagação não vale a pena ser vivida».(...)
Embora aquilo a que não se pode verdadeiramente renunciar sejam as perguntas, as respostas que os filósofos (ou qualquer um de nós quando faz de filósofo) propõem também não são de desdenhar. Essas respostas filosóficas distinguem-se porque não tapam completamente a pergunta que as suscita e deixa sempre um vazio por onde passam as novas interrogações para que o jogo — o humano jogo da vida — continue em aberto. As respostas filosóficas são, em geral, um cocktail racional com dois ingredientes básicos: cepticismo e imaginação . Primeiro cepticismo porque quem acredita em tudo nunca pensa nada. Para pensar há que perder a fé: a fé nas aparências, nas rotinas, nos dogmas, nos hábitos da tribo, na «normalidade » indiscutível do que nos rodeia. Pensar não é ver tudo claríssimo, mas sim começar a não ver nada claro o que antes considerávamos evidente. O cepticismo acompanha sempre a filosofia, flexibiliza-a dá-lhe sensatez (...). Mas a filosofia também é feita de imaginação. Atenção, não de fantasias ou delírios (...) quem tem imaginação procura o que é novo a partir da realidade tal como a conhecemos.(...)
No mundo estão sempre acontecer coisas, catástrofes, descobertas revolucionárias e perdas irreparáveis, todas as semanas têm lugar dois ou três acontecimentos (históricos» e não há um mês em que não se celebre o casamento «do século» (...). Está mais que visto que todos os dias tem de acontecer o nunca visto. Dizem-no as televisões, as rádios, as revistas e os jornais.., de modo que está bem. (...) Entre tantas vozes que proclamam as novidades, ninguém se lembrará, de vez em quando, do que é de sempre? Se não me engano esta poderia ser uma das tarefas da filosofia, isto é a vossa e a minha, quando nos dá para repetir as grandes perguntas, para tentarmos com imaginação e cepticismo dar-lhes as nossas pequenas respostas. Atitude aliás muito diferente dessa outra fórmula pedante da filosofia que em cada trimestre proclama « o tema do nosso tempo» (...) Não, o que conta filosoficamente é o mesmo de sempre, o que nunca passa de moda: a consciência humana de se saber vivo e mortal, aqui e agora. (...). A vida é sempre do presente uma das piores superstições é denegrir o instante eterno que habitamos como impossibilitador da vida. (...). A filosofia ajuda a viver humanamente porque não prega a boa nova nem o apocalipse, defendendo antes com cepticismo e imaginação o presente — o de sempre , o que nunca passa - contra modas e superstições.
Texto composto no Português de PT
Lisboa, Relógio d`água, pp.175-182
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
EPISTEMOLOGIA e/ou Teoria do Conhecimento: saiba mais sobre este importante RAMO de investigação/estudo da Filosofia
Michael Williams
Universidade de Johns Hopkins
Tradução de Vítor João Oliveira
O que é a epistemologia? A resposta é: o ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento humano, pelo que também é designada de “teoria do conhecimento”. Só que isto diz-nos quase nada. Por que temos necessidade de uma teoria do conhecimento? E ela é uma teoria acerca de quê, e como é que a defendemos (ou contestamos)? Aliás, o que implica dizer que a epistemologia é um ramo da filosofia? O que há de especial nas investigações filosóficas do conhecimento? Em que diferem da discussão psicológica ou sociológica acerca do “conhecimento” ou da “cognição”?
Muitos filósofos nos dias de hoje negam que as questões filosóficas acerca do conhecimento tenham um carácter especial. Defendem que a epistemologia precisa de ser “naturalizada”: quer dizer, aproximá-la de uma ou mais ciências, talvez da psicologia cognitiva. Outros filósofos defendem que a epistemologia está morta. Estas perspectivas são dificilmente separáveis: a distinção entre a transformação radical e a abolição imediata não é nítida. Contudo, penso que o naturalismo está enganado e que os obituários da epistemologia são prematuros.
