Enquanto o senso moral é o sentimento e a ação imediata em
resposta as emoções desencadeadas pelos valores morais, a consciência moral
está relacionada com a ponderação sobre quais decisões a pessoa deve tomar, em
relação ao comportamento de si próprio e de outras pessoas.
Calvin, o menino, expressa para Haroldo, o tigre, sua indignação diante das relações humanas.
O sujeito moral Seriam então os valores, além de relativos
ao lugar e ao tempo, também subjetivos, isto é, dependentes das avaliações de
cada indivíduo? Se cada um pudesse fazer o que bem entendesse, não haveria
moral propriamente dita. O sujeito moral tem a intuição dos valores como
resultado da intersubjetividade, ou seja, da relação com os outros. Não é o
sujeito solitário que se toma moral, pois a moral se funda na solidariedade: é
pela descoberta e pelo reconhecimento do outro que cada homem se descobre a si
mesmo. Intuir o valor é descobrir aquele que convém à sobrevivência e
felicidade do sujeito enquanto pertencente a um grupo.
O que acontece com frequência é que, em certas épocas, não
há condições de se perceber alguns valores — por exemplo, que a escravidão é
desprezível —, e outras épocas em que valores fundamentais são esquecidos: na
cidade grande, o individualismo exacerbado torna as pessoas menos generosas e
mais desconfiadas.
O sujeito moral surge quando, ao responder à pergunta
"como devo viver?", o faz com pretensão de validade universal. Ou
seja, o sujeito moral não é o eu empírico, individual, egoísta, mas é o eu
enquanto capaz de reconhecer o Outro como sendo um Outro-Eu: o Outro é tão
importante quanto eu sou. Ninguém nasce moral, mas torna-se moral. Há uma longa
caminhada a ser percorrida para a aprendizagem de descentralização do eu
subjetivo, a fim de superar o egocentrismo infantil e tornar-se capaz de
"conviver".
O senso moral reage porque nossa afetividade foi atingida:
certos atos considerados imorais, como por exemplo o assassinato de uma
criança, provocam-nos indignação.
A consciência moral se realiza a partir da aprendizagem da
convivência entre os homens, é preciso admitir que o ato moral é um ato de vontade.
Como tal, distingue-se do desejo, já que este é involuntário, surge com maior
ou menor força e traz a exigência de realização. No entanto, é impossível
atender a todos os desejos por serem inúmeros e antagônicos, e também porque a
vida em comum seria inviável. A moral surge pois do controle do desejo.
Evidentemente, não se trata da repressão do desejo, pois o que se busca não é a
sua anulação, mas a consciência clara do indivíduo que escolhe e decide o que
deve ser feito em determinada situação.
O ato voluntário resulta da consciência da obrigação moral.
Só que o dever moral não pode ser entendido como constrangimento externo, como
coação de uns sobre outros, pois a submissão ao dever precisa ser livremente
assumida. Ou seja, só há autêntica moral quando o indivíduo age por sua própria
iniciativa, enquanto ser de liberdade. Autonomia (de auto, "próprio")
significa autodeterminação, capacidade de decidir por si próprio a partir dos
condicionamentos e determinismos.
O Bem e o Mal são conceitos familiares.
Eles orientam nossas ações
e nossos julgamentos, levando em consideração o que merece ser perseguido/buscado e
alcançado e o que merece ser condenado/proibido e impedido.
A moralidade, considerada
sob esse aspecto, pode, portanto, ser definida como "ciência do bem e do
mal".
Relacionamos essa capacidade de distinguir o bem do mal com
uma faculdade presente em todos: consciência moral. Não é determinado com base
no que é, mas com base no que deve ser e, portanto, implica na existência de
todo homem um certo número de deveres.
Mas qual é a origem da consciência moral? É esse “instinto
divino”, essa “voz celestial”, esse “guia seguro” do indivíduo “inteligente e
livre” mencionado por Rousseau (em Baixe aqui em PDF: JEAN-JACQUES ROUSSEAU. EMÍLIO. OU DA. EDUCAÇÃO. Tradução de SÉRGIO MILLIET. 3.ª edição)?
