Jean-Jacques Rousseau ?
Filosofia Século XVIII
Jean-Jacques Rousseau foi um dos mais considerados
pensadores europeus no século XVIII. Sua obra inspirou reformas políticas e
educacionais, e tornou-se, mais tarde, a base do chamado Romantismo. Formou,
com Montesquieu e os liberais ingleses, o grupo de brilhantes pensadores pais
da ciência política moderna.
Em filosofia da educação, enalteceu a
"educação natural" conforme um acordo livre entre o mestre e o aluno,
levando assim o pensamento de Montaigne a uma reformulação que se tornou a
diretriz das correntes pedagógicas nos séculos seguintes. Foi um dos filósofos
da doutrina que ele mesmo chamou "materialismo dos sensatos", ou
"teísmo", ou "religião civil".
Lançou sua filosofia não
somente através de escritos filosóficos formais, mas também em romances, cartas
e na sua autobiografia. Vejamos, em resumo, o que nos contam as suas Confissões
e algumas outras fontes, sobre sua vida e sua obra.
VIDA:
Infância. Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Suiça,
em 28 de junho de 1712, e faleceu em Ermenonville, nordeste de Paris, França,
em 2 de julho de 1778. Foi filho de Isaac Rousseau, relojoeiro de profissão. A
herança deixada pelo avô paterno de Rousseau foi de pouca valia para seu pai,
porque teve que ser dividida entre 15 irmãos.
O pai sempre dependeu do que
ganhava com o próprio trabalho para o sustento da família. Sua mãe foi Suzanne
Bernard, filha de um pastor de Genebra; faleceu poucos dias depois de seu
nascimento. Rousseau tinha um irmão, François, mais velho que ele sete anos, o
qual, ainda jovem, abandonou a família.
Considera-se que o fato de sua mãe ter morrido poucos dias
depois de seu nascimento, em conseqüência do parto, tenha marcado Rousseau
desde criança. É pelo menos curioso que chamasse "mamãe" sua primeira
amante e "tia" à segunda. Foi criado, na infância, por uma irmã de
seu pai e por uma ama.
Num certo sentido perdeu também o pai porque este, no ano de
1722, desentendendo-se com um ci dadão de certa influência, feriu-o no rosto em
um encontro de rua. Este incidente o obrigou a deixar Genebra para não ser
injustamente preso. Rousseau e o irmão ficaram sob a tutela do tio Gabriel
Bernard, engenheiro militar, que era irmão de sua mãe e casado com uma irmã de
seu pai.
Rousseau não teve educação regular senão por curtos períodos
e não freqüentou nenhuma universidade. Ainda na casa paterna, leu muito: lia
para o pai, enquanto este trabalhava em casa nos misteres de relojoeiro, os
livros deixados por sua mãe e pelo pastor seu avô materno.
Seu tio logo o enviou, junto com seu próprio filho, para
serem educados no campo, na residência de um pastor protestante em Bossey,
lugarejo próximo a Genebra onde ambos estudam latim e outras disciplinas.
Aos 12 anos volta com o primo a Genebra para começar a
trabalhar. O primo irá se preparar para engenheiro, como o pai, e Rousseau
passa algum tempo na ociosidade, até que o encaminham para um emprego no
cartório, onde inicia aprendizado de questões legais com vistas a profissão de
advogado. Rousseau não gostou do emprego, e decepcionou o tabelião, que
terminou por despedi-lo.
A partir de abril de 1725 trabalha em uma oficina de
gravação onde a rudeza do patrão termina por desinteressá-lo do serviço.
Acostumou-se aos maus tratos e a vingar-se deles por vários expedientes. É
apanhado praticando pequenos furtos e cunhando medalhas com que presenteava os
amigos. O que ganha então emprega em alugar livros a uma senhora que mantinha
esse negócio.
Juventude. Aos dezesseis anos, habituado a perambular com
amigos pelos arredores de Genebra, por uma terceira vez perdeu o toque de
recolher e passou a noite do lado de fora das portas trancadas da cidade. Não
quis submeter-se aos castigos que o esperavam e fugiu. Em Contignon, na Saboia
(França) a duas léguas de Genebra, solicitou ajuda ao pároco católico que o
encaminha a uma jovem senhora comprometida a ajudar peregrinos com a pensão que
recebia do rei.