Cinco problemas
Para perceber o que há de diferente numa determinada área teórica, a melhor forma de começar é perguntar que problema (ou problemas) aborda. No que diz respeito à epistemologia, sugiro que se distinga, cinco tipos de problemas […]. São eles:
1. O problema analítico: O que é o conhecimento? (Ou se preferirmos, o que entendemos ou devemos entender por “conhecimento”? Por exemplo, como se distingue (ou se deve distinguir) o conhecimento da simples crença ou opinião? O que aqui se pretende, idealmente, é uma explicação precisa ou “análise” do “conceito” de conhecimento.
2. O problema da demarcação: Este divide-se em dois problemas: a) O problema “externo” pergunta: sabendo-se de algum modo o que é o conhecimento, poderemos determinar à partida que coisas podemos razoavelmente esperar conhecer? Ou como se refere amiúde, poderemos determinar o âmbito e os limites do conhecimento humano? Será que há assuntos acerca dos quais podemos ter conhecimento, enquanto há outros acerca dos quais não podemos ter mais do que opinião (ou fé)? Será que há uma quantidade significativa de formas de discurso que ficam simultaneamente fora do domínio do “factual” ou do que “tem sentido”? O objectivo é traçar uma fronteira que separe a província do conhecimento de outros domínios cognitivos (ou talvez o cognitivo do não cognitivo). b) O problema “interno” pergunta se há fronteiras significativas no interior do domínio do conhecimento. Por exemplo, muitos filósofos têm defendido que há uma distinção fundamental entre o conhecimento a posteriori ou “empírico” e o conhecimento a priori ou “não empírico”. O conhecimento empírico depende (de uma forma ou de outra) da experiência ou observação, ao passo que o conhecimento a priori é independente da experiência, fornecendo a matemática o exemplo mais claro. Contudo, outros filósofos negam que se possa fazer tal distinção.
3. O problema do método: Este relaciona-se com o modo como obtemos ou procuramos conhecimento. Sugiro que distingamos três subproblemas. a) O problema da “unidade” coloca a questão seguinte: Há só uma forma para adquirir conhecimento, ou há várias, dependendo do tipo de conhecimento em questão? Por exemplo, alguns filósofos têm defendido que há diferenças fundamentais entre as ciências naturais e as sociais ou humanas. b) O problema do desenvolvimento (progresso) coloca a questão seguinte: Podemos melhorar as nossas formas de investigação? No séc. XVII este era um problema de importância capital para os filósofos que defendiam os avanços científicos contra o que consideravam ser o dogmatismo estéril da escolástica (a versão semi-oficial das posições filosóficas e científicas de Aristóteles ensinada nas universidade e “escolas”). c) Finalmente, o problema da “razão” ou da “racionalidade”. A preocupação aqui é saber se há métodos de investigação, ou de fixação de crenças, que sejam claramente racionais e, se há, quais são.
5. O problema do valor: Os problemas esboçados são significativos somente se faz sentido possuir conhecimento. Mas será faz, e se sim porquê? Supondo que sim, para que o queremos? Queremo-lo de qualquer forma, ou por causa de determinados objectivos e em determinadas situações? O conhecimento é o único objectivo da investigação, ou há outros com igual (ou maior) importância?
Obviamente que estes problemas não são independentes. O modo como lidamos com um impõe constrangimentos ao modo como lidamos com os outros. Mas o modo como um dado filósofo ajuíza a sua importância relativa determinará o sentido que uma dada teoria do conhecimento necessita alcançar e como pode ser defendida. Isto é típico na filosofia, porquanto se verificam profundos desacordos não apenas em relação à correcção das respostas a um conjunto determinado de perguntas mas também às próprias questões.
Muitos filósofos atribuem um estatuto privilegiado ao problema do cepticismo na teoria do conhecimento. Com efeito, identificam praticamente o problema do conhecimento com este problema. The Problem of Knowledge, de Ayer (1956), é um exemplo cabal disto.
Há muito a favor desta perspectiva. Há um consenso generalizado relativamente ao facto de a idade moderna da filosofia começar com Descartes (1596-1650), e que o seu contributo fundamental foi ter induzido a filosofia a realizar uma viragem enfaticamente epistemológica.