O que é moralidade?
► Conhecimento do bem e do mal
Platão escreve que "ninguém é intencionalmente
malicioso" (Protágoras). Se fizermos errado, é por ignorância. Pensamos
que é rentável para nós ou estamos enganados: o mal que cometemos induz
consequências prejudiciais para seu autor. A consciência moral é, portanto,
equivalente a um conhecimento correto do bem e do mal.
► Um senso moral inato?
No entanto, esse conhecimento é difícil, na medida em que a
ideia que temos do que é mau e do que é bom depende em grande parte de
avaliações subjetivas, julgamentos de valor que permanecem relativos. De fato,
é mais simples, como Rousseau, supor a existência de um senso moral inato que o
sentimento de pena, segundo ele, personifica. "Virtude natural",
segundo Rousseau, antecede a razão e toda reflexão: "Portanto, é certo que
a pena é um sentimento natural que, moderando em cada indivíduo o amor a si
mesmo, contribui para a conservação mútua de todas as espécies. (...) É, em
uma palavra, nesse sentimento natural, e não em argumentos sutis, que devemos
procurar a causa da repugnância que todo homem sentiria ao fazer o mal, mesmo
independentemente das máximas da educação” (Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, 1755 _ baixe em pdf dando clique aqui).
► Indiferença moral
O caso da pandemia do Novo Coronavírus é muito revelador dessa indiferença moral. Quando se ouve números de infectados e mortos, isso provoca nas pessoas uma indiferença no sentido de que o fato não atinge diretamente. Talvez se ouvisse nomes ela se sensibilizasse. Por outro lado, há na política brasileira uma disputa entre senso comum e científico. Da parte do governo obviamente a preocupação com a economia e não com vidas a serem preservadas. Essa defesa política do governo é claro tem eco nos meios populares. Os defensores do senso comum no trato da pandemia a consideram apenas uma gripe como qualquer outra, inclusive taxando a doença Covid-19 como uma 'gripezinha'. Ou ainda que apenas quem pertence aos grupos de risco precisaria preocupar-se. Não são capazes de lidarem com conhecimentos científicos de prevenção. Essa repugnância ao
sofrimento do outro menos por um senso moral agudo do que pelo medo egoísta de
ter que suportar por sua vez. porém, quando a ameaça não é precisa e urgente, podemos
ver todos os dias que cada um finalmente se acomoda sem muita dificuldade com
esse sofrimento dos outros.
►Qual é a natureza da consciência moral?
A consciência moral é forjada pela sociedade
A consciência moral parece depender de uma educação que a
constitua. O sociólogo Durkheim mostrou, assim, que as ideias do bem e do mal
estão ligadas aos valores morais que nosso meio social nos transmitiu. A
consciência moral seria, portanto, impessoal. Só tem realidade porque repousa
em uma consciência social enraizada em tradições, em uma história e mantida por
instituições e atores sociais como a família ou os professores (A educação Moral, 1902-1903 _ baixe em PDF dando clique aqui).
A consciência moral supõe responsabilidade individual: Essa dimensão social da consciência moral é uma realidade.
Mas não podemos negligenciar a parcela de
responsabilidade e liberdade que cabe aos indivíduos quando eles agem. Sem
negar a realidade da consciência moral, não podemos reduzi-la às regras que
certas normas sociais nos colocaram. Se fosse esse o caso, não haveria mais
consciência, entendida como um exemplo de reflexão e escolha, mas apenas
obediência a uma ordem social específica.
O caso da consciência, o despertar da consciência moral: A consciência moral é despertada apenas pela preocupação. É
quando não sabemos o que fazer que entramos no reino da moral. Certos valores
estão em conflito e cada um afirma ser legítimo. Como escolher? Dificilmente,
quando certos valores morais se opõem, se refere ao "instinto divino"
que Rousseau evocou. A consciência moral, então, não dá uma resposta, mas abre
um espaço de liberdade que pode ser o do diálogo e da discussão e, portanto,
mais o da comunicação e a troca racional de argumentos. A “preocupação moral”
sempre foi expressa, desde a Antiguidade, em perguntas aparentemente simples: o
que podemos fazer? Quais são os limites de nossas ações? Podemos justificar
nossas ações? Sabemos exatamente o que estamos fazendo? Podemos apreciar tudo o
que resultará disso? (Monique Canto-Sperber, preocupação moral e vida humana,
2001).
