Ensino, liberdade e desenvolvimento
John Stuart Mill
Tradução de Pedro Madeira
Em muitos casos, embora os indivíduos possam, de um modo
geral, não fazer algo em particular tão bem como os funcionários do governo, é
ainda assim desejável que sejam eles a fazê-lo, e não o governo, dado que
fazê-lo contribui para a sua própria educação mental — é um modo de fortalecer
as suas faculdades activas, exercitar o seu juízo, e fornecer-lhes um
conhecimento íntimo dos assuntos com que têm assim de lidar. Esta é a principal
razão, embora não a única, que recomenda o julgamento por júri (em casos que
não sejam de natureza política); de instituições locais e municipais livres e
geridas pelo povo; da administração de empreendimentos industriais e
filantrópicos por parte de associações voluntárias. Estas questões não têm a
ver com a liberdade — estão relacionadas com esse assunto apenas por tendências
remotas; têm antes a ver com o desenvolvimento. Discutir em pormenor estas
coisas, enquanto partes da educação nacional, é coisa para outra ocasião; tal
como, na verdade, a formação peculiar de um cidadão, a parte prática da
educação política de um povo livre, retirando-os do círculo restrito do egoísmo
pessoal e familiar, e acostumando-os à compreensão dos interesses comuns —
habituando-os a agir por motivos públicos ou semi-públicos, e guiar a sua conduta
por objectivos que os unem, em vez de os isolar. Sem estes hábitos e poderes,
não se pode chegar a uma constituição livre nem preservá-la, como é
exemplificado pela natureza demasiado frequentemente transitória da liberdade
política em países onde não esta assenta numa base suficiente de liberdades
locais. A administração de negócios puramente locais pelas localidades, e a
administração dos grandes empreendimentos industriais pelo conjunto dos que
forneçam voluntariamente os meios pecuniários, é adicionalmente recomendada
pelas vantagens da individualidade do desenvolvimento e da diversidade de modos
de acção expostas neste ensaio. As operações do governo tendem a ser iguais em
todo o lado. Com indivíduos e associações voluntárias, pelo contrário, há experimentações
variadas, e uma diversidade interminável de experiência. O que o estado pode
proveitosamente fazer, é tornar-se um depositário central da experiência
resultante de muitas experimentações, bem como um activo difusor. O que compete
ao estado não é recusar todas as experimentações senão as estatais, mas sim
permitir que cada experimentador beneficie das experimentações de outros.
A terceira razão para restringir a interferência do governo
— e também a mais persuasiva — é o grande mal de aumentar desnecessariamente o
seu poder. Cada função que é acrescentada às que já são exercidas pelo governo
difunde mais amplamente a sua influência sobre esperanças e medos, e torna a
parte activa e ambiciosa do público cada vez mais dependente do governo, ou de qualquer
partido que ambicione tornar-se governo. Se as estradas, os caminhos-de-ferro,
os bancos, as companhias de seguros, as grandes sociedades anónimas, as
universidades e as instituições públicas de caridade pertencessem todos ao
governo; se, adicionalmente, as corporações municipais e os quadros locais, com
todas as competências que agora têm, se tornassem departamentos da
administração central; se os empregados de todos estes diferentes
empreendimentos fossem nomeados e pagos pelo governo, e tivessem de contar com
ele para qualquer aumento de salário; nesse caso, nem toda a liberdade de
imprensa ou constituição popular da legislatura fariam deste ou de qualquer
outro um país livre senão em nome. E o mal seria tanto maior, quanto mais
eficiente e cientificamente montada estivesse a maquinaria administrativa —
quanto mais habilidosas as estratégias para obter as mãos e as cabeças mais
qualificadas com as quais trabalhar. Na Inglaterra tem sido recentemente
proposto que todos os funcionários públicos do governo deviam ser seleccionados
através de exames competitivos, para obter para esses empregos as pessoas mais
inteligentes e instruídas disponíveis; e muito se disse e escreveu a favor e
contra esta proposta. Um dos argumentos em que os seus oponentes mais insistem
é que a ocupação de um funcionário oficial permanente do estado não oferece
suficientes perspectivas de rendimentos e importância para atrair os mais
talentosos, que serão sempre capazes de achar uma carreira mais convidativa nas
profissões vocacionais, ou ao serviço de companhias ou outros órgãos públicos.