Descartes escreveu durante um período de grande produção intelectual quando (entre outras coisas) a visão medieval do mundo, uma síntese de algum modo instável entre a filosofia aristotélica e a teologia cristã, começou a ser crescentemente pressionada por novas ideias científicas emergentes. Insatisfeito com o ensino do seu tempo e sedento de promoção da nova ciência, Descartes defende um corte radical com o passado. Pretende construir uma visão do mundo e o nosso conhecimento dele a partir dos alicerces. Ao promover esta reconstrução, afirma que aceita como princípios básicos apenas aqueles que, logicamente falando, não podem ser colocados em dúvida. Com efeito, utiliza o argumento céptico como um filtro para eliminar todas as opiniões duvidosas: devemos aceitar apenas as proposições que resistam ao mais determinado assalto céptico. Por confiar no facto de ter encontrado tais proposições, Descartes não é realmente um céptico. Não obstante, a sua “dúvida metódica” coloca os problemas do cepticismo no centro da reflexão.
Conjuntamente com estas considerações históricas, há razões teóricas fortíssimas a favor da posição que afirma que os problemas cépticos são a força motriz por detrás das teorias filosóficas do conhecimento. Uma das formas mais esclarecedoras para compreender a diferença entre as teorias tradicionais do conhecimento é considerá-las tentativas de descolagem de ideias concorrentes sobre os erros dos argumentos cépticos. […]
Colocar as preocupações com o cepticismo no centro da epistemologia torna muito claro o que distingue a reflexão filosófica acerca do conhecimento. Tal reflexão responde a preocupações profundas sobre se de facto o conhecimento é possível. Isto não pode ser considerado uma matéria científica estrita na medida em que o cepticismo questiona todo o alegado conhecimento, incluindo o científico.
[…] [E]mbora a epistemologia moderna tenha mostrado uma tendência definitiva para seguir o paradigma cartesiano, colocando o cepticismo em primeiro lugar, a minha caracterização da epistemologia no que diz respeito à listagem dos problemas, deixa em aberto a possibilidade de desenvolver outras abordagens. Este aspecto da minha abordagem da epistemologia será importante quando discutirmos se o tema se esgotou.
Epistemologia e a “tradição ocidental”
Dos meus cinco problemas, o do valor é o menos discutido pelos filósofos contemporâneos. Mas todos os outros problemas dependem deste. Se o conhecimento não tivesse importância, não perderíamos tempo a imaginar como o definir, como o obter, nem a traçar linhas à sua volta. Nem nos interessaria refutar o céptico. Se não víssemos valor no conhecimento, o cepticismo seria provavelmente ainda um puzzle mas não um problema. Contudo, parece-me que o conhecimento tem importância (para a maioria de nós, pelo menos algumas vezes); se não o conhecimento de acordo com alguns critérios muito estritos, pelo menos outros conceitos epistemológicos, tais como justificação ou racionalidade. Porquê?
A perspectiva racionalista pode aplicar-se a ela própria. Quando o é temos a epistemologia: um estudo de terceira ordem, segundo uma tradição de reflexão metacrítica sobre os nossos objectivos e procedimentos epistemológicos. Temos uma tradição de investigação centrada no tipo de questões que iniciamos.
Dada esta perspectiva de epistemologia, é fácil ver por que razão o cepticismo é especialmente difícil de ignorar. O cepticismo é o gato com o rabo de fora do racionalismo ocidental: um ataque argumentativamente sofisticado à própria argumentação racionalista. Representa o caso extremo da tradição da investigação crítica reflexivamente aplicada. Desde os primórdios da filosofia ocidental, tem havido uma contra-tradição que defende que os limites da razão são muito mais estreitos do que os epistemólogos optimistas gostam de pensar, que a própria ideia de razão é uma armadilha e uma ilusão e que, mesmo que não o fosse, o conhecimento científico e filosófico acaba por não ser o que se pensa que é. Se o cepticismo não pode ser refutado, a perspectiva racional destrói-se a si própria.