Tratava-se de Louise-Éléonore de la Tour du Pil, pelo
casamento Madame de Warens. Protestante pietista, separada do marido por motivo
de sedução, sem filhos, Louise, havia solicitado ajuda ao rei católico
Victor-Amadeus II, duque de Saboia, Rei da Sardenha e Piemonte. Dele recebeu
uma pensão com a condição de converter-se ao catolicismo e praticar
beneficência. O rei enviou-a escoltada por um destacamento de guardas a Annecy
(hoje capital da Alta-Saboia), no lago de Annecy, ao pé dos Alpes e ao sul de
Genebra, onde, sob a direção do arcebispo Michel-Gabriel de Bernex ela fez a
abjuração no convento da Visitação (fundado por São Francisco de Sales e Santa
Joana-Francisca de Chantal) tornando-se católica.
A vida de Rousseau com Louise, cerca de dez anos mais velha,
na plenitude dos vinte, bela de corpo, alegre, dona de belos cabelos louros,
para ele mãe e amante (Rousseau se refere a ela sempre como a Sra. Warens ou
"mamãe"), divide-se em vários períodos. O primeiro é curto. Porque
lhe pareceu que em Turim o jovem haveria de dar-se bem, ela o encaminha para lá
com dinheiro para a viagem fornecido pelo Arcebispo e cartas de recomendação,
uma delas para um asilo de catecúmenos (Asilo do Espírito Santo) onde Rousseau
deveria estudar o catecismo e abjurar o protestantismo.
Rousseau viaja a pé. Seu pai, que havia se estabelecido em
Nyon, avisado da sua fuga foi a Annecy esperando encontrá-lo, talvez com o
intuito de mantê-lo consigo, mas lá chegando e sabendo que o filho seguira para
uma instituição em Turim, deu-se por satisfeito.
Após a devida instrução, Rousseau abjurou na Igreja de São
João, seguindo-se uma entrevista com o Inquisidor do Santo Ofício. Com um
donativo de 20 francos, coletado na cerimônia da abjuração, Rousseau inicia a
vida naquela cidade. Encontra trabalho melhor que de simples lacaio em uma casa
nobre, porém vem a rever um amigo dos tempos de aprendiz em Genebra, e abandona
o emprego para viajar em sua companhia e retornar a Annecy.
Volta à casa de Louise na primavera de 1729, ajuda nos
trabalhos da sua farmácia natural, lê muito e estuda música. É enviado por ela
a um seminário católico para continuar seus estudos, mas passa os fins de
semana em sua casa. Depois de um ano como seu auxiliar - e ocultamente
apaixonado por ela - acompanha, a pedido seu, o maestro da Catedral, velho e
epiléptico, que viajava para Paris. Louise pediu-lhe que o acompanhasse pelo
menos até Lyon. Neste trecho de suas Confissões Rousseau lamenta ter abandonado
o maestro numa rua da cidade, enquanto aquele sofria um ataque de sua doença e
era socorrido por populares. Deu ali por cumprida sua missão e volta a Annecy.
Porém não encontra Louise em casa. Ela havia viajado a Paris, para tratar de
uma pensão que substituísse a que lhe concedera Victor Amadeus II, que naquele
ano de 1730 abdicou do trono.
Sem vínculo com ninguém, Rousseau perambula até Paris,
ganhando a vida como professor de música. Nada resulta dessa viagem. Retornou a
pé e vai, em 1732, para Chambéri, um pouco mais ao sul de Annecy, para onde
Louise havia se mudado. É seu terceiro período com Louise. Ela lhe fala dos
amantes que teve, revela que tem como amante o botanista seu empregado, e ao
mesmo tempo o inicia na vida sexual. Vivem juntos como amantes até 1740, ela o
emprega no escritório fiscal de Chambéri e depois na pequena fazenda próxima
chamada Les Charmettes. Nesse período Rousseau lê muito e começa a escrever.
Porém acha a situação financeira e emocionalmente desconfortável. Adoece e
passa por uma crise da qual sua descrição sugere o mal hoje conhecido como
"síndrome do pânico", cujo desfecho característico ele confessa:
"Posso dizer perfeitamente que só comecei a viver quando me considerei um
homem morto".
Acreditando sofrer de um "polipo no coração",
decidiu ir a Montpelier onde soube que poderia ser curado de sua taquicardia.
Não precisou chegar lá. Um romance havido com uma companheira de itinerário, à
altura de Valence, deixou-o curado. Retornando para casa, Rousseau encontra um
rival com quem teria que dividir os amores de Louise. Decepcionado, pensa sair
de Chambéri. Em maio de 1740 ele foi para Lyon para tutorar, pelo período de um
ano, as crianças de Jean-Bonnet de Mably, irmão mais velho de Étiene Bannot de
Condillac e do Abade de Mably, este último um conhecido escritor político.
Retorna ainda uma vez a Louise e então decide-se a abandona-la definitivamente.