Não teria sido surpreendente se este argumento tivesse sido usado pelos
defensores da proposta como uma resposta para a sua principal dificuldade.
Vindo dos adversários, é bastante estranho. O que se apresenta insistentemente
como uma objecção constitui a válvula de segurança do sistema proposto. Se, de
facto, todo o elevado talento do país pudesse ser atraído para trabalhar para o
governo, uma proposta que tendesse a dar origem a esse resultado poderia muito
bem inspirar inquietação. Se todos os assuntos da sociedade que requeressem
concertação organizada, ou perspectivas largas e abrangentes, estivessem nas
mãos do governo, e se os cargos do governo fossem universalmente ocupados pelas
pessoas mais capazes, toda a cultura ampla e inteligência experiente do país,
excepto as puramente especulativas, estariam concentradas numa numerosa
burocracia, com quem o resto da comunidade teria de contar para tudo; as
multidões, para orientação e ordens em tudo o que precisassem de fazer; os
capazes e ambiciosos, para vantagem pessoal. Ser admitido nas fileiras desta
burocracia e, uma vez admitido, ascender nela, seriam os únicos objectivos a
ambicionar. Sob este regime, não apenas o público exterior ficaria mal
qualificado, por falta de experiência prática, para criticar ou supervisionar o
modo de funcionamento da burocracia, mas mesmo que as contingências de
instituições despóticas ou o natural funcionamento de instituições populares
ocasionalmente levassem ao poder um governante ou governantes de inclinações
reformistas, nenhuma reforma que fosse contrária aos interesses da burocracia
poderia ser levada a cabo. Esse é o estado lamentável do Império Russo, tal
como é evidente nos relatos dos que tiveram suficiente oportunidade para o
constatar. O próprio Czar é impotente contra o órgão burocrático; pode mandar
qualquer um dos funcionários para a Sibéria, mas não pode governar sem eles, ou
contra sua vontade. Estes têm um veto tácito sobre todos os seus decretos,
recusando-se simplesmente a implementá-lo. Em países de civilização mais
avançada ou de espírito mais insurrecto, as pessoas, acostumadas a que o estado
faça tudo por elas, ou pelo menos a nada fazerem por si mesmas sem antes lhe
pedir licença e até perguntar como se há-de fazer, tomam naturalmente o estado
como culpado por todos os males que lhes aconteçam, e quando o mal excede o seu
limite de paciência, insurgem-se contra o governo e fazem aquilo a que se chama
uma revolução; após o que outra pessoa, com ou sem a legítima autoridade da
nação, salta para a cadeira do poder, dá as suas ordens à burocracia, e tudo se
desenrola praticamente da mesma maneira do que antes; a burocracia permanece
inalterada, e ninguém é capaz de tomar o seu lugar.
Um cenário muito diferente ocorre entre um povo acostumado a
tratar dos seus próprios assuntos. Em França, dado que grande parte das pessoas
fizeram serviço militar, muitas das quais mantiveram pelo menos a patente de
oficiais subalternos, há em toda a insurreição popular várias pessoas
competentes para assumir o comando, e improvisar um plano de acção aceitável.
Os franceses são em termos de assuntos militares o que americanos são em todo o
tipo de assunto civil; se ficassem sem um governo, cada corpo de americanos seria
capaz de improvisar um, e conduzir esse ou qualquer outro assunto público com
uma quantidade suficiente de inteligência, ordem e resolução. Isto é o que todo
o povo livre devia ser: e um povo capaz disto será certamente livre; nunca se
deixará escravizar por uma pessoa, ou grupo de pessoas, por estes serem capazes
de tomar e puxar as rédeas da administração central. Nenhuma burocracia pode
esperar levar um povo como este a fazer algo ou passar por algo de que não
goste. Mas onde tudo se faz através da burocracia, nada a que a burocracia seja
realmente adversa se pode fazer. A constituição de tais países é uma
organização da experiência e da capacidade prática da nação num órgão
disciplinado com o propósito de governar os restantes; e quanto mais perfeita
essa organização for, em si, tanto mais bem sucedida será em trazer a si e
educar por si as pessoas de maior capacidade de todas as condições sociais de
entre a comunidade, tanto mais completa será a escravatura de todos, incluindo
os membros da burocracia. Pois os governantes são tão escravos da sua
organização e disciplina, como os governados o são dos governantes. Um mandarim
chinês, como o mais humilde agricultor, é o instrumento e o resultado de um
despotismo. Um jesuíta individual é um escravo da sua ordem no mais profundo
grau de degradação, embora a ordem em si exista para assegurar o poder
colectivo e a importância dos seus membros.