Texto retirado de Michael Williams, Problems of Knowledge: A Critical Introduction to Epistemology (Oxford: Oxford University Press, 2001), pp. 1-5. A presente tradução está disponível no site www.criticanarede.com.
filoparanavai 2012
domingo, 15 de janeiro de 2012
Platão e a sua Teoria Política
PARA NÃO FINALIZAR
Na cidade justa e perfeita de Platão, cada classe social ou grupo de cidadãos, faz o que deve fazer, sem ocupar-se das tarefas das outras classes: produtores não se arrogam títulos de governantes ou se põem a defender a cidade, nem estes querem governar ou produzir, assim como os governantes se atêm a governar. Na cidade de Platão, o indivíduo – seja ele produtor, guardião ou governante – está em imediata relação com a cidade inteira. Platão desfaz em especial a instituição da família: todos são filhos de todos, todos pertencem a todos. Não existem casais fixos. O Estado é quem ocupa-se da educação das crianças. Nessa cidade as mulheres e os homens têm os mesmos direitos, inclusive as mulheres podem trabalhar na guarda da cidade se tiverem a virtude respectiva exigida. Não há nenhuma instituição que faça a intermediação entre o indivíduo e o Estado. Para que a cidade seja bem governada, ou os filósofos são os governantes ou os governantes se transformam em filósofos.
Em oposição aos sofistas, Platão e Aristóteles afirmam o caráter natural da polis e da justiça. Embora concordem sob esse aspecto, diferem no modo como concebem a própria justiça.
Para Platão, os seres humanos e a polis possuem a mesma estrutura. Os humanos são dotados de três almas ou três princípios de atividade: a alma concupiscente ou desejante (situada no ventre), que busca satisfação dos apetites do corpo, tanto os necessários à sobrevivência, quanto os que, simplesmente, causam prazer; a alma irascível ou colérica (situada no peito), que defende o corpo contra as agressões do meio ambiente e de outros humanos, reagindo à dor na proteção de nossa vida; ealma racional ou intelectual (situada na cabeça), que se dedica ao conhecimento, tanto sob a forma de percepções e opiniões vindas da experiência, quanto sob a forma de idéias verdadeiras contempladas pelo puro pensamento.
Também a polis possui uma estrutura tripartite, formada por três classes sociais: a classe econômica dos proprietários de terra, artesãos e comerciantes, que garante a sobrevivência material da cidade; a classe militar dos guerreiros, responsável pela defesa da cidade; e a classe dos magistrados, que garante o governo da cidade sob as leis.
Um homem, diz Platão, é injusto quando a alma concupiscente (os apetites e prazeres) é mais forte do que as outras duas, dominando-as. Também é injusto quando a alma irascível (a agressividade) é mais poderosa do que a racional, dominando-a. O que é, pois, o homem justo? Aquele cuja alma racional (pensamento e vontade) é mais forte do que as outras duas almas, impondo à concupiscente a virtude da temperança ou moderação, e à irascível, a virtude da coragem, que deve controlar a concupiscência. O homem justo é o homem virtuoso; a virtude, domínio racional sobre o desejo e a cólera. A justiça ética é a hierarquia das almas, a superior dominando as inferiores.
O que é a justiça política? Essa mesma hierarquia, mas aplicada à comunidade. Como realizar a Cidade justa? Pela educação dos cidadãos – homens e mulheres (Platão não exclui as mulheres da política e critica os gregos por excluí-las). Desde a primeira infância, a polis deve tomar para si o cuidado total das crianças, educando-as para as funções necessárias à Cidade.
A educação dos cidadãos submete as crianças a uma mesma formação inicial em cujo término passam por uma seleção: as menos aptas serão destinadas à classe econômica, enquanto as mais aptas prosseguirão os estudos. Uma nova seleção separa os jovens: os menos aptos serão destinados à classe militar enquanto os mais aptos continuarão a ser educados. O novo ciclo educacional ensina as ciências aos jovens e os submete a uma última seleção: os menos aptos serão os administradores da polis enquanto os mais aptos prosseguirão os estudos. Aprendem, agora, a Filosofia, que os transformará em sábios legisladores, para que sejam a classe dirigente.
A Cidade justa é governada pelos filósofos, administrada pelos cientistas, protegida pelos guerreiros e mantida pelos produtores. Cada classe cumprirá sua função para o bem da polis, racionalmente dirigida pelos filósofos. Em contrapartida, a Cidade injusta é aquela onde o governo está nas mãos dos proprietários – que não pensam no bem comum da polis e lutarão por interesses econômicos particulares -, ou na dos militares – que mergulharão a Cidade em guerras para satisfazer seus desejos particulares de honra e glória. Somente os filósofos têm como interesse o bem geral da polis e somente eles podem governá-la com justiça.