Em 1741 Rousseau seguiu novamente para Paris com um novo esquema de anotação
musical e os rascunhos de uma comédia (Narcisse), desta vez para lá ficar.
Deteve-se uns dias em Lyon para ver os amigos que ali tinha,
para arranjar algumas recomendações para Paris e para vender os livros de
geometria que havia trazido consigo. Monsieur e Madame de Mably mostraram-se
alegres em reve-lo e várias vezes o convidaram-no para jantar. Em casa deles
travou relações com o abade Mably, como já fizera com o abade de Condillac,
pois ambos tinham vindo visitar o irmão. O abade de Mably deu-lhe cartas de
apresentação para Paris.
Chegou em Paris no outono europeu de 1741. Valendo-se das
cartas de apresentação, encontra alunos de música, e consegue rendimentos para
sobreviver.
De relacionamento em relacionamento, consegue chegar à
Academia, onde expõe seu sistema de notações musicais. Os membros da Academia
ouviram com grande atenção e cortesia sua Dissertation sur la musique moderne,
mas não aprovaram o sistema. Apresentou o sistema também a Jean-Philippe Rameau
(1683-1764), autor de óperas (entre elas "Pigmalião", 1748), então o
maior músico-dramático da França. Rameau considera o seu sistema de anotação
musical de leitura mais difícil que o comum, porém Rousseau estava convencido
da sua vantagem principalmente em facilitar o aprendizado da música.
Ele também conheceu e tornou-se amigo de Denis Diderot,
então ainda um jovem filósofo, e que haveria de ter sobre ele profunda
influencia. Seu sistema de notação musical atraiu a atenção de Diderot.
Obstinado com seu método, Rousseau melhorou e Diderot publicou o trabalho
apresentado na Academia.
Valendo-se de recomendações porém sempre contrafeito por não
conhecer ainda a etiqueta dos altos círculos de Paris, aproxima-se da nobreza,
conquistando amizades através da música, declamação de poesias, etc. Em 1743,
por indicação de um sacerdote amigo, procura duas senhoras da nobreza; a
segunda delas, a que melhor o acolhe, a esposa de Claude Dupin, conselheiro do
rei. Rousseau passa a freqüentar sua casa assiduamente, se apaixona e busca
seduzi-la, sem êxito. Começa então a escrever uma ópera Les Muses Galantes. Por
essa ocasião, outra senhora do seu crescente círculo de amizades o indicou ao
recém nomeado embaixador em Veneza, para o cargo de secretário da embaixada
francesa naquela república.
Lutou por manter o cargo por dezoito meses, entre 1744 a
1745. Empenhou-se em exercer bem suas funções, com esperanças de fazer carreira
diplomática. Mas o embaixador não reconheceu seus esforços, além de o camareiro
sabotá-lo, criando-lhe dificuldades. Afinal, após uma violenta discussão com o
Embaixador, Rousseau deixou Veneza e voltou a Paris, onde pretendeu obter um
julgamento justo do caso, e o pagamento de seus salários, o que conseguiu com
dificuldade por não ser ele mesmo francês.
Após esse episódio, voltou-se para sua música; concluiu sua
ópera e conseguiu que fosse cantada para Rameau que a condenou em parte,
enquanto outros entendidos a aplaudiram.
Os enciclopedistas.
Em 1746, com a morte do pai, Rousseau recebe uma pequena
herança e pode sobreviver mais folgadamente. Cultiva sua amizade com Diderot e
liga-se a vários outros intelectuais. Um desses foi o conhecido filósofo e
psicólogo, o abade Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780), natural de
Grenoble, adepto de John Locke (1632-1704). Foi ordenado padre católico em
1740. Rousseau o conhecera em Lyon, em casa de seu irmão mais velho Jean-Bonet
de Mably, uma ocasião em que Condillac fora visitar esse irmão. Nada era então
do celebre metafísico em que se tornaria alguns anos depois. Condillac o
visitava e quando o abade quiz publicar seu primeiro livro, Rousseau o
apresentou a Diderot e este conseguiu-lhe um editor.
Na ocasião conhece também Jean Le Rond d’Alembert,
apresentado por Diderot, quando estes dois preparavam o "Dicionário
enciclopédico". Diderot propôs a Rousseau escrever os verbetes de música,
o que Rousseau teve apenas três meses de prazo para fazer., trabalho pelo qual
nada recebeu.