► A questão do fundamento da consciência moral
A consciência moral é racional: Kant define o ato moral como um ato que não se apoia em
nenhum motivo egoísta. A consciência moral é essa capacidade racional de
universalizar nossa ação, que Kant traduz como um imperativo: "Aja sempre
para que você possa erguer a máxima de sua ação como lei universal"
(Crítica da razão prática). Uma ação é moral na medida em que o princípio do
qual depende pode se aplicar a todos, e é por isso que Kant condena a mentira.
Essa convicção não suporta nenhuma exceção: "A veracidade em declarações
que não podem ser evitadas é um dever formal do homem para com todos,
independentemente da extensão do dano que possa resultar por ele ou por outro
”(sobre um alegado direito de mentir pela humanidade, 1797).
Kant chega a refutar, neste panfleto, o argumento de
Benjamin Constant, segundo o qual o dever absoluto de dizer a verdade
"tornaria impossível qualquer sociedade": "nenhum homem",
diz Constant, "não tem direito à verdade que prejudica os outros ". O
argumento de Constant parece, à primeira vista, mais realista: não vamos contar
a verdade ao assassino que nos perguntaria se nosso amigo a quem ele está
perseguindo não se refugiou em nossa casa.
Mas, segundo Kant, não se pode querer que a mentira, que eu
me autorizaria em circunstâncias excepcionais, se torne um princípio universal.
Kant explica, de maneira mais geral, que o que deve ser julgado do ponto de
vista moral é a boa vontade: é por isso que a moralidade kantiana é qualificada
como "moralidade da intenção". O ato é moral se a intenção é boa, ou
seja, "desinteressada".
Calvin e Haroldo. Calvin e Hobbes, em português, Calvin e
Haroldo, é uma famosa série de histórias em quadrinhos criada pelo cartunista
estadunidense Bill Watterson. A primeira publicação foi feita em 18 de novembro
de 1985. Durante os dez anos que em que foram publicadas, saíram mais de três
mil histórias inéditas.
Hegel não pensa que a lei moral seja formal e abstrata. Pelo
contrário, nossa consciência é realizada em ação. Toda decisão moral é
concreta: é apenas de uma situação específica que eu posso saber o que devo
fazer. O dever é apenas uma universalidade abstrata, um formalismo simples, um
discurso sobre o dever pelo dever (Princípios da filosofia do direito, 1821).
Assim, para Hegel, o imperativo categórico é vazio.
A consciência moral é o fato de nossa liberdade: A consciência moral escapa a uma definição dogmática que a
tornaria "juiz infalível do bem e do mal", segundo a fórmula de
Rousseau. Seja com base na razão autônoma do sujeito (Kant) ou na ação efetiva
do sujeito (Hegel), ele se engaja em toda nova decisão e em toda nova ação a
responsabilidade e a liberdade do indivíduo. Sartre, ao recusar qualquer fuga
do indivíduo por trás de uma forma de necessidade (inclusive racional ou
histórica), expressou, a seu modo, a impossibilidade em que o homem se vê
renunciar a essa responsabilidade e, portanto, sua liberdade: “O que acontece
comigo acontece comigo através de mim e não posso me afetar nem me revoltar ou
me resignar a isso. Além disso, tudo o que acontece comigo é meu” (Ser e Nada,
1943). A consciência moral é, portanto, para ele uma consciência
"comprometida", e o homem é sempre o que faz.
Referências:
ARANHA Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires.
Temas de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Moderna, s.d.
_________. Filosofando: Introdução à
Filosofia. 4.ed. São Paulo: Moderna, 2009.
La Conscience morale. Disponível em: https://www.maxicours.com/
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