Por seu turno, Aristóteles terá uma teoria política diversa da dos sofistas e de Platão.
Para determinar o que é a justiça, diz ele, precisamos distinguir dois tipos de bens: os partilháveis e os participáveis. Um bem é partilhável quando é uma quantidade que pode ser dividida e distribuída – a riqueza é um bem partilhável. Um bem é participável quando é uma qualidade indivisível, que não pode ser dividida nem distribuída, podendo apenas ser participada – o poder político é um bem participável. Existem, pois, dois tipos de justiça na Cidade: a distributiva, referente aos bens econômicos; e a participativa, referente ao poder político. A Cidade justa saberá distingui-las e realizar ambas.
A justiça distributiva consiste em dar a cada um o que é devido e sua função é dar desigualmente aos desiguais para torná-los iguais. Suponhamos, por exemplo, que a polis esteja atravessando um período de fome em decorrência de secas ou enchentes e que adquira alimentos para distribuí-los a todos. Para ser justa, a Cidade não poderá reparti-los de modo igual para todos. De fato, aos que são pobres, deve doá-los, mas aos que são ricos, deve vendê-los, de modo a conseguir fundos para aquisição de novos alimentos. Se doar a todos ou vender a todos, será injusta. Também será injusta se atribuir a todos as mesmas quantidades de alimentos, pois dará quantidades iguais para famílias desiguais, umas mais numerosas do que outras.
A função ou finalidade da justiça distributiva sendo a de igualar os desiguais, dando-lhes desigualmente os bens, implica afirmar que numa cidade onde a diferença entre ricos e pobres é muito grande vigora a injustiça, pois não dá a todos o que lhes é devido como seres humanos. Na cidade injusta, em lugar de permitirem aos pobres o acesso às riquezas (por meio de limitações impostas à extensão da propriedade, de fixação da boa remuneração do trabalho dos trabalhadores pobres, de impostos e tributos que recaiam sobre os ricos apenas, etc.), vedam-lhes tal direito. Ora, somente os que não são forçados às labutas ininterruptas para a sobrevivência são capazes de uma vida plenamente humana e feliz. A Cidade injusta, portanto, impede que uma parte dos cidadãos tenha assegurado o direito à vida boa.
A justiça política consiste em respeitar o modo pelo qual a comunidade definiu a participação no poder. Essa definição depende daquilo que a Cidade mais valoriza, os regimes políticos variando em função do valor mais respeitado pelos cidadãos. Há Cidades que valorizam a honra (isto é, a hierarquia social baseada no sangue, na terra e nas tradições), julgando o poder a honra mais alta que cabe a um só: tem-se a monarquia, onde é justo que um só participe do poder.
Há Cidades que valorizam a virtude como excelência de caráter (coragem, lealdade, fidelidade ao grupo e aos antepassados), julgando que o poder cabe aos melhores: tem-se a aristocracia, onde é justo que somente alguns participem do poder. Há Cidades que valorizam a igualdade (são iguais os que são livres), consideram a diferença entre ricos e pobres econômica e não política, julgando que todos possuem o direito de participar do poder: tem-se a democracia, onde é justo que todos governem.
Os regimes políticos Dois vocábulos gregos são empregados para compor as palavras que designam os regimes políticos: arche – o que está à frente, o que tem comando – e kratos – o poder ou autoridade suprema. As palavras compostas com arche (arquia) designam quantos estão no comando. As compostas com kratos (cracia) designam quem está no poder.
Assim, do ponto de vista da arche, os regimes políticos são: monarquia ou governo de um só (monas), oligarquia ou governo de alguns (oligos), poliarquia ou governo de muitos (polos) e anarquia ou governo de ninguém (ana).
Do ponto de vista do kratos, os regimes políticos são: autocracia (poder de uma pessoa reconhecida como rei), aristocracia (poder dos melhores), democracia (poder do povo)xv.