Seu círculo incluía, além de Condillac, Diderot e
d'Alembert, também o barão de Grimm, um importante crítico literário
franco-germânico e o barão de Holbach, então o mais importante do grupo. Paul
Henri Dietrich (1723-1789), barão de Holbach, um ateu alemão muito rico que se
estabeleceu em Paris para fazer guerra contra a crença em Deus. Ele gastou
recursos para publicar dezenas de livros, além daqueles que escreveu, com o
único critério de que fossem úteis à causa ateísta. Holbach tinha à sua mesa
sempre Rousseau e outros enciclopedistas. Circulavam rumores sobre os jantares
e festas que promovia, e de que o povo comum sentia receios de passar em sua
rua.
Contribuiu para a "Enciclopédia" com 376 verbetes (traduções de
textos alemães) sobre química e ciências correlatas.
Publicou seu principal
livro "Sistema da Natureza" com o pseudônimo de Mirabeau; nele ataca
a religião e coloca seus pontos de vista materialistas (ateísta, determi
nista). A seus olhos a religião era a principal fonte de degradação. No entanto,
ofereceu hospedagem a muitos jesuítas ilustres quando sua ordem foi extinta.
Frequentando sua casa por necessidade de encontrar os companheiros, Rousseau
diz nas Confissões que nunca simpatizou com o o Barão.
No início de 1745 ele assumiu vida conjugal com Thérèse le
Vasseur, a criada de quarto do hotel onde ele estava morando. Teve com ela,
sucessivamente 5 filhos os quais foram todos enviados para um orfanato. Somente
em 1768 ele casou-se com ela numa cerimônia civil.
Outra vez admitido no serviço da família Dupin, é empregado
como secretário em 1745. Ele fez pesquisa para a Sra. Dupin, que estava
preparando um livro sobre a mulher, e ajudou o próprio Dupin em um projeto para
refutar De l'esprit des lois (1748) de Montesquieu.
Na ocasião é também solicitado,
por um amigo comum, a refazer uma opera rascunhada por Voltaire e Rameau, Fêtes
de Ramire o que foi apenas perda de tempo e trabalho, pois sequer seu nome
apareceu no libreto.
Diderot foi preso devido a sua obra Lettre sur les aveugles,
que ofendera um nobre influente. Um dia em 1749, enquanto caminhava para
visitar Diderot na prisão, em Vincennes, Rousseau leu o anúncio de um concurso
da Academia de Dijon e sentiu grande emoção ante a perspectiva de concorrer com
êxito. A questão era se a restauração das ciências e das artes tinha tendido a
purificar a moral.
Estimulado pelo amigo, enviou um trabalho. Seu ensaio,
conhecido sob o título abreviado de Discours sur les sciences et les arts
ganhou o primeiro prêmio; sua publicação ao final do ano seguinte o tornou
famoso.
No "Discurso sobre as ciencias e as artes" (1750),
Rousseau articulou o tema fundamental que corre através da sua filosofia
social: o conflito entre as sociedades modernas e a natureza humana e ressalta
o paradoxo da superioridade do estado selvagem, proclamando a "volta à
natureza". Ao mesmo tempo denuncia as artes e as ciências como corruptoras
do homem.
Nessa ocasião caiu doente e desenganado pelos médicos pensa
reformular sua vida e adaptá-la à doença afastando-se da agitação da vida
social. Deixou a posição de caixa do Banco de Dupin, e desde então ganhou sua
vida copiando música; ele chamou essa mudança de sua "grande
reforma". Porém, famoso, visitado, bajulado, tem dificuldade em levar a
vida recolhida que planejara.
Refugiava-se próximo a Paris, em casa de um amigo
compatriota e meio parente, o joalheiro M. Mussard, que depois de aposentado
dos negócios vivia a cultivar seu jardim. Nessa atividade o amigo havia
encontrado nos canteiros várias conchas fosseis, e passou a estudá-las com
vistas a criar um sistema. Em um período na de Mussard, em 1752, Rousseau
compôs a peça Le Devin du Village que foi primeiro representada para família
real, em Fontainebleau. A apresentação foi um grande sucesso; Rousseau deveria
ser apresentado a Luís XV no dia seguinte para receber uma pensão. Mas ele se
recusou a ir. Premido pelo mal de que sofria e que o obrigava a urinar
freqüentemente, temeu passar por essa dificuldade diante do rei, e pensando
também em quanto ficaria em débito e comprometido com o benefício da pensão,
decidiu não comparecer à apresentação e retornou a Paris. Sua partida causou
escândalo. Diderot censurou-o veementemente.
Le Devin du village, acabou de pô-lo em moda e em breve não havia homem mais
requisitado em Paris. A reação favorável a este trabalho contribuiu para a
crescente popularidade da música italiano, que Rousseau descrevia como mais
natural e mais apaixonada que a música Francesa, o que lhe valeu a oposição de
Rameau e dos partidários da música francesa.