Também não se deve esquecer que a absorção de grande parte
dos indivíduos talentosos do país por parte do corpo governante é fatal, mais
cedo ou mais tarde, para a actividade intelectual e para o desenvolvimento do
próprio corpo governante. Unidos como estão — administrando um sistema que,
como todos os sistemas, funciona necessariamente, em grande medida, através de regras
fixas — os membros do órgão oficial estão sob a tentação constante de se
afundar numa rotina indolente, ou, se de vez em quando deixam de andar às
voltas quais cavalos de moinho, de aceitar apressadamente qualquer ideia
incipiente e mal examinada que tenha agradado a algum membro dirigente do
órgão; e a única salvaguarda contra estas tendências intimamente relacionadas,
embora aparentemente opostas, o único estímulo que pode fazer a própria
competência do órgão manter um padrão elevado, é estar sujeito às críticas
vigilantes de pessoas igualmente competentes que não pertençam ao órgão. É,
portanto, indispensável que existam meios, independentes em relação ao governo,
para formar pessoas competentes, e para lhes fornecer as oportunidades e a
experiência necessárias para uma avaliação correcta das grandes questões
práticas. Se tivéssemos permanentemente um corpo de funcionários hábeis e
eficientes — acima de tudo, um corpo capaz de dar origem a melhorias e disposto
a adoptá-las; e se não quiséssemos que a nossa burocracia degenerasse numa
pedantocracia, esse corpo não devia açambarcar todas as ocupações que formam e
cultivam as faculdades requeridas para o governo da humanidade.
John Stuart Mill
Originalmente publicado em 1859. Retirado de Sobre a Liberdade,
de John Stuart Mill (Lisboa: Edições 70, 2006, pp. 180–186).
Fonte: criticanarede
"As ações são corretas na medida em que tendem a
promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a promover o reverso da
felicidade."
Quem foi John Stuart Mill?
John Stuart Mill nasceu em Londres, no dia 20 de maio de
1806 (portanto em plena fase de industrialização da Inglaterra), e faleceu no
mesmo local em 8 de maio de 1873.
A vida
Provavelmente mais do que no caso de qualquer outra pessoa,
para compreender bem as idéias e contribuições de Stuart Mill, é fundamental
que se conheça um pouco de sua vida e que se leve em conta sua educação, o
período em que viveu, suas amizades, as influências que recebeu e suas
atividades.
Stuart Mill era filho do filósofo e historiador James Mill,
que assumiu a responsabilidade por sua educação. Segundo Todd Buchholz,
"John Stuart tinha ainda o gosto pelo leite materno quando a sua rigorosa
educação começou". Aos 3 anos de idade, iniciou seus estudos de grego,
seguindo-se depois latim, matemática e filosofia. Aos 11 anos auxiliou o pai na
revisão de sua obra mais importante sobre a história da Índia e aos 13, por
recomendação do pai, deu início a seus estudos de economia, através da leitura
das obras de Smith e Ricardo. Passou seu décimo quarto ano de vida na França,
onde se hospedou na casa de Samuel Bentham (irmão de Jeremy Bentham, que terá
posteriormente profunda influência sobre o pensamento de Mill). Na França,
prosseguiu seus estudos, incluindo química, biologia, cálculos diferenciais e
botânica. Ao voltar à Inglaterra, em 1821, começou a estudar direito, quando
entrou em contato mais estreito com as idéias de Jeremy Bentham.
Em 1822 foi convidado a trabalhar na Companhia das Índias
Orientais, onde entrou como auxiliar do responsável pela correspondência.
Passou a assistente de diretoria em 1828 e chegou ao posto mais alto da
Companhia, diretor presidente, em 1856, posto que ocupou por dois anos, até que
a empresa foi fechada por ordem da Rainha Vitória.