Na Grécia e na Roma arcaicas predominaram as monarquias. No entanto, embora os antigos reis afirmassem ter origem divina e vontade absoluta, a sociedade estava organizada de tal forma que o governante precisava submeter as decisões a um Conselho de Anciãos e à assembléia dos guerreiros ou chefes militares. Isso fez com que, pouco a pouco, o regime se tornasse oligárquico, ficando nas mãos das famílias mais ricas e militarmente mais poderosas, cujos membros se consideravam os “melhores”, donde a formação da aristocracia.
O único regime verdadeiramente democrático foi o de Atenas. Nas demais cidades gregas e em Roma, o regime político era oligárquico-aristocrático, as famílias ricas sendo hereditárias no poder, mesmo quando admitiam a entrada de novos membros no governo, pois as novas famílias também se tornavam hereditárias.
Devemos a Platão e a Aristóteles duas idéias políticas, elaboradas a partir da experiência política antiga: a primeira delas é a distinção entre regimes políticos e não-políticos; a segunda, a da transformação de um regime político em outro.
Um regime só é político se for instituído por um corpo de leis publicamente reconhecidas e sob as quais todos vivem, governantes e súditos, governantes e cidadãos. Em suma, é político o regime no qual os governantes estão submetidos às leis. Quando a lei coincide com a vontade pessoal e arbitrária do governante, não há política, mas despotismo e tirania. Quando não há lei de espécie alguma, não há política, mas anarquia.
A presença ou ausência da lei conduz à ideia de regimes políticos legítimos e ilegítimos. Um regime é legítimo quando, além de legal, é justo (as leis são feitas segundo a justiça); um regime é ilegítimo quando a lei é injusta ou quando é contrário à lei, isto é, ilegal, ou, enfim, quando não possui lei alguma. Os regimes políticos se transformam em decorrência de mudanças econômicas – aumento do número de ricos e diminuição do número de pobres, diminuição do número de ricos e aumento do número de pobres – e de resultados de guerras – conquistas de novos territórios e populações, submissão a vencedores que conquistam a Cidade.
Presença ou ausência da lei, variação econômica e militar determinam, segundo Platão e Aristóteles, a corrupção ou decadência dos regimes políticos: a monarquia degenera em tirania, quando um só governa para servir aos seus interesses pessoais; a aristocracia degenera em oligarquia dos muito ricos – plutocracia – ou dos guerreiros – timocracia -, que também governam apenas em seu interesse próprio; a democracia degenera em demagogia e esta, em anarquia. Em geral, a anarquia leva à tirania, quando a sociedade, desgovernada, apela para um homem superior aos outros no manejo das armas e dos argumentos, nele buscando a salvação.
A tipologia platônico-aristotélica segundo o valor dos que participam do poder e a teoria da decadência ou corrupção dos regimes políticos serão mantidas até o século XVIII, aparecendo com vigor numa das obras políticas mais importantes da Ilustração, O espírito das leis, de Montesquieu. Nessa obra, encontramos também uma ideia desenvolvida por Aristóteles, para quem a variação dos regimes políticos depende de dois fatores principais: a natureza ou índole do povo e a extensão do território.
Assim, por exemplo, um povo cuja índole ou natureza tende espontaneamente para a igualdade e a liberdade e cuja Cidade é de pequena extensão territorial, naturalmente instituirá uma democracia e será mal-avisada se a substituir por um outro regime. Em contrapartida, um povo cuja índole ou natureza tende espontaneamente para a obediência a uma única autoridade e que vive num território extenso, naturalmente instituirá a monarquia, sendo desavisada se a substituir por outro regime político. Em outras palavras, os filósofos gregos legaram ao Ocidente a ideia de regimes políticos naturais.
Baixe em PDF - ALVARO JOSE DOS PENEDOS O PENSAMENTO POLÍTICO DE PLATÃO
Leia o artigo de Cláudio William Veloso - A verdadeira cidade de Platão
domingo, 1 de janeiro de 2012
ESTATUTO DA IGUALDADE SOCIAL [20 de Julho de 2010]: CONHEÇA os direitos da população negra brasileira
"(...) o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica."