Defendendo-se contra a acusação de
que sua música e seus escritos estavam em contradição com a mensagem do seu
"Discurso", Rousseau escreveu no prefácio do Narcisse (1752) que
porque ele não era capaz de suprimir o veneno das artes e da literatura, ele
estava servindo um antídoto ao veneno, direcionando armas da corrupção de volta
contra a própria corrupção. Como resultado de sua crítica à música francesa,
Rousseau foi colocado sob vigilância policial a partir de 1753.
Após o sucesso de sua opereta Le Devin du village, Rousseau
ressentiu-se do afastamento dos seus amigos, todos literatos mas não músicos, e
que portanto não podiam disputar com ele no campo teatral. Sentiu isso mais
fortemente da parte do Barão de Holbach, que chegou a desacatá-lo, o que fez Rousseau
afastar-se dele por largo período, e ir aos poucos rompendo com todos que ele
designava "partido holbáquico".
Da mesma época, porem com menos sucesso, é a peça Narcisse.
Rousseau resolveu transforma-la em literatura impressa, e as mesmas idéias aproveitou
a seguir, em novo trabalho para a Academia de Dijon. O tema proposto pela
Academia era sobre a origem da desigualdade entre os homens. Para escrevê-lo,
passeando nos bosques em Saint Germain, procura recriar na mente a imagem do
homem natural.
Desenvolveu o tema de que da própria civilização vinham os males
que afligiam o homem civilizado. Considera os homens iguais no estado natural,
quando viviam isoladamente como selvagens, e que a civilização se encarrega de
introduzir a desigualdade.
O Discourse sur l'inégalité parmi les hommes
("Discurso sobre a desigualdade entre os Homens", 1753 ), embora sem
o prêmio, é seu segundo escrito sensacional. Sua fama então estava assegurada.
Em 1754 um amigo que estava para viajar a Genebra convida-o
a acompanhá-lo e Rousseau aproveita a oportunidade para visitar a terra natal,
levando consigo Thérèse. Detém-se em Chambéri, onde encontra Louise e lhe
presta algum auxílio. Em Genebra é recebido como uma celebridade e pensando em
ali voltar a residir permanentemente, submete-se a uma cerimônia de conversão
ao protestantismo, a fim de reintegrar-se nos direitos de cidadão da republica.
Depois de quatro meses em Genebra, retorna a Paris para ultimar negócios com a
intenção de se repatriar definitivamente na primavera seguinte. Mas, sendo
impresso na Holanda o seu Discours sur l'inégalité e sendo a obra mal recebida
em Genebra, esfriou-se o seu entusiasmo de voltar.
Outros motivos contribuíram, porém, mais que este, para
deixar-se ficar na França.
Um foi a insistência de Mme. Louise-Florence-Petronille
Tardieu d'Esclavelles d'Épinay, uma amiga dos enciclopedistas, para que
permanecesse em Paris. O convite tornou-se irresistível porque Madame d'Épinay
colocou à sua disposição uma casinha nas proximidades do seu castelo próximo a
Montmorency, um local que Rousseau havia admirado e que ela, secretamente,
mandara reformar para ele.
O local, conhecido por l'Ermitage, ficava a apenas
quatro léguas da capital. O terceiro motivo foi o fato de Voltaire ter se
estabelecido perto de Genebra. Rousseau compreendeu que aquele homem iria fazer
uma revolução ali; que ele iria encontrar na sua pátria o tom, os ares, os
costumes que o afastavam de Paris. Desde então considerou Genebra perdida para
si.
Ele mudou para Montmorency em 1756 para devotar-se a
trabalhos mais profundos, especialmente um tratado que planejou chamar
Institutions politiques e um outro a ser intitulado Materialisme du sage, no
qual esperava inserir um objetivo espiritual nos métodos materialistas de
educação.
Ainda naquele ano de 1756 Rousseau escreve uma carta a Voltaire
dando-lhe conselhos contra sua visão negativa do mundo, a qual endereçou ao
médico do célebre escritor. Rousseau diz, nas "Confissões", que o
livro Candide, de Voltaire, foi uma resposta sarcástica a seus pontos de vista
otimistas, expressos naquela carta.
Efetivamente, o anabatista Jacques dos
primeiros capítulos talvez corresponda a Rousseau, porém o livro é muito mais
uma sátira à filosofia de Leibniz e a seus pontos de vista otimistas, citados
ao fim do capítulo XXVIII.
Na floresta de Montmorency Rousseau sonhava com o amor e
concebeu um delineamento para uma novela baseado na correspondência entre dois
jovens amantes. Em 1757, começa a escrever o Julie, um ardente romance em que
reúne no personagem principal seus principais amores. Então, acidentalmente ele
conheceu a Condessa d'Houdetot, cunhada de Madame d'Épinay, sua hospedeira.