Em 1830, conheceu Harriet Hardy Taylor, ativa defensora dos
direitos da mulher, por quem se apaixonou quase imediatamente. Como ela era
casada, só veio a se tornar esposa de Stuart Mill 21 anos depois, quando ficou
viúva. A influência de Harriet Hardy Taylor sobre as idéias e obras de Mill foi
bastante acentuada, só não sendo ainda maior pelo fato do casamento ter durado
apenas sete anos, em razão do falecimento da esposa.
Foi amigo pessoal de Ricardo, Bentham, Carlyle e Augusto
Comte, tendo tido ainda - durante sua estada na França - contato com Jean
Baptiste Say. Todos eles acabaram por influenciar de alguma forma o pensamento
de Stuart Mill.
Em 1860, desgostoso com o falecimento da esposa e o
fechamento da Companhia das Índias Orientais, foi novamente para a França, de
onde voltou algum tempo depois disposto a concorrer a uma cadeira no
Parlamento. Eleito, ocupou uma cadeira no Parlamento inglês de 1865 a 1868,
quando se retirou da vida pública.
Veio a falecer em 1873, ocasião em que o processo de
industrialização inglês (bem como de diversas outras nações européias)
encontrava-se consolidado. Nessa época, o princípio da harmonia de interesses,
um dos pilares do pensamento de Adam Smith, podia ser amplamente questionado,
uma vez que a notória concentração de renda existente na Inglaterra demonstrava
que a satisfação dos interesses individuais não correspondia necessariamente à
satisfação dos interesses gerais. Em razão disso, em termos de pensamento
econômico, a preocupação que se concentrava quase que exclusivamente na análise
dos aspectos ligados à produção desloca-se pouco a pouco para dar prioridade
aos aspectos relacionados à distribuição da riqueza. Essa é a característica
apresentada primeiramente por Jeremy Bentham, William Nassau Senior e John
Stuart Mill e que será a marca do pensamento econômico que se desenvolverá a
partir da segunda metade do século XIX.
Principais ideias e contribuições
As contribuições de Stuart Mill distribuem-se pelos campos
da Lógica, da Psicologia, do Direito, da Economia e da Política. Neste artigo,
no entanto, vou me limitar apenas a alguns aspectos de suas contribuições sobre
Política e Economia. Tamanha diversidade explica em boa parte a descontinuidade
que caracteriza a sua obra e a controvérsia que existe em torno de sua figura:
é considerado um dos principais expoentes da Economia por alguns autores e
historiadores em razão de sua criatividade e de suas contribuições inovadoras
e, ao mesmo tempo, é ignorado por outros, por não ter conseguido
"amarrar" bem suas idéias, que tiveram que ser aperfeiçoadas por
diversos economistas e pensadores de gerações posteriores.
Stuart Mill procurou combinar o utilitarismo (que absorveu
de Jeremy Bentham) com o socialismo, em que ressaltou o valor do altruísmo (tão
a gosto de Saint-Simon e Comte), como forma de superação do egoísmo.
Como foi dito na citação inicial deste artigo, extraída de
seu livro Utilitarismo (capítulo II), Stuart Mill enfatizava, no princípio da
utilidade, a busca da felicidade, como se vê na seguinte passagem:
Felicidade entendida como prazer e ausência de dor. [...]
Prazer e ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como fins [...] seja
pelo prazer inerente a elas , seja como meio de promoção do prazer e prevenção
da dor.
No campo da Economia (o de sua maior contribuição), suas
idéias refletem diversas influências de outros pensadores contemporâneos,
apresentando em sua evolução uma série de contradições, a ponto de ser
considerado um integrante do liberalismo clássico por alguns autores e um
pré-socialista por outros. Ele próprio chegou a se autodefinir um socialista,
como pode ser visto na citação a seguir:
Nosso ideal de desenvolvimento final vai mais além da
democracia e nos classificaria decididamente sob a designação geral de
socialismo. Consideramos que o problema social do futuro seja como reunir a
maior liberdade individual de ação com a propriedade comum das matérias-primas
do globo e uma participação igualitária de todos nos benefícios do trabalho
associado.
Nessa tentativa de conciliação de idéias socialistas com
seus fundamentos utilitaristas ele fez uso de uma relação entre a religião e a
moral, na qual admitiu que o aperfeiçoamento intelectual do homem serve de base
ao desenvolvimento social. Daí a principal crítica de Marx a esse tipo de
ecletismo do qual Mill é o melhor intérprete. Para Marx, isto é prova
inconteste de ingenuidade ou uma tentativa de "conciliação dos
inconciliáveis".