Escravos na moenda, Debret, 1835. In Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Tomo 1. São Paulo Ed. da Universidade de São Paulo, 1978. Prancha 27.O Estatuto da Igualdade Social foi sancionado pelo presidente Lula, em 20 de julho de 2010. Para um país que teve quase 4 séculos de escravatura, sendo o último a abolir este opróbrio, e , tendo ficado 112 anos à espera de uma legislação que consolidasse bases para um enfrentamento mais vigoroso ao racismo ainda vigente em nossa sociedade tão desigual, foi um grande avanço.
Distribuição massiva e gratuita Exemplo disso é que, se não houver uma atitude decidida e vigorosa por parte dos movimentos que lutam contra o racismo, por parte dos sindicatos, dos intelectuais, corremos o risco do texto do Estatuto da Igualdade Racial sequer receber uma massiva divulgação, como se faz necessário. Os trabalhadores, ainda hoje, não conhecem seus direitos inscritos na CLT, a população brasileira em geral desconhece o texto da Constituição, não há consciência ampla ou sequer informação sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, muito embora já tenha completado 20 anos. É fundamental que seja cobrada do estado brasileiro uma edição massiva deste Estatuto da Igualdade Racial, algo na casa de dezenas de milhões de exemplares. E distribuição gratuita. Há capacidade gráfica ociosa para isto e há um povo que não tem acesso à leitura destes textos. Mas tem direito! Se não é dado ao cidadão o direito de desconhecer o texto de uma lei, em contrapartida, vemos que no Brasil o estudo e a divulgação ampla e gratuita da Constituição, para dar um exemplo, numa foram sistematicamente promovidas. Todos estes textos legais devem merecer edições simples, popularizadas em sua forma e alcance, com a linguagem mais acessível e mais comunicativa possível, superando o intransponível juridiquês. Mas, estas edições massivas devem ser distribuídas gratuitamente, como se faz na Venezuela, por exemplo, com a divulgação de milhões de exemplares de bolso da Constituição Bolivariana, proporcionando um aprendizado importante para a população. Num país como o Brasil, que ainda registra formas de trabalho análogas ao trabalho escravo, o conhecimento dos direitos trabalhistas contidos na CLT deveria ser uma prioridade dos meios de comunicação e não apenas restrito a advogados trabalhistas e círculos de dirigentes sindicais. E os meios de comunicação, concessões de serviço público, deveriam sim priorizar horários específicos para o conhecimento das leis, no mínimo proporcionalmente ao tempo que desperdiça para estimular o consumo de álcool e a ingestão de comidas maléficas à saúde.
Universidade da África versus Navios Negreiros Por fim, vale registrar que no mesmo dia da sanção do Estatuto da Igualdade Racial, o presidente Lula também sancionou a lei que cria a Universidade Federal da Integração Luso-Africana e Brasileira, a Unilab, que terá sede na cidade de Redenção, no Ceará, primeira cidade brasileira a abolir o escravagismo no Brasil, 5 anos antes da Lei Áurea. A criação desta universidade tem o mesmo simbolismo de outras iniciativas que colocam o Brasil em rumo oposto ao de muitos países que estão registrando endurecimento e perversidade no trato da questão racial. Com a Unilab, que receberá estudantes africanos que aqui estudarão gratuitamente, o Brasil se aproxima do gesto de Cuba adotado há 12 anos, quando criou a Escola Latinoamericana de Medicina destinada a formar médicos para oferecer aos países mais necessitados do continente, inclusive aos Estados Unidos. Cerca de 500 jovens negros e pobres estadunidenses estudam medicina em Cuba, gratuitamente. Quando voltarem formados para os EUA, poderão praticar medicina social nos bairros negros do Harlem e do Brooklin onde viviam; Segundo disseram estes próprios estudantes, se tivessem lá continuado provavelmente teriam sido capturados pelas perversas redes e garras do narcotráfico. Nos EUA dificilmente poderiam estudar medicina. Em contraponto ao bloqueio econômico e às agressões que sofre há décadas dos EUA, Cuba “contra-ataca” doando ao povo norte-americano a generosa formação humanizada de centenas de seus filhos.