Apaixona-se pela Condessa em quem vê a personagem do seu romance Julie.
O
relacionamento não foi além de sua declaração de amor, mas sua paixão deu uma
reviravolta inesperada nos planos da sua novela que veio a ser Julie: Ou La
Nouvelle Héloïse e teve um contexto moral, filosófico, religioso e até
econômico mais amplo do que ele havia concebido inicialmente. Essa paixão
valeu-lhe nova onda de chacota dos amigos e fez crescer um desentendimento com
Madame d'Épinay, irmã do marido de sua amada, que terminou por levar Rousseau a
rapidamente romper com ela e seu amante, o Barão de Grimm, seu antigo amigo, e
um importante crítico literário franco-germânico.
Rompeu com Madame d'Épinay por esta interferir em seu caso
com Madame d'Houdetot. Pelo mesmo motivo irritou-se com Diderot que havia
traído suas confidências sobre o caso. Em Dezembro de 1757 ele deixou
l'Ermitage, onde viveu por vinte meses. Alojou-se em Montlouis, uma outra casa
perto de Montmorency, que pertencia ao Duque de Luxemburgo, um de seus mais
poderosos e devotados amigos.
Desvencilhou-se da sogra que participara das
intrigas com Madame d'Épinay, para viver em Montmorency apenas com Thérèse e
seu cachorro Duque. Em Montlouis ele completou La Nouvelle Héloïse que foi
publicada em 1761.
Em 1758, outro incidente conduziu ao rompimento definitivo
com Diderot e os enciclopedistas. D'Alembert, por instigação de Voltaire, no
artigo Geneve da "Enciclopédia" fazia certas afirmações sobre o clero
protestante daquela república, de que eram "socinianos" (referindo-se
aos anti- trinitários seguidores de dois italianos do século XVI, Laelius e seu
sobrinho Faustus Socinus).
Além disso, propunha que um teatro fosse instalado
em Genebra para servir como um centro de propaganda para as idéias filosóficas.
Rousseau secretamente preparou uma réplica a este artigo, Lettre a d'Alembert
sur les spectacles, que foi publicada em 1758. Nela Rousseau, fiel ao seu
primeiro "Discurso", mostrou que o teatro clássico francês, de
Molière a Voltaire, tinha sido o prisioneiro da concepção aristocrática de vida
social e cultural.
Ele não havia expurgado paixões maléficas e não tinha
purificado a moral. Ao contrário, levou à ociosidade e corrupção e o povo de
Genebra deveria desconfiar dele se quisesse defender sua liberdade. Já no
Prefácio à Carta, Rousseau avisava que a vida social e mundana era a fonte da
maldade. Diderot considerou a carta uma deserção, uma traição na ocasião em que
Rousseau devia estar defendendo a "Enciclopédia".
Por essa época recrudesceram em Rousseau os males de saúde,
cujo diagnóstico primeiro foi de uma pedra na bexiga, corrigido depois de
incômodas sondagens da uretra, para crescimento desproporcional da próstata, e
o vaticínio, feito pelo médico, de que "sofreria muito e viveria
muito".
O diagnóstico de certo modo alivia os temores de Rousseau que
então fez um estoque de velas- sonda para cuidar de si mesmo. Mas, em 1759 já
havia publicado Lettre a d'Alembert e La Nouvelle Héloïse. Estava trabalhando
no Émile, no Instituitions Politiques, no "Contrato social" e no
Dictionnaire de Musique. O Materialisme du sage tornou-se um longo devaneio
sobre a educação e ganhou o título de Émile: Ou de l'education.
A muitos
pareceu que nessa obra Rousseau estava tentando redimir-se de ter abandonado
seus filhos, ajudando outros pais a criar suas crianças adequadamente. Ele
aconselhava-os a se desvencilharem de seus preconceitos sociais e "seguir
a natureza".
Em 1761 dá os últimos retoques no "Contrato
social" e sai publicado com grande sucesso o Julie. Aparece também o La
Paix Perpètuelle, assunto ao qual Voltaire era certamente avesso e que o motiva
a mais uma vez criticar ferinamente a Rousseau, em uma carta cheia de
zombarias, que Rousseau ignorou. O livro, concernente a uma federação que
traria a paz entre os países europeus era na verdade um resumo e uma crítica ao
plano idealizado pelo Abade de Saint-Pierre (1658- 1743). Em 1754 Madame Dupin,
uma admiradora do falecido Abade, havia sugerido a Rousseau que ele revivesse
as boas idéias que havia nos escritos de Saint-Pierre.