Sua posição é fundamentada nas circunstâncias históricas da
Europa e suas idéias econômicas refletem isso, podendo ser identificados três
períodos distintos:
1) Por volta de 1844, quando publicou Essays on some
unsettled questions of Political Economy, nos quais se sente uma nítida
influência de Ricardo;
2) Exposta em sua principal obra Principles of Political
Economy (1848), em que começou a fazer a defesa da criação de propriedades para
os camponeses, uma vez que estava preocupado com os problemas que envolviam os
agricultores irlandeses; e
3) Inicia-se por volta de 1850 e se torna mais estreito à
medida que amplia seu contato com as idéias socialistas, quando se convence da
fundamental importância dos problemas sociais. Nessa época sente-se forte
influência de Saint-Simon. Fica claro que ele não endossa o princípio do
laissez-faire, já que ele aponta a existência de inúmeras exceções
representadas por itens de grande utilidade social, mas de pouco interesse para
o capital privado, tais como a educação, o auxílio aos pobres, a colonização e
outros itens de interesse da coletividade.
O trecho que se segue, extraído dos Principles of Political
Economy mostra bem como Stuart Mill sentia o momento, quase um século após o
início da Revolução Industrial: ... até agora se questiona se todas as invenções mecânicas
já feitas aliviaram a luta do ser humano. Elas permitiram que maior população
vivesse a mesma vida de fadiga e aprisionamento e que maior número de
manufatureiros e outros fizessem fortuna.
A diferença de seu pensamento a partir da publicação dos
Principles em relação ao seu pensamento original pode ser vista claramente no
seguinte trecho:
Se a escolha tiver de ser feita entre comunismo, com todas
as suas oportunidades, e a presente situação da sociedade com todos os seus
sofrimentos e injustiças; se a instituição da propriedade privada
necessariamente carrega consigo, como conseqüência, que o produto do trabalho
seja repartido, como vemos atualmente, quase em razão inversa ao trabalho: as
maiores parcelas àqueles que jamais trabalharam para o todo, a parcela seguinte
àquele cujo trabalho é apenas nominal e assim numa escala decrescente, a
remuneração diminui à medida em que o trabalho cresce mais duro e mais
desagradável até que o mais exaustivo e fatigante trabalho não possa contar com
a certeza de estar apto a ganhar sempre o mínimo necessário à existência. Se
isto, ou o comunismo for a alternativa, todas as dificuldades maiores ou
menores do comunismo serão apenas um átomo na balança.
No âmbito da Política, o caminho seguido por Mill foi o de
um liberalismo extremado, muito próximo do anarquismo. Sua preocupação com a
influência deletéria do Estado fica clara no trecho que se segue, sobre
Educação:
Uma educação geral pelo Estado é puro plano para moldar as
pessoas de forma exatamente semelhante. E, como o molde em que são plasmadas é
o que agrada a força dominante no governo, quer seja esta um monarca, um clero,
uma aristocracia, quer a maioria da geração existente, a educação pelo Estado,
na medida em que é eficaz e bem sucedida, estabelece um despotismo sobre o
espírito, que, por uma tendência natural, conduz a um despotismo sobre o corpo.
Stuart Mill não deixa, em nenhum instante, de revelar
profunda influência da educação que lhe foi imposta pelo pai, razão pela qual
sua obra representa enorme contribuição à aplicação de métodos à análise
econômica. Também nesse particular observam-se sensíveis modificações em seu
pensamento, como pode ser visto através da comparação de suas primeiras e de
suas últimas obras.
Sua ideia de utilitarismo, mais ampla que a de Bentham,
serviu de base e foi aperfeiçoada pelos primeiros economistas utilitaristas
como William Stanley Jevons, Carl Menger e Leon Walras e, principalmente, por
Alfred Marshall, grande expoente da Escola Neoclássica.
Por todas essas razões, Stuart Mill pode ser considerado um
autor de transição entre o pensamento econômico antigo (que dá maior ênfase aos
aspectos ligados à produção da riqueza) e o pensamento econômico moderno (que
enfatiza os aspectos ligados à distribuição da riqueza).
* Originalmente publicado pelo Instituto Liberal.
Fonte: http://www.ordemlivre.org/
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