Consciência generosa e solidária O Brasil vai nesta direção. Além da Unilab, que dará oportunidade para que jovens africanos formem-se em nível superior, ombro a ombro com estudantes brasileiros, proporcionando mutuamente a formação de uma consciência generosa e solidária, marcada pelo reconhecimento que todos os povos do mundo e nós brasileiros em particular temos em relação aos povos africanos! Para além da Unilab, também na linha de pagar nossa dívida, está a instalação de unidades da Embrapa em território africano, e vem sendo mencionado por Lula o propósito de estimular a produção de agroenergia, permitindo a autonomia,a independência e a soberania tanto energética quanto alimentar dos povos africanos, em sua maioria ainda dependentes da importação de petróleo, ou ainda sem capacidade para a geração de energia elétrica.
Mandela , Cuba e a Mama África No final do ato de sanção do Estatuto da Igualdade Racial, Lula disse que agora somos uma nação um pouco mais negra, um pouco mais branca e , sobretudo, um pouco mais igual. Perante o mundo, comparecemos com uma iniciativa que nos coloca em diferencial positivo e generoso. De certo modo, tomamos de Cuba uma parte de sua solidariedade para com os africanos, muito embora Cuba tenha chegado ao ponto de pegar em armas para defender a independência de Angola, derrotando o exército racista da África do Sul na Batalha de Cuito Cuanavale, e, com isto, derrotando o próprio regime do apartheid, como reconhece Mandela, dedicando esta conquista ao povo cubano. Mesmo que ainda tenhamos tantas dívidas não pagas internamente e tantas desigualdades ainda não resolvidas, agora somos nós brasileiros a nos lançar, como nação, ao pagamento da gigantesca e dolorosa dívida que temos para com os povos da África. E com ações concretas: uma universidade, a presença de uma estatal como a Embrapa, políticas e convênios etc. Vamos apostando, como nação, num mundo mais justo, mais solidário, mais humano, incorporando a África, quando muitos países a consideram continente descartável. Muito breve, poderemos estar fazendo como o generoso povo cubano, enviando médicos, técnicos e professores para a Mama África. Construindo as bases para que se faça o trajeto contrário dos navios negreiros, humanizando o retorno na forma de conhecimento, tecnologia, saber e solidariedade. Enquanto isto, muitos países, sobretudo os ricos que apoiaram o animalesco regime do apartheid no passado, seguem o vergonhoso exemplo de espalhar tropas e morte pelo mundo. O Brasil está em outra direção! Por Beto Almeida, Diretor da Telesur (cadena de televisión que promueve la integración latinoamericana y el Caribe, transmitiendo las 24 horas), no site oficial do Partido dos Trbalhadores. Adaptado em FILOPARANAVAÍ em 01.01.2012 [Publicado em Filoparanavaí em filoparanavai em 01.12.2010 às 16:21]
Estatuto da Igualdade Racial LEIA e CONHEÇA o Estatuto(IGUAIS EM DIREITOS NA DIVERSIDADE)
CONHEÇA também a coleção História Geral da África, lançada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a coleção foi produzida por mais de 350 especialistas, sob a direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39 intelectuais, dos quais dois terços eram africanos. O lançamento da versão em português é fruto de uma parceria da UNESCO com o Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).Está disponível gratuitamente para todos quantos tiverem interesse em ampliar seus conhecimentos.
Filoparanavaí 2012
História Geral da África: Tenha, leia e divulgue a obra [saiba como baixar os volumes da coleção]
HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA
Nosso compromisso é conhecer!
Além de apresentar uma visão de dentro do continente, a obra cumpre a função de mostrar à sociedade que a história africana não se resume ao tráfico de escravos e à pobreza. Para disseminar entre a população brasileira esse novo olhar sobre o continente, a UNESCO no Brasil, em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), viabilizaram a edição completa em português da Coleção, considerada até hoje a principal obra de referência sobre o assunto.
O objetivo da iniciativa é preencher uma lacuna na formação brasileira a respeito do legado do continente para a própria identidade nacional.
Os oito volumes - em Português -estão disponíveis para download nos sites da UNESCO.
2. Volume II: África Antiga
3. Volume III: África do século VII ao XI
4. Volume IV: África do século XII ao XVI
5. Volume V: África do século XVI ao XVIII
6.Volume VI: África do século XIX à década de 1880
7. Volume VII: África sob dominação colonial, 1880-1935
8. Volume VIII: África desde 1935