Em 1762 ele publicou seus mais conhecidos e influentes
trabalhos, Émile, um tratado sobre educação, e o "Contrato social",
um importante trabalho de filosofia política. O "Contrato social"
acabou saindo ainda um pouco antes do Émile, cuja edição atrasou-se. Émile e Du
contrat social seriam condenados pelo Parlamento de Paris em Junho do mesmo ano
como contrários ao governo e à religião.
Perseguição política.
Quando foi avisado de que o parlamento em Paris pretendia
mandar prendê- lo, Rousseau não se impressionou muito. Madame de Luxemburgo lhe
envia um ultimo aviso por um mensageiro, na madrugada do dia em que seria
preso. Pensou fugir para Genebra, mas lembrou-se de quanto sua obra Discours
sur l'inégalité havia sido mal recebida lá.
Enquanto os amigos cuidavam de
meios de fuga, ocultou-se no sótão do castelo, para onde trouxeram seus papeis
a fim de que separasse o que devia ser queimado, e o que ficaria sob custódia
do duque. Na fuga, cruzou com os meirinhos que vinham prendê-lo e, parece,
fingiram não conhecê-lo.
1761. De suas reflexões durante a fuga para a Suiça nasceram
as idéias para o Le Lévite d'Éphraïm.
Não se enganara sobre Genebra. Seu livro foi queimado
naquela cidade e no dia 13 de junho expedida ordem de prisão caso ele lá
aparecesse, nove dias depois de ter sido expedida em Paris. Quando entrou no
território de Berna, desceu do carro e beijou o chão inundado de felicidade.
Refugiou-se em Yverdum, em casa de M. Roguin..
Estimulado pelo acolhimento que tinha em Yverdum, decidiu
ali permanecer. Arranjaram-lhe uma casa para onde pretendia chamar Thérèse, mas
advertido de que o Senado, em Berna, estava a ponto de também mandar prende-lo,
decidiu fugir e aceitar um convite de Madame Boy de la Tour para refugiar-se em
Motiers, condado de Neuchâtel, sob proteção do rei Frederico da Prússia. La
conhece o marechal George Keith, um refugiado escocês. Neste refúgio entrega-se
à revisão do Dictionnaire de musique e recebendo seu arquivo, as Memórias.
Ressentido com seus compatriotas, escreveu ao conselho de
Genebra, em 1763, renunciando à cidadania. A posição do Conselho aparece em um
artigo Lettres de la Champagne, ao qual Rousseau responde parodiando o título,
com o seu Lettres de la Montagne.
Em 1763 também o Arcebispo de Paris expede um
mandato contra ele. No entanto, muitas pessoas, de todas as categorias,
viajavam léguas para irem inquiri-lo sobre suas idéias.
No último dia de 1764 ele recebeu um panfleto anônimo, Le
Sentiment des citoyens (O sentimento dos cidadãos), acusando-o de hipócrita,
pai desnaturado e amigo ingrato. Foi escrito por Voltaire, e seu efeito sobre
Rousseau foi terrível. Quando se recobrou do choque ele decidiu-se a escrever
sua autobiografia, as "Confissões".
Recebe ataques também dos camponeses, orientados por seus
pastores. Era vaiado na rua e ganhou pedradas. Escreve ainda um livreto de
poucas páginas contra os que o achacavam "Vision de Pierre de la Montagne,
dit le Voyant"
Incidente com Hume.
Madame de Verdelin, sua amiga de Paris, em viagem à Suiça
foi visitá-lo por três dias em Motiers. Ela estava plenamente convencida de que
uma estadia na Inglaterra lhe seria mais conveniente do que em qualquer outro
lugar; falou-lhe muito de David Hume, que estava, naquela ocasião, em Paris, do
desejo que ele tinha de lhe ser útil em seu país. Hume adquirira grande
reputação na França, principalmente entre os enciclopedistas devido a seus tratados
de comércio e política, e mais recentemente por sua história da casa de Stuart,
traduzido para o francês.
Rousseau recebeu dele uma carta extremamente elogiosa
na qual, aos grandes louvores ao seu gênio, juntava convite insistente para ir
para a Inglaterra e o oferecimento de todos os seus préstimos e de todos os
seus amigos para que tal estadia lhe me fosse agradável. O amigo Marechal,
compatriota e também amigo de Hume, encoraja-o a aceitar o convite.
Depois de dois anos e meio em Val-de-Travers, em Motiers,
Rousseau não suportou mais os perigos em que se achava com Thérèse. Sua casa,
em setembro de 1765, foi duramente apedrejada durante uma noite. Vai para a
ilha de Saint-Pierre, em Neuchâtel, em meio ao lago de Bienne. Porém a Ilha era
patrimônio do hospital de Berna. Não demorou que recebesse uma intimação para
deixá-la em 24 horas.
Em meio à neve, caminhos impraticaveis, Rousseau não sabia
como atender à ordem de sair em vinte e quatro horas. Estivera trabalhando no
projeto de uma Constituição para a Córsega, e então pensa refugiar-se lá.
Decidiu viajar para Berlim. Porém, com a ajuda do príncipe de Conti, François-
Louis de Bourbon, obteve um passaporte especial permitindo que fosse para a
Inglaterra, onde chegou em janeiro de 1766.
Hume obteve para ele uma residência agradável no campo, no
interior de Derby, pertencente a Mr. Davenport, chamada Wooton. Tão logo
Rousseau chegou a Wooton, ficou encantado com a situação do lugar, tanto quanto
com o campo adjacente, e escreveu a Hume nos termos mais polidos e agradecidos,
dizendo o quanto ele apreciava sua amizade e patrocínio. Em pouco tempo, porém,
o relacionamento entre eles alterou-se em consequência de uma brincadeira
ridícula.
Mr. Horace Walpole que, parece, não era nenhum grande amigo
de Rousseau, escreveu uma carta que atribuiu falsamente a Frederico, Rei da
Prússia, em que este o convidava para residir na sua corte em Berlim.
Depois que copias circularam por toda a Europa, a carta foi
publicada no St James's Chronicle. Foi neste jornal que Rousseau primeiro viu o
escrito. Hume não tinha conhecimento desse caso. Mas Rousseau, que então sofria
forte paranóia, imaginou que Hume tinha escrito e feito circular aquela carta
com a intenção de o confundir e fazer troça dele. Imediatamente escreveu aos
Editores do St James's Chronicle queixando-se amargamente da impostura, e
insinuando que a carta forjada havia sido composta por Hume.
Quando Hume soube que ele era suspeito por Rousseau de ser o
autor e divulgador da carta, publicou "Um conciso e genuíno relato da
disputa entre o Sr. Hume e o Sr. Rousseau". A querela entre os dois
provocou risos em toda a Europa. Em maio de 1767 Rousseau partiu
precipitadamente para a França.
Últimos anos.
Na França Rousseau tomou o nome de Renou, escondendo-se no
Castelo de Trye, próximo a Gisors, refúgio que lhe foi cedido pelo Príncipe de
Conti. Enquanto ele estava em Trye seu Dictionnaire de musique, no qual vinha
trabalhando a anos, foi finalmente publicado. Ele deixou Trye em Junho de 1768,
outra vez precipitadamente, indo para Bourgoin, perto de Lyon, - onde casou
para regularizar sua situação com Thérèse le Vasseur -, e depois para Monquin.
É neste período que escreve suas "Confissões".
Em 1770 ele mudou para Paris disposto a defender-se.
Reassumiu seu nome verdadeiro mas não foi molestado. Adquiriu o hábito de ler
trechos das Confissões nos salões parisienses o que causou certo escândalo. Por
exigência de Mme. d'Épinay, ele foi proibido de continuar tais leituras pelo
chefe de polícia de Paris.
No ano seguinte ocupou-se então de um estudo que lhe
foi solicitado pelos nacionalistas poloneses sobre como os poloneses deveriam
reformar suas instituições, e ele escreveu Considerations sur le gouvernement
de Pologne.
Ainda obcecado pela idéia de justificar-se perante a
sociedade, ele escreveu em 1775 Rousseau juge de Jean-Jacques: Dialogues. Em
Dezembro desse ano ele quis colocar esse trabalho sobre a proteção de Deus.
sobre o altar da Catedral de Notre-Dame, porém não pode fazê-lo devido à grade
de ferro que lhe impediu a passagem. Então lhe pareceu, desesperado, que Deus
havia se juntado aos seus perseguidores.
Durante os últimos dois anos de sua
vida seu estado mental foi menos pesado para ele: levou uma vida reclusa com
Thérèse, aceitou receber alguns jovens visitantes e escreveu o mais sereno e
delicado de seus trabalhos, Les Reveries du promeneur solitaire
("Devaneios de um caminhante solitário"), dedicado ao tema predileto
da natureza e dos sentimentos do homem pela natureza.
Em maio de 1778 ele mudou-se para Ermenonville, para um
pavilhão na propriedade do marquês René de Girardin, onde morreu pouco mais de
um mes depois, em 2 de julho. Foi enterrado na Ilha des Peupliers no lago de
Ermenonville, mas seus restos mortais foram removidos para o Panteon em Paris,
durante a Revolução.
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